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Financiamento para a Bioeconomia no Brasil: Fontes e Destinação dos Recursos

Publicado na Climate Policy Initiative em 12 de setembro de 2024. Joana Chiavari, Miguel Motta, Cristina Leme Lopes e Ana Flávia Corleto

No Brasil, a bioeconomia emerge como um novo paradigma de desenvolvimento econômico, baseado no uso sustentável da biodiversidade para a geração de riqueza, com inclusão e justiça social, respeitando os povos tradicionais. Para viabilizar esse modelo, é essencial mobilizar recursos públicos e privados em larga escala para garantir o financiamento necessário à bioeconomia.

Nesse sentido, pesquisadores do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) analisaram e quantificaram os fluxos financeiros já desembolsados que impulsionaram a bioeconomia no Brasil entre 2021 e 2023. Foram identificados os valores direcionados por fontes de recursos públicas e privadas tanto domésticas quanto internacionais. Também foram especificados os canais de desembolso, os instrumentos financeiros utilizados e os setores financiados.

Através desse exercício, é possível acompanhar a evolução dos recursos, avaliar se estão crescendo de forma compatível com a Estratégia Nacional de Bioeconomia,[1] identificar lacunas de financiamento e desenhar estratégias de investimento mais efetivas para fomentar inovações que valorizem produtos compatíveis com a floresta e demais formas de vegetação nativa e que impulsionem a economia justa, resiliente e de baixo carbono no país.

Para fins desse mapeamento, bioeconomia está sendo considerada em seu sentido amplo, como um modelo produtivo que se baseia no uso de recursos biológicos e renováveis para a produção de alimentos, energia, insumos, materiais e outros bens e serviços. Nesse conceito mais amplo, bioeconomia abrange diversos setores, incluindo agricultura e extrativismo de culturas nativas, floresta plantada, biotecnologia, bioprodutos, bioenergia e biocombustíveis. O resultado desse mapeamento identifica instrumentos consolidados que financiam setores da bioeconomia com valores expressivos, contando com vasta participação de atores privados e importante atuação do poder público. O aprofundamento sobre esses instrumentos e o papel dos atores financeiros nessa agenda demonstra que é possível ampliar o financiamento para setores estratégicos da bioeconomia, hoje subfinanciados.

Fluxos de Financiamento Climático para Bioeconomia no Brasil, 2021-2023

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Nota: Os valores referem-se à média, em bilhões de reais, para o valor agregado dos fluxos financeiros no período analisado, corrigidos pelo IPCA, tendo como referência dezembro de 2023.
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Sicor/BCB, Siop/MPO, Mapa, SES/Susep, MMA, BNDES, MME, B3, NINT, OCDE-DAC, BID, Banco Mundial, GEF, GIZ, Norad, 2024


Fluxos de Financiamento

Três quartos do financiamento estão fluindo para os setores de floresta plantada e de bioenergia e biocombustíveis, mas há desafios para promover a bioeconomia baseada em produtos oriundos da biodiversidade.

• O financiamento para bioeconomia no Brasil teve uma média de R$ 16,6 bilhões/ano entre 2021 e 2023.

• Conjuntamente, os setores de floresta plantada e de bioenergia e biocombustíveis foram os principais destinatários desse financiamento, tendo recebido, em média, R$ 12,3 bilhões/ano, o que equivale a 74% do total mapeado no período.

 O setor de floresta plantada concentra-se no financiamento para projetos de eucalipto e é responsável por 40% do total mapeado no período, R$ 6,6 bilhões/ano. Esse montante está concentrado em grandes projetos, com uma única empresa (Suzano) sendo responsável por 71% desse valor, através de três títulos temáticos e de um financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

• O setor de bioenergia e biocombustíveis é responsável por 34% do financiamento para bioeconomia no país, o que equivale a R$ 5,7 bilhões/ano. Instrumentos de financiamento inovadores — Créditos de Descarbonização (CBIOs) e títulos temáticos — representaram 87% desse valor, enquanto o BNDES contribuiu com 13%.

• Por outro lado, produtos oriundos da biodiversidade brasileira receberam R$ 1,4 bilhão/ano (9%), agricultura familiar recebeu R$ 1,4 bilhão/ano (8%), florestas nativas receberam R$ 0,92 bilhão/ano (6%) e políticas públicas que abarcam a agenda de forma transversal, tais como regularização fundiária e investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), receberam R$ 0,49 bilhão/ano (3%).

Nota: Os valores referem-se à média para o valor agregado dos fluxos financeiros no período analisado, corrigidos pelo IPCA, tendo como referência dezembro de 2023.
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Sicor/BCB, Siop/MPO, Mapa, SES/Susep, MMA, BNDES, MME, B3, NINT, OCDE-DAC, BID, Banco Mundial, GEF, GIZ, Norad, 2024


Fontes de Recursos

Fontes privadas domésticas são responsáveis por 69% do financiamento para bioeconomia, mas parte relevante desses recursos são direcionados por políticas públicas.

 A maior parte dos recursos mapeados vieram de fontes domésticas (R$ 16 bilhões/ano), que canalizaram 96% do financiamento. Desse montante, 69% (R$ 11,5 bilhões/ano) provêm de recursos privados. Contudo, o setor público tem papel importante dentro desses gastos por direcionar recursos oriundos de fontes privadas através de políticas públicas, como o crédito rural privado e os CBIOs, que, juntos, representam 31% do financiamento mapeado.

• Os recursos internacionais representaram 4% do total mapeado (R$ 0,58 bilhão/ano) e foram majoritariamente provenientes de governos internacionais — com destaque para os governos da Alemanha (43%) e Noruega (34%) — e de fundos climáticos internacionais (14%), tendo sido canalizados, principalmente, por meio de crédito de baixo custo e doações. Esses fluxos internacionais representam a principal fonte de recursos para o setor de florestas nativas.

Nota: Os valores referem-se à média para o valor agregado dos fluxos financeiros no período analisado, corrigidos pelo IPCA, tendo como referência dezembro de 2023.
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Sicor/BCB, Siop/MPO, Mapa, SES/Susep, MMA, BNDES, MME, B3, NINT, OCDE-DAC, BID, Banco Mundial, GEF, GIZ, Norad, 2024


Instrumentos Financeiros

Instrumentos inovadores (títulos temáticos e CBIOs) representam 56% do financiamento para bioeconomia, mas são utilizados exclusivamente para os setores de floresta plantada e de bioenergia e biocombustíveis.

• Títulos temáticos são responsáveis por alavancar recursos privados para a agenda de bioeconomia e representam o principal instrumento financeiro mapeado, tendo captado R$ 6,4 bilhões/ano (38%). Os títulos temáticos foram utilizados para captar recursos para os setores de floresta plantada e de bioenergia e biocombustíveis.

• O crédito rural é o segundo instrumento financeiro mais relevante, tendo canalizado R$ 3,8 bilhões/ano, o equivalente a 23% dos fluxos mapeados no período. Dos recursos via crédito rural para bioeconomia, 36% foram canalizados pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), linha que atende os agricultores familiares.

• Os CBIOs[2] representam um instrumento criado por política pública para distribuidores de combustível comprarem créditos de descarbonização, incentivando a produção e o consumo de biocombustíveis e financiando a descarbonização do setor de transportes. Entre 2021 e 2023, CBIOs mobilizaram R$ 3,1 bilhões/ano, 18% do total mapeado.

• Crédito de baixo custo foi responsável por canalizar R$ 1,8 bilhão/ano, o que equivale a 11% do que foi mapeado no período, sendo que a maior parte do recurso foi concedida pelo BNDES (86%). Os financiamentos do Banco se concentraram nos setores de bioenergia e biocombustíveis e de floresta plantada que, conjuntamente, representam 81% dos recursos do BNDES mapeados para bioeconomia. O Banco desempenha o papel de financiador por crédito de baixo custo, totalizando R$ 1,6 bilhão/ano (55%). Além disso, o BNDES também é financiador do crédito rural, totalizando R$ 1,2 bilhão/ano (44%), e gestor do Fundo Amazônia, com um total de R$ 0,02 bilhão/ano (1%).

• As despesas do orçamento público federal para financiar a bioeconomia totalizaram, em média, R$ 0,83 bilhão/ano (5%). Esses recursos são majoritariamente destinados a apoiar políticas públicas transversais para a agenda de bioeconomia (58%), com destaque para a regularização fundiária e financiamento de pesquisa e desenvolvimento. O orçamento público também tem um papel fundamental para financiar o setor de florestas nativas (33%), sendo responsável por custear despesas dos órgãos cuja atuação é fundamental para a execução de ações relacionadas à bioeconomia — em especial a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) — e despesas voltadas à proteção de povos e comunidades tradicionais.

Nota: Os valores referem-se à média para o valor agregado dos fluxos financeiros no período analisado, corrigidos pelo IPCA, tendo como referência dezembro de 2023.
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Sicor/BCB, Siop/MPO, Mapa, SES/Susep, MMA, BNDES, MME, B3, NINT, OCDE-DAC, BID, Banco Mundial, GEF, GIZ, Norad, 2024


Crédito Rural e Produtos da Biodiversidade

O crédito rural é um instrumento consolidado de financiamento nacional, mas o financiamento para produtos da biodiversidade via crédito rural equivale a apenas 2% do montante canalizado para soja entre 2021 e 2023.

Nota: Os valores referem-se à média para o valor agregado dos fluxos financeiros no período analisado, corrigidos pelo IPCA, tendo como referência dezembro de 2023.
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Sicor/BCB, 2024

• O mapeamento do financiamento dos produtos da biodiversidade se concentrou na análise do crédito rural, que representa 99% dos recursos para o setor. Embora haja investimento relevante em produtos da biodiversidade através desse instrumento, ele é significativamente menor em comparação com outros produtos financiados pelo crédito rural. Enquanto a soja recebe R$ 84,4 bilhões/ano, bovinos R$ 75,6 bilhões/ano, milho R$ 36,3 bilhões/ano e café R$ 17,9 bilhões/ano, produtos da biodiversidade canalizaram apenas R$1,4 bilhão/ano.

• A partir do levantamento das culturas agrícolas financiadas pelo crédito rural, observamos 31 produtos oriundos da biodiversidade brasileira.[3]

• Dentre esses produtos, os que mais receberam financiamento via crédito rural foram a mandioca, totalizando R$ 580 milhões/ano (41%); o cacau, totalizando R$ 140 milhões/ano (10%); a seringueira, totalizando R$ 132 milhões/ano (9%); e o açaí, totalizando R$ 121 milhões/ano (8%). Juntos, esses produtos representam 68% do total do setor. Embora em menor escala, maracujá, abacaxi, erva-mate, carnaúba, palma, caju, castanha-do-Pará e pupunha também receberam, em conjunto, R$ 438 milhões/ano via crédito rural nas diversas regiões do Brasil (31% do total do setor).

• A Região Sul foi a que mais recebeu financiamento para produtos da biodiversidade no período de 2021 a 2023, concentrando 30% do total. A mandioca, originária da Amazônia, mas cultivada em todo o país, obteve a maior parte do financiamento (72%). O Paraná é o segundo maior produtor da raiz, por meio de agricultura intensiva em tecnologia, e o maior produtor dos derivados industriais, como a fécula de mandioca.[4]

• A Região Nordeste foi a segunda destinatária do financiamento, rerecebendo 26% do total, com destaque para a produção de cacau na Bahia. Em terceiro lugar, encontra-se a Região Sudeste, tendo recebido 21% no período, sendo a seringueira o segundo produto a canalizar mais financiamento na região (33%). Isso se justifica pelo fato de São Paulo ser o maior produtor de borracha natural no Brasil, acomodando grande parte da cultura de seringueira no Sudeste, apesar de ser uma árvore originária da região Amazônica.

 Embora a bioeconomia baseada em produtos da biodiversidade seja crucial para o desenvolvimento sustentável na Amazônia, a Região Norte obteve apenas 12% de financiamento para produtos da biodiversidade entre 2021 e 2023, ficando à frente apenas do Centro-Oeste (11%). A castanha-do-Pará, insumo típico da Região Norte que possui extrema importância ecológica, econômica e social, recebeu somente R$ 17,98 milhões/ano.

Metodologia

Este é um mapeamento inicial de fluxos financeiros para bioeconomia no Brasil, tomando como ponto de partida metodológica e de base de dados o Panorama de Financiamento Climático para Uso da Terra no Brasil.[5] A abordagem metodológica é baseada na experiência internacional do CPI em mapear o financiamento climático globalmente há mais de 10 anos, no Panorama Global de Financiamento Climático,[6] e adaptada para o cenário brasileiro. Para mapear o financiamento de bioeconomia no Brasil, parte-se dos conceitos da publicação “Bioeconomia na Amazônia: Análise Conceitual, Regulatória e Institucional”.[7]

A partir desse marco teórico para bioeconomia, os dados de uso da terra foram filtrados e categorizados. Este mapeamento, portanto, não exaure os recursos existentes por dois motivos:

• Há recursos para bioeconomia que extrapolam o recorte de uso da terra, especialmente quando analisados os gastos em pesquisa e desenvolvimento;
• As fontes de dados com a transparência necessária para tal análise são limitadas, especialmente do mercado privado de capitais e de crédito. Ademais, as bases de crédito rural não permitem identificar o método de produção de forma a avaliar a sustentabilidade dos produtos da biodiversidade.

Portanto, esta publicação serve como um ponto de partida para compreender o estado do financiamento para bioeconomia no Brasil, reconhecendo que existem fluxos adicionais que não estão contemplados nesta análise.


[1] Decreto nº 12.044, de 5 de junho de 2024 – Institui a Estratégia Nacional de Bioeconomia. bit.ly/4g65CnF.

[2] O CBIO é um instrumento estabelecido em 2019 pela Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). Cada CBIO corresponde a uma tonelada de carbono equivalente evitada, emitida por produtores e importadores de biocombustíveis. A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP) determina metas individuais, anuais e compulsórias de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEEs) para distribuidores de combustíveis a serem cumpridas pela compra de CBIOs. 

[3] A classificação dos produtos da biodiversidade brasileira aqui apresentada se deu com base nos produtos previstos na Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPMBio) e em consultas realizadas no Flora e Funga do Brasil – Reflora, administrado pelo Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. O levantamento das culturas agrícolas financiadas pelo crédito rural apontou somente o nome popular das espécies. A partir dessa informação, foi realizada a conversão pelo nome científico para consulta no Reflora, com o intuito de verificar quais espécies mapeadas são consideradas nativas. Com base nisso, foram listados 31 produtos oriundos da biodiversidade brasileira: açaí, amora, andiroba, aroeira (pimenta-rosa), baru, cacau, cajá, caju, camapu, carnaúba, castanha de baru, castanha de caju, castanha-do-Pará, cupuaçu, erva-mate, guaraná, guariroba, jabuticaba, macaúba, mandioca, mangaba, maracujá, palma, palmeira, palmito (pupunha, açaí), pupunha, seringueira, taperebá, tucum, umbu e urucum.

[4] Conab. Mandioca – Análise Mensal – Maio 2024. 2024. Data de acesso: 4 de setembro de 2024. bit.ly/3Mz68Nu.

[5] Chiavari, Joana et al. Panorama de Financiamento Climático para Uso da Terra no Brasil. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2023. bit.ly/PanoramaUsoDaTerra.

[6] Buchner, Barbara et al. Global Landscape of Climate Finance 2023. Climate Policy Initiative, 2023. bit.ly/47h7kyn.

[7]  Lopes, Cristina L. e Joana Chiavari. Bioeconomia na Amazônia: Análise Conceitual, Regulatória e Institucional. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2022. bit.ly/BioeconomiaNaAmazonia.


Este trabalho é financiado por Norway’s International Climate and Forest Initiative (NICFI). Nossos parceiros e financiadores não necessariamente compartilham das posições expressas nesta publicação.
Os autores gostariam de agradecer o suporte para a pesquisa de Augusto Monnerat, Eduardo Minsky e Renan Florias. Também gostaríamos de agradecer Natalie Hoover El Rashidy, Giovanna de Miranda e Camila Calado pelo trabalho de revisão e edição de texto e Nina Oswald Vieira e Meyrele Nascimento pelo trabalho de design gráfico.

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Cientistas pedem ações urgentes para enfrentamento da crise nutricional dos Yanomami

Agência FAPESP* –José Tadeu Arantes | Agência FAPESP
foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Uma forte denúncia sobre as condições de saúde da população infantil Yanomami foi publicada na revista Nature Medicine por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O artigo, assinado por Thiago dos Reis Araujo, Ana Paula Davel e Everardo Magalhães Carneiro, revela que as crianças dessa etnia estão atualmente enfrentando os déficits nutricionais mais graves entre as populações indígenas da América; que aproximadamente 570 crianças morreram de fome nos últimos quatro anos; e que, em 2022, 52,2% das crianças menores de 5 anos estavam desnutridas, um número muito acima da média global, de 29,1%.

A Terra Yanomami é a maior reserva indígena do Brasil. Em 2019, seu território sofreu aumentos substanciais de mineração ilegal, incêndios e desmatamento, sem qualquer medida efetiva de controle por parte do então governo federal. O conjunto de problemas acumulados levou o atual governo a declarar uma crise de saúde pública na área. “A ministra do Ministério dos Assuntos Indígenas no Brasil, Sônia Guajajara, destacou que as ações para melhorar o estado nutricional da população Yanomami são uma necessidade imediata. No entanto, a desnutrição, particularmente durante a infância, pode resultar em consequências de saúde de longo prazo e aumentar o risco de doenças na idade adulta. Esse risco persiste mesmo após a reabilitação nutricional”, afirma Davel.

E Magalhães Carneiro explica: “Pesquisadores da Universidade de Southampton, no Reino Unido, propuseram a hipótese do ‘fenótipo poupador’. Esta afirma que indivíduos expostos à desnutrição durante estágios críticos de desenvolvimento, como a vida intrauterina, a lactação e a primeira infância, são suscetíveis à formação e funcionamento prejudicados de vários órgãos, tornando-os mais vulneráveis a desenvolver doenças na idade adulta”.

Tal hipótese foi corroborada por dados da chamada “fome holandesa”, de 1944-1945. Nesse biênio, com os Países Baixos invadidos por tropas da Alemanha nazista, 4,5 milhões de pessoas sofreram de fome extrema. Os bebês nascidos durante o período ou pouco depois exibiram menor peso ao nascer e menor tamanho corporal. E, quando alcançaram a fase adulta, essas pessoas apresentaram propensão a vários problemas de saúde, resultantes de deficiências nutricionais, e maior taxa de mortalidade.

“A desnutrição infantil provoca várias modificações estruturais e funcionais, predispondo o futuro adulto a maiores prevalências de obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e distúrbios cognitivos e de personalidade”, afirma Magalhães Carneiro. Essa informação é muito importante, porque existe a falsa ideia de que, uma vez identificado um quadro agudo de desnutrição, basta alimentar bem ou superalimentar as pessoas afetadas para que tudo volte ao normal. “Ao contrário, a reabilitação nutricional deve ser conduzida com muito cuidado, porque os organismos não estão preparados para metabolizar grandes quantidades de nutrientes”, prossegue o pesquisador.

Um agravante é que os danos causados pela desnutrição crônica podem ser transmitidos de uma geração a outra. Estudos realizados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Manaus e no Rio de Janeiro já mostraram que as crianças Yanomami têm alta prevalência de nanismo associada à redução do tamanho materno.

O artigo afirma que “ações estratégicas são urgentemente necessárias para antecipar e mitigar as consequências de longo prazo da desnutrição para a saúde da população Yanomami”. E conclama governos, universidades, institutos de pesquisa e agências de financiamento a unificar esforços nesse sentido, lembrando que “qualquer intervenção nutricional ou estratégia deve ser planejada e culturalmente adaptada, bem como estendida a áreas e municípios próximos às comunidades Yanomami”.

Além disso, ressalta que as estratégias relativas à saúde da população Yanomami não podem ser desvinculadas da proteção territorial, de uma forte gestão ambiental, com o controle da mineração e da exploração de recursos naturais e de compensações socioambientais e políticas que protejam os direitos das terras indígenas.

Os três autores integram o Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Magalhães Carneiro é um dos pesquisadores principais da instituição e também coordena um Projeto Temático financiado pela FAPESP.


O artigo Life-long health consequences of undernutrition in the Yanomami indigenous population in Brazil pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41591-024-02991-y.

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Decreto institui estratégia nacional de bioeconomia

No Dia Mundial do Meio Ambiente, decreto cria uma Estratégia Nacional de Bioeconomia. Entre os objetivos da estratégia estão ampliar “a participação nos mercados e na renda de povos Indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares” e promover o desenvolvimento “a partir do uso dos recursos biológicos, de base ambiental, social e economicamente sustentáveis”. 

O decreto prevê a indicação de uma Comissão Nacional de Bioeconomia, com a participação de pessoas do governo e da sociedade, para formular em apenas 60 dias um Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia, a fim de pôr em prática a estratégia.

O plano definirá recursos, ações, responsabilidades, metas e indicadores para o setor. A comissão será indicada pelos ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima, do Desenvolvimento e da Fazenda. Um Sistema Nacional de Informações e Conhecimento sobre a Bioeconomia, a cargo da pasta de Marina Silva, será criado para dar subsídios à implementação do plano.”  

A apresentação é parte da matéria de Claudia Antunes para a revista Sumaúma, publicada em 10 de junho de 2024, “A grande disputa da bioeconomia.

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Bioeconomia para quem?

Bioeconomia e sustentabilidade
USP Pensa Brasil 2024

Vídeoensaio, apresentação da obra

Esse video reúne clipes produzidos por organizações amazônicas, entrevistas com lideranças e imagens captadas pelas expedições de pesquisa realizadas pelos coautores do livro ‘Bioeconomia para quem? Bases para um Desenvolvimento Sustentável na Amazônia.’

Programa

16h30 – Recepção dos participantes na Sala Villa Lobos da BBM 

17h00 às 18h30 Seminário Bioeconomia na Amazônia 
Sala Villa Lobos do Espaço Brasiliana da Universidade de São Paulo. 

  • Desafios e Conceitos de Produtos Florestais Não Madeireiros 
  • Cadeias de valor do pirarucu, do cacau, da meliponicultura, do açaí
  • Meta-organizações e Inovações Sustentáveis
  • Biodiversidade nas práticas agrícolas dos povos indígenas
  • Bioeconomia e restauração florestal na Amazônia
  • Bioeconomia Amazônica e Cidadania

18h30 as 19h00 Lançamento da obra coletiva “Bioeconomia para quem? Bases para um Desenvolvimento Sustentável na Amazônia no Auditório do Espaço Brasiliana da Universidade de São Paulo

19h00 às 19h30 – Intervalo

19h30 às 21h30 “Bioeconomia e sustentabilidade”
no Auditório do Espaço Brasiliana da Universidade de São PauloPrograma completo no site do Pensa Brasil 2024

Sobre a obra

Nesta obra, configura-se o engajamento voluntário na formulação de prioridades ambientais monitoradas por métricas, e alarga-se um debate que, antes, era restrito ao âmbito do Estado provedor. É cada vez mais oportuna e forte a presença da sociedade brasileira organizada neste
campo de análise, que também mobiliza, em escala planetária, o interesse da comunidade científica internacional.

Lançado no ano do G20 Brasil e um ano antes da Cúpula Mundial do Clima, em Belém do Pará, este livro traz relevante contribuição de universidades e outras instituições públicas ao tema da bioeconomia, com ênfase na função inclusiva que deve exercer na Amazônia de hoje.

Nas democracias, a voz da sociedade exprime suas expectativas ao poder constituído, mas também propõe os meios que julga adequados para atendê-las.

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Bioeconomia dos produtos florestais não-madeireiros

Grandes expectativas são depositadas em uma bioeconomia dos produtos florestais não madeireiros (PFNM) como um meio de conciliar conservação e desenvolvimento. 

Mas será que essas expectativas são justificadas e respaldadas por evidências? 

Link para o artigo: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1389934124000819

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Cacau Cadeias setoriais Castanha do Brasil Conteúdos relacionados Publicações Relatórios

Estudo sobre as cadeias produtivas do cacau e da castanha

IDESAM – O estudo examina as cadeias produtivas da castanha-do-brasil e do cacau na Amazônia – em suas diversidades de elos, atores, desafios e temas estruturantes.

A metodologia e análise abordam as oportunidades e os caminhos que estão florescendo de forma inovadora como soluções e melhores práticas nos elos produtivos.

Práticas e caminhos para a expansão e fortalecimento dessas cadeias na Amazônia.

Link para acesso: https://idesam.org/publicacoes/estudo-melhores-praticas-nos-elos-das-cadeias-produtivas-da-castanha-do-brasil-e-do-cacau/

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Bioeconomia indígena: saberes ancestrais e tecnologias sociais

A obra discute os diferentes significados de “economia” para os povos indígenas, oferecendo uma perspectiva 

sobre como se relacionar com os com arranjos produtivos e atividades econômicas voltados à prosperidade na Amazônia.

Acesse o documento completo em: https://concertacaoamazonia.com.br/estudos/bioeconomia-indigena/

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Por uma bioeconomia inclusiva e que mantenha em pé a floresta

CARINA PIMENTA – diretora-executiva da Conexsus (Instituto
Conexões Sustentáveis) e ANDREA AZEVEDO – diretora de
Desenvolvimento Institucional da Conexsus.

Publicado na Revista Interesse Nacional. Ano 13 • edição especial 01 • bioeconomia • agosto 2020

A Organização das Nações Unidas para Agricultura e alimentação (FAO) define bioeconomia como produção, utilização e conservação de recursos biológicos, incluindo conhecimento, ciência, tecnologia e inovação para disponibilizar informação, produtos, processos e serviços para todos os setores econômicos que buscam uma economia sustentável [1]. Quando falamos de bioeconomia, sobretudo em um contexto de sustentabilidade ambiental e social, estamos falando de uma economia que deve ser capaz de usar a riqueza natural de maneira sustentável, para que esses resultados se traduzam em dois benefícios principais: a) conservação dos biomas naturais e seus recursos; b) na melhoria do bem-estar das populações que vivem da/na floresta e que detêm muito conhecimento sobre ela. Não é possível chegar a essa bioeconomia inclusiva sem a presença e a participação ativa dessas comunidades.

Ainda hoje, a floresta é vista por muitos como empecilho para o desenvolvimento – os números do desmatamento da Amazônia voltaram a subir pela primeira vez desde 2005, tendo chegado a mais de 10.000 km2 em 2019, uma alta de 34% em relação a 2018 [2]. A biodiversidade dos biomas brasileiros, de maneira especial da Amazônia e do Cerrado, é subestimada em relação ao potencial econômico que pode oferecer.

É premente e muito importante que a sociedade, no seu conjunto (Estado, empresas privadas, instituições financeiras, investidores de impacto, sociedade civil e movimentos sociais), cada um desempenhando papéis específicos e complementares, consiga implementar um novo caminho de desenvolvimento e de crescimento econômico no qual o desmatamento não seja protagonista. A primeira lição que aprendemos é que não existe um modelo pronto (embora haja vários caminhos), portanto, teremos que construí-lo, devendo essa ser uma prioridade para o país.

Um dos pilares desse modelo é o fortalecimento de uma vibrante e inovadora economia da floresta em pé. Hoje a economia extrativista e agroextrativista poderia ser muito mais eficiente e beneficiada com mais conexões: com mercados que querem esses produtos; com mais tecnologia e conhecimento para agregar valor às cadeias da floresta; com o florescimento de um processo industrial da quarta geração que usa tecnologias inteligentes e muito menos intensivas em energia (Nobre e Nobre, 2018; Homma, 2018); e com crédito, que no Brasil é altamente subsidiado, mas que na Amazônia tem 85% do seu fluxo indo para a pecuária de baixa produtividade (Pinto e Azevedo, 2017).

Para falarmos desse ecossistema de negócios [3] da bioeconomia, vamos fazer considerações sobre as lacunas que precisam ser preenchidas para o florescimento dessa economia da floresta, por meio da análise de quatro eixos centrais: o desenvolvimento de negócios comunitários e do empreendedorismo territorial; a conexão com o mercado; o financiamento e os investidores de impacto e o papel das políticas públicas.

O desenvolvimento de negócios comunitários e do empreendedorismo territorial

Os negócios comunitários na Amazônia ou em qualquer outro bioma brasileiro são empreendimentos que se dedicam ao uso sustentável do solo e dos recursos naturais, à preservação e recuperação das florestas e à valorização dos ativos socioambientais e, assim, contribuem para a preservação do meio ambiente e da sociobiodiversidade. São cooperativas, associações de produtores, indígenas, quilombolas, extrativistas e outras populações tradicionais ou outras formas associativas de organização comercial e social que geram receita, trabalho e renda para as comunidades envolvidas. Atuam em cadeias produtivas, como as relacionadas à alimentação saudável e sustentável, aos sistemas agroflorestais, à sociobiodiversidade e ao extrativismo, à pesca artesanal sustentável, ao manejo florestal comunitário e ao turismo de base comunitária.

Essas organizações estão presentes em todo o Brasil, sendo que um número significativo está localizado na Amazônia e em unidades de conservação de uso sustentável. Esses empreendimentos se encontram em vários estágios de maturidade: há um grande número de iniciativas ainda incipientes e outras em vias de consolidação ou mais avançadas. Muitas organizações ainda sofrem com a baixa agregação e captura de valor dentro das cadeias produtivas. Adicionalmente, muitas convivem sob pressões e ameaças relacionadas a fatores como a expansão do agronegócio, problemas fundiários, desmatamento, entre outros.

Após amplo mapeamento feito pela Conexsus, em 2018, sobre negócios comunitários, os dados mostraram que 71% das organizações econômicas (736) têm receitas declaradas abaixo de R$600 mil/ano em todo o Brasil (Desafio Conexsus, 2018). Além disso, poucas dessas cooperativas acessam mercados privados (B2B), sendo que a maioria vende direto ao consumidor em feiras ou em outras frentes mais informais. Portanto, os negócios sustentáveis ligados à sociobiodiversidade geram menos benefícios econômicos, sociais e ambientais do que poderiam. Consequentemente, isso limita suas contribuições à proteção de florestas e biomas e à transição para uma economia de baixo carbono, gerando pouco bem-estar social para as populações e municípios com altas quantidades de florestas.

As organizações sociais são muito importantes para que a agregação de valor e a distribuição mais justa entre as comunidades aconteça. Portanto, o apoio aos negócios comunitários (associações e cooperativas) geridos por essas organizações sociais deve ser uma prioridade das políticas públicas e deveria ser um alvo de investimento para os negócios privados que querem gerar mais impacto social em suas cadeias de fornecedores. Ao fortalecer os negócios, fortalecemos a resiliência social e econômica dessas comunidades, que possuem lutas importantes em relação a direitos ao território e à manutenção de seus meios de vida.

Portanto, melhorar os negócios pressupõe melhorar a organização social. De modo que o fortalecimento desses negócios comunitários de impacto socioambiental torna-se estratégico para o desenvolvimento de uma bioeconomia inclusiva no país.

Um primeiro movimento que se espera é o desenvolvimento desses negócios por meio do trabalho mais sistemático e eficaz na formação de suas lideranças e da cooperação, envolvendo os cooperados e associados nas decisões da organização. A melhoria das competências para áreas de gestão, governança e comercialização (estratégias de mercado), assim como a atitude empreendedora, principalmente ampliando as lideranças femininas e jovens, deve ser um foco de investimentos tanto das políticas públicas, como de organizações de filantropia e multilaterais de desenvolvimento.

Esse deve ser um movimento em escala, para além dos pilotos bem-sucedidos em alguns territórios. A consolidação de uma bioeconomia inclusiva requer que centenas de negócios comunitários ampliem sua sustentabilidade econômica e que, assim, contribuam para a ampliação dos seus impactos socioambientais.

O papel dos mercados

O mercado dos produtos da sociobiodiversidade ainda apresenta inúmeras limitações, das quais muitas estão ligadas às características dos produtos florestais extrativos, que possuem: alta perecibilidade e uma logística de escoamento complicada, escala de produção em geral baixa e instável, preços baixos, mercado variável e desorganizado (e por vezes oligopolizado ou realizado por atravessadores), reduzido nível tecnológico aplicado, baixo incentivo fiscal, dentre outras (MMA, 2017).

Muitos desses negócios – por conta dessas restrições e, de forma mais específica, por conta da logística – acabam restringindo-se ao âmbito local e/ou aos institucionais[4]. Quando alcançam mercados mais formais e exigentes, existem várias lacunas a serem superadas e a cadeia, muitas vezes, é tão longa que dificilmente o extrativista e o agricultor alcançam ou conhecem seu mercado final.

Contudo, muitos desses negócios comunitários querem expandir seus mercados, inclusive exportando para outros países. Por outro lado, há uma pressão de consumidores por produtos mais saudáveis, mais naturais e que tenham uma origem conhecida, com respeito a práticas que conservem o meio ambiente e observem as regras trabalhistas. Ou seja, há um trabalho de “aproximação e matching” entre esses dois universos que deve ser muito mais dinamizado.

A Conexsus e seus parceiros fizeram, em 2019, um levantamento de empresas privadas para identificar aquelas
que gostariam de comprar produtos da bioeconomia ou produtos agrícolas sustentáveis. Foram identificadas 250 empresas com potencial de comprar uma diversidade desses produtos e 82 empresas que declararam as suas necessidades, apontando demanda por 290 produtos.

Apontaram também suas “dores e preocupações” na compra direta desses negócios comunitários. Conclui-se que a maioria, sobretudo empresas maiores e mais rígidas em relação aos requerimentos requisitados, não está preparada para comprar diretamente dos negócios comunitários e acaba recorrendo a intermediários.

Uma parte considerável não conhece a realidade de funcionamento dos negócios comunitários, tornando esse
trabalho de sensibilização e informação bastante relevante. É preciso ressaltar que muitas empresas privadas necessitam de um modelo de compras mais adaptado às necessidades desses negócios. E, por fim, para muitas cadeias baseadas na floresta é necessário que as empresas/indústrias estejam dispostas a apoiar uma parte do seu desenvolvimento para identificar novos ingredientes ou garantir uma produção com mais qualidade e frequência.

Esse investimento em inovação e pesquisa e desenvolvimento deve ser ampliado tanto do lado de compradores que querem diferenciar seus produtos, quanto da perspectiva dos negócios comunitários, que pode buscar um valor adicionado aos seus produtos. Iniciativas como Amazônia 4.0 pretendem agregar muito valor à produção a
partir do uso de novas tecnologias nos negócios comunitários e de empreendedores que querem apostar na bioeconomia da floresta em pé. Esse ponto é muito importante para a expansão de mercados com maior valor adicionado para quem tem seus negócios baseados na floresta.

Ou seja, embora haja um trabalho a ser perseguido para que essas lacunas sejam superadas, há, de fato, um movimento que tem levado grandes e médias empresas a chegarem mais perto dos produtores de suas matérias-primas. Do lado da oferta, há um movimento para agregar mais valor aos produtos, melhorar a qualidade e trabalhar mais em rede para atender a diversos requisitos ou arranjos que uma cooperativa ou associação, sozinha, não consegue. Portanto, entendemos que o caminho e o momento são de convergência para uma aproximação das pontas de diversas cadeias de valor.

Financiamento

A contração de financiamento tem sido um constante desafio entre os negócios comunitários de impacto socioambiental. Contratos elaborados pelas tradicionais instituições financeiras são pouco adaptados ao contexto florestal, marcado por um reduzido acesso a informações financeiras, reduzido número de títulos definitivos de propriedade e uma ausência de arranjos de financiamento alternativos para a mitigação das incertezas dos credores quanto à gestão e à transparência da aplicação dos recursos emprestados. Em paralelo, os recursos de filantropia não são suficientes para gerar as transformações necessárias em empreendimentos socioambientais no sentido de torná-los sustentáveis do ponto de vista econômico.

Nesse contexto, combinar investimento filantrópico com investimento reembolsável em um modelo de investimento híbrido (blended finance[5]) parece uma alternativa capaz de destravar recursos financeiros para viabilizar a estruturação de veículos de investimento e de crédito apropriados para a realidade dos negócios comunitários sustentáveis (Convergence, 2020) O acesso ao capital propicia, a partir de sua aplicação produtiva, a implementação de processos organizacionais que levam ao desenvolvimento desses negócios, tais como acesso a novos mercados, conhecimento e tecnologia, atração e retenção de talentos e ampliação de parcerias e da rede de relacionamentos.

Os investimentos híbridos são particularmente adequados para empreendimentos que estão no momento de crescimento para ganhar escala, isto é, quando já possuem um histórico satisfatório de prototipagem, de resultados e de remodelação – fatores que contribuem para apontar, minimamente, a viabilidade econômica do negócio, reduzindo incertezas quanto ao prosseguimento de seus rendimentos futuros. Em comparação com empreendimentos em fases muito iniciais de concepção e prototipagem, os custos de transação de empreendimentos ligeiramente mais estruturados também são menores, o que reduz o tempo necessário de investimento não reembolsável em relação ao investimento reembolsável no momento de composição do investimento híbrido, sendo, assim, mais atraentes aos credores e investidores.

Outra fonte de recursos para a bioeconomia são aqueles destinados ao crédito público, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), no caso do Brasil, que oferece taxas muito vantajosas para o tomador de crédito. Contudo, uma parcela insignificante do Pronaf, tanto de custeio, quanto de investimento, segue para os negócios rurais de impacto socioambiental, geralmente ligados ao extrativismo de produtos da floresta ou a agroextrativismo, sistema agroflorestal, produtos orgânicos ou em transição para uma produção mais sustentável. Ou seja, são negócios que têm um papel crucial na manutenção da vegetação nativa e na transição para uma bioeconomia da floresta em pé.

Nesse sentido, os investimentos híbridos podem também ser estratégicos como ponte para que os negócios comunitários acessem o Pronaf, deixando essa carteira mais sustentável em todo Brasil. Tais recursos de investimentos híbridos podem, por exemplo, compor veículos financeiros que realizam operações que ajudam a estimular o uso do crédito rural, como garantia complementar, aval ou recuperação de crédito.

O papel das políticas públicas

Na Amazônia brasileira, os negócios comunitários não possuem lugar de destaque para combater o desmatamento, nem nas políticas públicas, tampouco como estratégia privada.

O plano de controle de desmatamento da Amazônia (PPCDAM) não conseguiu avançar em seu terceiro eixo de arranjos produtivos sustentáveis e seu potencial é subutilizado para criar uma lógica econômica que gere não somente aumento de renda a partir da biodiversidade e do carbono, mas também a “economia da resistência” – prova do conceito de que esses negócios ativados fortalecem a resiliência dessas comunidades e os direitos sobre esses territórios.

Comunidades desprovidas de um nível adequado de renda são mais propensas a abandonar ou a serem expulsas de suas terras, migrarem para favelas urbanas e, desse modo, permitir o avanço do desmatamento e das emissões pelo agronegócio e especulação fundiária. Portanto, todos esses elementos precisam ser conectados, sendo que as políticas públicas de fomento à agricultura familiar sustentável e à bioeconomia da floresta precisam de ter um objetivo claro de transformação desse ecossistema de negócios de impacto rural.

Isso implica mudar o foco do crédito, ter regras mais claras no campo fundiário, como também mudar a relação de empresas e universidades com o conhecimento tradicional. É também necessário ter mais transparência e constância nas políticas de fomento (compras institucionais e preços mínimos), estimular novos arranjos para maior capacidade de processamento e agregação de valor. Cabe aos estados incluírem em sua estratégia de atração de empreendimentos aqueles que fomentem o desenvolvimento das cadeias de produtos do agroextrativismo, incluindo nessa estratégia uma política tributária que possa desonerar esses negócios e, por fim, ajudar a criar ambiência para que novos negócios em torno da bioeconomia possam se estruturar.

Isso passa por um trabalho com ciência e tecnologia e por envolvimento das comunidades que conhecem e vivem na floresta. Isso também passa pela criação de um ambiente que estimule o ecossistema de inovação e de empreendedorismo. A retomada do Fundo Amazônia poderia ser um instrumento muito bem-vindo para impulsionar o desenvolvimento mais estruturado da bioeconomia na região da Amazônia e em outros biomas do Brasil.


[1] FAO defines bioeconomy as the production, utilization and conservation of biological resources, including related
knowledge, science, technology, and innovation, to provide information, products, processes and services across
all economic sectors aiming toward a sustainable economy.

[2] http://www.obt.inpe.br/OBT/noticias-obt-inpe/a-taxa-consolidada-de-desmatamento-por-corte-raso-para-os-nove-
estados-da-amazonia-legal-ac-am-ap-ma-mt-pa-ro-rr-e-to-em-2019-e-de-10-129-km2

[3] Ecossistema de negócios é um conceito que se origina da biologia e que nesse contexto significa a interdependência de papéis para que o sistema funcione apropriadamente (Cruz, Quitério, Scretas, 2018). É um termo comumente usado quando se refere a investimentos de impacto socioambiental.

[4] Mercados institucionais são aqueles provenientes de programas de compras públicas, como, por exemplo, PNAE, destinado às escolas públicas, e PAA. Mas, existem mercados institucionais que se originam de universidades, exército e outros órgãos públicos.

[5] Financiamento híbrido é o uso estratégico de recursos financeiros para desenvolvimento para a mobilização de financiamento privado adicional em prol do desenvolvimento sustentável https://www.oecd.org/dac/financing-
sustainable-development/blended-finance-principles/
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Nova metodologia projeta crescimento de árvores nativas

Luciana Constantino | Agência FAPESP – 08/01/2024

O tema da restauração florestal tem ganhado destaque nos últimos anos tanto na iniciativa privada e no mercado financeiro como na academia e entre governos, principalmente no caso do Brasil, que assumiu o compromisso, desde o Acordo de Paris, em 2015, de recuperar com floresta nativa 12 milhões de hectares, ou seja, praticamente o equivalente ao território da Coreia do Norte. No entanto, as iniciativas ainda dependem do caro processo de plantio de árvores e padecem com a falta de dados sobre o crescimento das espécies e do total de áreas recuperadas.

Pesquisa publicada na revista científica Perspectives in Ecology and Conservation contribui com o avanço do setor. Mostra que a aplicação de métodos silviculturais em projetos de restauração florestal em larga escala pode aumentar a produtividade e a rentabilidade, viabilizando o abastecimento da indústria madeireira e reduzindo a pressão sobre os biomas naturais, como a Amazônia.

Os cientistas concluíram que, para alcançar alta produtividade, as cadeias de valor da restauração devem incorporar critérios específicos envolvendo uma combinação de espécies nativas; modelos de crescimento das árvores que permitam montar os planos de manejo e colheita com prazos mais curtos; bem como aliar o desenvolvimento de pesquisa e inovação a tratamentos silviculturais.

Liderado pelo engenheiro florestal Pedro Medrado Krainovic, o estudo criou um modelo que projeta o tempo de crescimento de espécies arbóreas nativas da Mata Atlântica até que elas obtenham “maturidade” necessária para atender à indústria madeireira. Normalmente, as taxas de crescimento para comercialização são definidas de acordo com o tempo que a árvore leva até atingir 35 centímetros de diâmetro.

Com o novo método, os pesquisadores obtiveram uma redução de 25% no tempo de colheita e um aumento de 38% da área basal das árvores. Isso representou uma antecipação média de 13 anos na idade ideal do corte.

“Identificamos os padrões de produtividade versus tempo, o que fornece o indicativo de quando uma dada espécie pode ser manejada para obtenção de madeira para o mercado. Isso ajuda a dar viabilidade à restauração florestal em larga escala, melhorando sua atratividade para proprietários de terra e indo ao encontro dos acordos globais pró-clima. Com base nos nossos dados, projetamos um cenário em que o conhecimento silvicultural estaria melhorado, proporcionando uma restauração mais atrativa para as múltiplas partes interessadas“, diz Krainovic, que desenvolveu o trabalho durante seu pós-doutorado no Laboratório de Silvicultura Tropical (Lastrop) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, vinculada à Universidade de São Paulo (Esalq-USP).

O projeto foi conduzido no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP. Também recebeu apoio por meio de outros quatro projetos, entre eles o Temático “Compreendendo florestas restauradas para o benefício das pessoas e da natureza – NewFor“ e as bolsas de estudo concedidas aos pesquisadores Danilo Roberti de Almeida (18/21338-3), Catherine Torres de Almeida (20/06734-0) e Angélica Faria de Resende (19/24049-5), coautores do artigo.

O trabalho foi supervisionado pelos pesquisadores Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (Lerf), e Pedro Brancalion, vinculado ao Lastrop e ao projeto BIOTA Síntese.

Contexto

Mesmo tendo sido eleita pelas Nações Unidas (ONU) em 2022 como uma das dez referências mundiais em restauração, a Mata Atlântica é o bioma brasileiro que mais perdeu área florestal até hoje. Dos cerca de 140 milhões de hectares no Brasil, restam 24% de cobertura florestal. Desse total, somente 12% correspondem a florestas bem conservadas (cerca de 16,3 milhões de hectares), segundo dados da Fundação SOS Mata Atlântica.

Porém, os esforços para conter o desmatamento vêm conseguindo resultados positivos – queda de 42% entre janeiro e maio de 2023 em relação a 2022 (de 12.166 hectares devastados para 7.088 hectares) –, além de as ações de restauração terem surtido efeito. Em 2021, a ONU estabeleceu até 2030 a Década da Restauração de Ecossistemas, um apelo para a proteção e revitalização dos ecossistemas em todo o mundo, para o benefício das pessoas e da natureza.

“A restauração precisa ter mais dados que tragam horizontes favoráveis de uso do solo. Para uma política pública, é preciso ter mais informações que suportem as tomadas de decisão. E esse artigo serve de várias formas, inclusive com uma lista de espécies que pode oferecer subsídios para o proprietário de terra. Abre uma porta para o enriquecimento de restauração florestal com finalidade econômica, mais atrativa e atingindo múltiplos objetivos, como devolver serviços ecossistêmicos a determinadas áreas”, explica Krainovic.

Os resultados do estudo devem alimentar o programa Refloresta-SP, coordenado pela Secretaria do Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado, que tem, entre seus objetivos, a restauração ecológica, a recuperação de áreas degradadas e a implantação de florestas multifuncionais e de sistemas agroflorestais.

Krainovic morou por 12 anos na Amazônia e trabalhou não só em projetos de recuperação de áreas degradadas usando espécies arbóreas com potencial econômico como em cadeias produtivas de produtos florestais não madeireiros que abastecem a indústria de cosméticos, como sementes, óleos essenciais e manteigas. “Um diferencial da minha trajetória é não ter ficado somente na academia. Conheço como são as empresas, a interface com os povos tradicionais nessas cadeias produtivas e a área acadêmica”, completa.

Passo a passo

O estudo analisou uma cronossequência de 13 áreas de restauração florestal não manejada distribuídas pelo Estado de São Paulo, que se encontravam em diferentes estágios – entre seis e 96 anos de plantio. Essas regiões têm uma mistura diversificada de espécies nativas – entre 30 e 100 –, o que contribui para a promoção de serviços ecossistêmicos com características semelhantes às da floresta espontânea.

Os cientistas escolheram dez espécies arbóreas nativas comerciais, com diferentes densidades de madeira e historicamente exploradas pelo mercado. São elas: guatambu (Balfourodendron riedelianum); jequitibá-rosa (Cariniana legalis); cedro-rosa (Cedrela fissilis); araribá (Centrolobium tomentosum); guarantã (Esenbeckia leiocarpa); jatobá (Hymenaea courbaril); acácia-amarela (Peltophorum dubium); ipê-roxo (Handroanthus impetiginosus); aroeira (Astronium graveolens) e pau-vermelho ou cabreúva (Myroxylon peruiferum).

Atualmente, a maioria dessas espécies é protegida por lei e não pode ser vendida legalmente porque são endêmicas da Mata Atlântica e do Cerrado e estão ameaçadas de extinção. No entanto, algumas, como jatobá e ipê-roxo, ainda são exploradas na Amazônia.

Para cada uma delas foram desenvolvidos modelos de crescimento, com base nos dados coletados nos plantios. Com as curvas de crescimento foi aplicado o método GOL (sigla em inglês para Growth-Oriented Logging), para determinação de critérios técnicos de manejo, incluindo um cenário otimizado focado na produção de madeira.

Após testes iniciais, os pesquisadores modelaram o crescimento do diâmetro e da área basal de cada espécie selecionada ao longo da cronossequência. Foram construídos cenários de produtividade usando os 30% maiores valores de diâmetro encontrados para cada espécie por local e idade, o “cenário otimizado”, que representa a aplicação de tratos silviculturais, proporcionando maior produtividade.

As espécies foram classificadas usando o tempo necessário para atingir os 35 centímetros de diâmetro para a colheita em três faixas: crescimento rápido (menos de 50 anos), intermediário (50-70 anos) e lento (maior que 70 anos). Ao aplicar a abordagem GOL, foram agrupadas em taxa de crescimento rápida (menor que 25 anos); intermediária (25-50 anos); lenta (50-75 anos) e superlenta (75-100 anos).

O cenário otimizado teve o tempo de colheita reduzido em 25%, representando uma antecipação média de 13 anos na idade ideal de colheita.

As exceções foram o jequitibá-rosa e o jatobá, que apresentaram seu período ideal de colheita prolongado, mas a área basal aumentou mais de 50%. Por outro lado, o cedro-rosa teve redução de 36,6% na área basal de colheita (646,6 cm2/árvore), mas uma antecipação de 47 anos em tempo de colheita (51% mais rápido que o GOL).

No total, nove das dez espécies atingiram diâmetro de 35 cm antes dos 60 anos – a exceção foi o guarantã, com alta densidade de madeira.

O estudo Potential native timber production in tropical forest restoration plantations pode ser encontrado em: www.perspectecolconserv.com/en-potential-native-timber-production-in-avance-S2530064423000640.
 

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Mercados para Bioconomia baseada em espécies nativas brasileiras

Em artigo publicado no Journal Ecological Economics Ribeiro, et al., discutem o potencial dos mercados da bioeconomia baseados no uso de espécies nativas no Brasil. Segundo os autores, os mercados da biodiversidade são bastante promissores, mas são acompanhados de controvérsias.

O artigo mapeia a utilização de espécies nativas em onze setores industriais: alimentos, bebidas, têxteis, vestuário, couro, madeira, papel e celulose, biocombustíveis, produtos farmoquímicos, borracha e móveis. Os resultados apontam para a imensa distância entre o potencial de exportações (US$ 50 bilhões) e sua consolidação (apenas 1% desse valor). Outro desafio se encontra na distância entre as regiões de origem dos produtos da biodiversidade e os locais onde são obtidas as maiores receitas de sua comercialização.

Como recomendações, os autores sugerem que a responsabilidade pela utilização sustentável da biodiversidade recaia predominantemente sobre os setores dominados por grandes corporações, principalmente os setores farmoquímico e de biocombustíveis. Segundo eles, tais setores teriam o potencial de liderar a transição para práticas de biodiversidade responsáveis e sustentáveis no Brasil.

Referência: Ribeiro, S. C., Soares Filho, B., Cesalpino, T., Araújo, A., Teixeira, M., Cardoso, J., … & Rajão, R. (2024). Bioeconomic markets based on the use of native species (NS) in BrazilEcological Economics218, 108124.