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Cientistas e povos da floresta juntos pela Amazôna

Agência FAPESP – Elton Alisson, de Belém.
Publicado em 12 de julho

A descoberta nas últimas décadas de milhares de sítios arqueológicos na Amazônia tem contribuído para mudar a perspectiva sobre o passado da maior floresta tropical do mundo. Esses locais, onde ficaram preservados os testemunhos e evidências de atividades de populações tradicionais, contudo, estão sob o risco de serem destruídos pelo avanço do desmatamento, do garimpo e das mudanças climáticas, entre outros fatores.

Por meio de tecnologias emergentes, como a de sensoriamento remoto aerotransportado “Lidar” (acrônimo em inglês para light detection and ranging), pesquisadores brasileiros, em parceria com povos da floresta, estão mapeando esses sítios arqueológicos em áreas ameaçadas da Amazônia, a fim de lhes conferir maior proteção.

Resultados preliminares do projeto, intitulado “Amazônia revelada”, foram apresentados em uma mesa-redonda realizada na terça-feira (09/07), durante a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O evento vai até amanhã (13/07) no campus Guamá da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém.

“A ideia é fazer sobrevoos usando essa tecnologia para identificar esses sítios arqueológicos e registrá-los em órgãos como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional [Iphan] para que recebam uma camada adicional de proteção. No mínimo terá de ser feito algum tipo de licenciamento antes da realização de qualquer projeto [nas áreas onde estão localizados esses sítios]”, explicou Eduardo Neves, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP).

Para realizar o mapeamento, os pesquisadores participantes do projeto, financiado pela National Geographic Society e apoiado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre outras instituições, inicialmente conversam com representantes das populações que vivem nos locais onde há evidências da existência de sítios arqueológicos para saber se há interesse ou não de que sejam mapeados.

“Não queremos pegar um avião e sair voando por aí porque seria, mais uma vez, uma forma de reproduzir práticas colonialistas científicas”, avaliou Neves.

Algumas das populações já consultadas e que deram aval para sobrevoos foram uma comunidade quilombola em Costa Marques e o povo indígena Amondawa da Aldeia Trincheira, em Rondônia. “Essa é uma região de muito conflito e que temos evidências de destruição de sítios arqueológicos decorrentes de ocupações recentes”, afirmou Neves.

Os pesquisadores pretendiam sobrevoar a região do Alto Xingu, mas cancelaram o plano após conversas com representantes do povo indígena Kuikuro. “Eles não queriam que sobrevoássemos por enquanto a terra deles porque a nossa ideia é tornar públicas as informações e não querem que outras pessoas saibam da existência daqueles locais que são importantes para eles”, contou Neves.

Com a mudança de planos, o novo local escolhido foi a ilha de Marajó, no Pará, onde há evidências de criação de estruturas artificiais. “Ao olharmos para escavações arqueológicas feitas na região, observamos uma série de cores diferentes que são camadas construtivas de aterros feitas por populações que ocuparam Marajó no primeiro milênio da era comum, a partir de mais ou menos 400 anos depois de Cristo, até o segundo milênio. Esses aterros foram construídos, ocupados e serviam como locais de cemitério”, contou o pesquisador.

Outra região que será sobrevoada é a Terra do Meio, no Pará, atravessada pelo rio Xingu e afluentes e formada por reservas, unidades de conservação e as terras indígenas Cachoeira Seca, Xipaya e Kuruya. Alvo de de garimpeiros ilegais, a região também sofre com desmatamentos e roubo de madeira.

“Nos juntamos ao ISA [Instituto Socioambiental], que tem feito um trabalho muito antigo naquela região, para realizar mapeamentos participativos comunitários. Os locais de sobrevoo foram decididos a partir de oficinas realizadas com os moradores da região”, relatou Neves.


Neves apresentou a pesquisa no dia 13 de julho, durante a Reunião Anual da SBPC (foto: Elton Alisson/Agência FAPESP)

Primeiros resultados

Em razão do grande número de queimadas na Amazônia no ano passado, não foi possível realizar a maior parte dos sobrevoos programados. Este ano, o trabalho foi iniciado mais cedo e já começou a produzir os primeiros resultados.

Por meio de sobrevoos feitos em uma região situada entre o Acre, o sul da Amazônia e Rondônia, foi possível identificar um sítio arqueológico composto por estruturas geométricas triangulares e circulares associadas a estradas.

“Estamos conseguindo demonstrar que essas estruturas geométricas vão muito mais ao norte do que se pensava. Elas atravessam o rio Purus, no sul do Amazonas, e talvez cheguem até o Solimões. Mas não sabemos ainda”, ponderou Neves.

Já na Serra da Muralha, em Rondônia, foi possível identificar outro sítio arqueológico, composto por uma muralha de pedra e estruturas de alvenaria associadas a uma estrada. Na região está localizado um dos maiores parques nacionais da Amazônia, o Mapinguaria, cuja extremidade oeste foi invadida por um garimpo em 2019.

“Queremos começar a fazer o registro desses sítios arqueológicos para patrimonializar esses locais e criar um caminho para proteger essas áreas ameçadas”, afirmou Neves.

De acordo com o pesquisador, atualmente há mais de 6 mil sítios arqueológicos cadastrados em toda a bacia amazônica. Na opinião dele, contudo, esse número está subestimado.

“Em qualquer lugar que a gente vá, no interior da Amazônia, nunca deixamos de achar um sítio arqueológico. A questão é saber o que fazer com eles.”

Na avaliação do pesquisador, é preciso pensar a Amazônia não somente como um patrimônio natural, mas também biocultural, como um produto da história das populações tradicionais que incluem não somente os povos indígenas, mas também populações quilombolas, ribeirinhas e beiradeiros, que vêm ocupando a região há pelo menos 13 mil anos.

“Essa ideia de pensar a Amazônia como um lugar histórico, não só como patrimônio natural, mas como patrimônio biocultural, serviu de base para as pesquisas arqueológicas e tem orientado nossas atividades na região nos últimos 30 anos”, disse o arqueólogo.

Resultados de estudos anteriores conduzidos por Neves com apoio da FAPESP podem ser encontrados em: agencia.fapesp.br/51197, agencia.fapesp.br/40304 e agencia.fapesp.br/39387.

Mais informações sobre a 76ª Reunião Anual da SBPC estão disponíveis em: https://ra.sbpcnet.org.br/76RA/.

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Arqueologia na Amazônia e o futuro da floresta

A utilização de tecnologias avançadas, como sensoriamento remoto, imagens de satélite, drones e análises de dados geoespaciais, tem permitido aos arqueólogos mapear e estudar áreas extensas da Amazônia de forma mais eficiente e detalhada. Pesquisas arqueológicas continuam a estudar a relação entre as populações humanas antigas e o ambiente incluindo padrões de assentamento, uso da terra, práticas agrícolas. A descoberta e documentação de arte rupestre e outros tipos de estruturas como geoglifos e antigas estradas, fornecem uma visão sobre as culturas e sociedades antigas que habitavam a região, bem como suas práticas culturais, religiosas e econômicas. O fato de a região ter sido um polo de desenvolvimento independente de cerâmica, cultivo de espécies vegetais e de adensamento populacional, indica que os povos que habitavam essa região no passado encontraram soluções para estes problemas condizentes com as condições climáticas e as características da paisagem da Amazônia.

Além das contribuições para a proteção e preservação do patrimônio arqueológico da Amazônia, à medida que a região enfrenta pressões de desenvolvimento, desmatamento, mineração e outras atividades que podem impactar sítios arqueológicos e artefatos culturais, os estudos arqueológicos na Amazônia também contribuem para a compreensão das mudanças climáticas passadas e da história ambiental da região, fornecendo dados sobre variações climáticas, padrões de ocupação humana e adaptações às condições ambientais em evolução.