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Abelhas nativas amazônicas e polinização do cacau

O cacau (Theobroma cacao) é um negócio multibilionário. Essa cultura tropical depende muito da polinização animal para o desenvolvimento dos frutos e a produção de sementes. A falta ou a ineficiência dos polinizadores naturais nas plantações de cacau levou os agricultores a buscar alternativas, como a trabalhosa polinização manual.

Uma alternativa até agora não testada, que tem recebido cada vez mais atenção nos últimos anos, é a polinização direcionada de culturas por meio de abelhas nativas manejadas. No entanto, devido à pequena dimensão das flores do T. cacao, bem como às barreiras estruturais que impedem o acesso de insetos grandes ao estigma, apenas abelhas minúsculas podem ser uma opção viável para a polinização direcionada do cacau. No presente estudo, investigamos se as pequenas abelhas sem ferrão (Apidae, Meliponini) poderiam ser consideradas como polinizadores gerenciados da cultura do cacau, especialmente em agroflorestas sombrias.

Entre as 188 espécies de meliponíneos nativas da região amazônica brasileira, que compreende uma parte importante do centro de origem de T. cacao, selecionamos 52 espécies com base em critérios morfológicos (distância intertegular ≤ 1,4 mm; comprimento do corpo: 2,2-6,0 mm). Importantes para a produção de cacau, alguns desses Meliponini têm ampla distribuição geográfica, ocorrendo tanto no centro de origem da T. cacao quanto fora dele (centros de produção de cacau no Brasil: Pará: 35 spp., Bahia: 10 spp.).

Presumivelmente, todas as espécies podem estar ativas em níveis de iluminação abaixo daqueles encontrados em plantações de cacau muito sombreadas, pelo menos nos momentos em que as anteras apresentam deiscência total e durante a receptividade máxima do estigma. O potencial das abelhas para forragear em regimes de luz reduzida é corroborado pela constatação de que entre 20 e 60% das fontes de alimento exploradas naturalmente são vegetação rasteira, incluindo ervas, subarbustos, arbustos e cipós.

Muitos dos Meliponini selecionados constroem seus ninhos, pelo menos facultativamente, em cavidades de árvores, o que facilita sua transferência para colmeias racionais e, portanto, o uso de colônias gerenciadas na polinização direcionada de culturas. As próximas etapas importantes para validar o potencial dessas pequenas abelhas sem ferrão na polinização direcionada do cacau devem incluir estudos detalhados sobre seu comportamento de forrageamento e capacidade de aprendizagem olfativa.

O artigo publicado na revista Frontier pode ser consultado em: https://www.frontiersin.org/journals/bee-science/articles/10.3389/frbee.2024.1357811/full

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Universidades se unem em prol da agenda da sustentabilidade

Por Fernando Facury Scaff, superintendente jurídico da USP, e Emmanuel Zagury Tourinho, reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Publicado em 15/08/2024 no Jornal da USP

No dia 12 de agosto, foi realizada, no auditório da Biblioteca Brasiliana Mindlin, a abertura da terceira edição do evento multidisciplinar USP Pensa Brasil, coordenado pela vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda. A conferência de abertura foi realizada pelo reitor da Universidade Federal do Pará, Emmanuel Zagury Tourinho, discorrendo sobre múltiplos aspectos das implicações sobre o meio ambiente na Amazônia.

Emmanuel Zagury Tourinho – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Tourinho iniciou sua fala destacando as relações de parceria entre a USP e a UFPA e mencionou a importância para o Brasil da realização da Conferência das Partes sobre Meio Ambiente, a COP 30, que ocorrerá em Belém, Pará, Amazônia, em novembro de 2025. Comentou, também, sobre quatro pontos de relevo para se pensar a Amazônia, que são:

(1) a complexidade da realidade amazônica;
(2) o ponto de não retorno dos sistemas socioculturais que têm mantido a floresta em pé;
(3) os riscos dos novos modelos de bioeconomia;
(4) e a não coincidência entre energia limpa e sustentabilidade.

Por fim, ele indicou que estes quatro temas podem ser um ponto de partida para a construção de agendas de pesquisa colaborativa entre universidades amazônicas e não amazônicas, em particular entre a UFPA e a USP.

Leia na íntegra a fala do professor Tourinho:

A cooperação entre as universidades para a promoção da agenda da sustentabilidade

Nesta abertura da terceira edição do Seminário USP Pensa Brasil, que tem como tema a COP 30, tratarei da colaboração entre as nossas universidades e, em particular, do que uma universidade da Amazônia, como a Universidade Federal do Pará, tem a oferecer no debate colaborativo sobre a questão ambiental e a crise climática. Peço licença para fazer isso reiterando algumas observações que apresentei em momentos recentes.

Começo dizendo que as relações entre UFPA e USP têm enorme valor para o fortalecimento da pesquisa na Amazônia e avançaram muito nos últimos tempos, tanto em extensão quanto em qualidade. Somos duas das maiores universidades brasileiras – a USP é a nossa maior Universidade pública; e a UFPA é a segunda maior universidade federal do país, além de ser a maior instituição acadêmica e científica de toda a Pan-Amazônia.

Somos, também, as duas maiores produtoras de ciência sobre a Amazônia (segundo a Web of Science, principal base de dados internacional) e estamos entre as cinco maiores instituições do País em número de programas de pós-graduação, onde grande parte da ciência brasileira é produzida. Além disso, nossas duas universidades deram início a novos projetos que buscam sintonia com grandes desafios da Amazônia e do País hoje: a UFPA criou o Cisam, o Centro Integrado da Sociobiodiversidade da Amazônia; e a USP criou o Ceas, o Centro de Estudos da Amazônia Sustentável.

No caso do Cisam, acrescento que envolve a formação e consolidação de oito redes temáticas, cooperativas em pesquisa e extensão, com participação de pesquisadoras(es) das 13 universidades federais sediadas na Amazônia.

Penso que a interação entre o Cisam/UFPA e o Ceas/USP pode gerar experiências modelares sobre a cooperação nacional com foco na Amazônia e, para tanto, partimos do reconhecimento mútuo da capacidade científica. Houve uma época em que uma cooperação mais intensa era improvável, pois havia restrita capacidade de fazer ciência na Amazônia. Hoje, esse cenário mudou. Temos instituições muito fortes e um sistema de pesquisa e de pós-graduação robusto na região.

Nossas capacidades são complementares e nossas ações podem contribuir substancialmente não apenas para nos colocar adiante na fronteira do conhecimento em muitas áreas, mas também, e muito importante, para dar à sociedade brasileira condições de compreender e tomar as decisões corretas em políticas públicas que impactam o futuro do País e, em particular, o destino das populações que vivem no território amazônico. Pensamos, na UFPA, inclusive, que empoderar, com ciência, as populações locais para a defesa de seus direitos e de seus territórios constitui uma das principais contribuições que a ciência na Amazônia pode dar.

Assim, embora o tema da COP 30 seja bem mais abrangente, limito minhas considerações ao que acontece na Amazônia. A contribuição diferencial que pesquisadoras e pesquisadores da Amazônia têm a oferecer relaciona-se à maior familiaridade que possuem com a realidade regional, construída ao longo da convivência com o ambiente natural e com as populações amazônicas, com as consequências dos projetos lá implementados nas últimas décadas para a exploração de suas riquezas e com as carências e ameaças que são o cotidiano de seus povos.

O que chamamos de Amazônia, vista de perto, são muitas Amazônias, compostas por grande diversidade de paisagens, de arranjos socioespaciais, de dinâmicas sociais e territoriais, de populações e povos com culturas e entendimentos próprios acerca do que somos e do que deve ser o nosso futuro.

Destaco brevemente quatro pontos que ilustram os desafios de pensar a Amazônia, começando pelo tema da complexidade da região. Uma imagem sugerida pela professora Ana Cláudia Cardoso, pesquisadora da UFPA, ilustra bem este ponto. Segundo ela, os esforços para compreender e definir estratégias de intervenção na Amazônia são comparáveis à tentativa de resolução de um cubo mágico. Tenta-se ajustar um ou outro pedaço do quebra-cabeça e, “quando a solução parece próxima, percebem-se as demais facetas do objeto incompletas”.

Questões ambientais na Amazônia estão, por exemplo, intricadamente articuladas a questões fundiárias, a problemas de saúde pública, a sistemas de transporte, ao acesso à educação e segurança, dentre outros.

A dificuldade de lidar com a complexidade da realidade amazônica é inescapável para todas as pessoas e instituições que voltam suas vistas para a região e está presente em atividades de toda ordem, sejam elas científicas, de formulação e execução de políticas públicas, ou mesmo de apoio a projetos concebidos por atores locais. Há necessidade de reconhecer que os problemas complexos da Amazônia requerem soluções originais e não prontamente acessíveis. Importar soluções de outros contextos tem sido uma receita certa de fracasso em muitas políticas concebidas para a região.

Além disso, o tempo representa uma pressão complicadora. É urgente salvar a floresta, mas não é possível fazê-lo de uma hora para outra, nem mexendo em apenas umas poucas peças do cubo. É preciso modelar soluções e não há consenso sobre o recorte adequado para o início da modelagem: se determinados problemas, determinadas faixas territoriais, determinadas populações alvo etc.

O segundo ponto diz respeito diretamente às dinâmicas de vida das populações. A COP tem como foco a questão climática e há consenso internacional sobre a importância da Floresta Amazônica para conter o aquecimento do planeta com serviços ecossistêmicos, como sequestro e armazenamento de carbono, e produção e distribuição de chuvas (rios voadores).

Hoje, há reconhecimento e algum consenso sobre o papel das comunidades tradicionais na conservação do bioma. Sem o conhecimento ancestral e as práticas históricas de manejo e conservação da floresta desenvolvidas por populações indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhas, será muito improvável manter a floresta de pé. As pressões que essas populações sofrem hoje, no entanto, acendem um alerta que gostaria de formular com uma analogia ao que se fala sobre a floresta.

Há uma preocupação global com o eventual ponto de não retorno da Floresta Amazônica, algo previsto para ocorrer daqui a pouco mais de duas décadas. Nas condições atuais, é certo que ocorrerá. Mas há, além disso, outro risco. Estamos muito próximos de um ponto de não retorno do tecido social das populações amazônicas, dos sistemas culturais que exerceram o papel de alicerce para arranjos que sustentaram a floresta em pé por séculos. A lógica das transformações em curso, por vários caminhos, mas, especialmente, pela insegurança fundiária, tende a romper as conexões dessas populações com seus territórios, a afastá-las das terras que têm ocupado ou a forçá-las a um uso diverso do que tem sido a regra e do que garante a integridade do bioma.

São parte do cotidiano de quem vive nas entranhas da Amazônia a ameaça de perda do território com o avanço da fronteira do agronegócio, com todas as suas implicações; a contaminação dos rios por mercúrio e, como decorrência, das pessoas que vivem e se alimentam dos rios; a contaminação de rios e florestas por resíduos da atividade legalizada de exploração e produção mineral; a invasão de terras indígenas e quilombolas por grileiros, garimpeiros ilegais e outros criminosos; doenças endêmicas como malária, febre amarela, tuberculose e hanseníase; conflitos fundiários, com assassinato frequente de lideranças indígenas, quilombolas, de trabalhadores rurais e defensores de direitos humanos; e o tráfico de drogas. Isso tudo associado a alguns dos piores indicadores sociais, onde apenas 50% das residências recebem água tratada e pouco mais de 20% estão ligadas a uma rede de esgotamento sanitário.

Ninguém pode dizer que a floresta permanecerá de pé com a desorganização das comunidades tradicionais, seus deslocamentos forçados, seu assassinato deliberado, seu adoecimento em massa ou sua submissão a outros sistemas de organização social e econômica. Proteger esses sistemas sociais é tão urgente quanto proteger as árvores.

Como a atenção do mundo não se volta com a mesma intensidade para esta dimensão do “risco amazônico”, está muito mais sob a nossa responsabilidade garantir que seja adequadamente considerado. Também, por isso, as populações da Amazônia precisam ter poder de decisão sobre novos projetos para a região e precisam ser beneficiárias diretas desses projetos, não apenas receber “compensações”.

O terceiro ponto relaciona-se diretamente às pressões sofridas pelas populações tradicionais, em suas articulações com a atual ênfase na “bioeconomia” como solução para sua sobrevivência. O aproveitamento sustentável de produtos da floresta e dos rios sempre foi base de sustentação de comunidades amazônicas. Todavia, a bioeconomia que, por séculos, esteve vigente, era uma espécie de sociobioeconomia, em que a natureza e a sociobiodiversidade eram conservadas, com alta taxa de apropriação, pelas próprias comunidades, dos recursos financeiros gerados. O que se coloca em debate agora é, com frequência, algo muito diferente, por exemplo articulado à industrialização de produtos da floresta ou à expansão do comércio para um mercado global, gerando divisas internacionais, o que envolve um risco de reprodução do que assistimos em outros ciclos de exploração de riquezas da Amazônia. A mudança em curso não acontecerá sem consequências.

Bioeconomia significa abordagens diversas para o aproveitamento dos recursos da biodiversidade. Gostaria de sugerir que essas abordagens variem ao longo de continuuns com gradientes variados de três componentes: (a) o aproveitamento econômico na exploração dos recursos; (b) a conservação da integridade dos ecossistemas; e (c) o fortalecimento de sistemas socioculturais. Esses três componentes compõem uma espécie de feixe de múltiplas variáveis, irredutíveis umas às outras e de complexa interconexão. Iniciativas que geram alto aproveitamento econômico dos recursos da biodiversidade podem ou não garantir a conservação da integridade dos ecossistemas e fragilizar sistemas socioculturais; podem ou não garantir, de modo imediato, alguma taxa de conservação do bioma, sem proteção dos sistemas socioculturais.

Se repetirmos experiências passadas, é muito provável que a biodiversidade da Amazônia venha a dar sustentação a projetos em bioeconomia com enorme sucesso econômico para os seus protagonistas financeiros, incluindo os que sempre ganham com os negócios na Amazônia. Isso pode (ou não) acontecer ao custo de maior degradação (ou não conservação) de partes importantes do bioma e, sobretudo, maior empobrecimento das populações locais, inclusive com novos movimentos forçados de migração para as periferias pauperizadas das vilas e cidades.

O quarto ponto que gostaria de citar relaciona-se a uma associação equivocada, por vezes estabelecida, entre energia limpa e renovável e sustentabilidade. Energia limpa é parte da agenda de enfrentamento da crise climática, por razões óbvias, e o Brasil orgulha-se de possuir uma das matrizes mais eficientes nesse terreno, baseada no enorme potencial das bacias hidrográficas do País, com destaque para a Amazônia. Na Amazônia, no entanto, há exemplos contundentes de construção de hidrelétricas com inundação de parcelas consideráveis de florestas, com deslocamentos forçados de populações tradicionais, com comprometimento das condições de vida dessas populações e com desestruturação de seus sistemas socioculturais.

Algo semelhante vem acontecendo com fazendas de energia eólica no Nordeste (que concentra 85% da produção nacional), que têm transformado para pior as condições de vida de comunidades pobres no raio de sua abrangência e impacto, além de consequências negativas para o bioma da Caatinga. Na Amazônia, já há evidências de que interferem com voos migratórios de algumas espécies.

A pergunta, então, é: essa energia é limpa para quem? Sustentável para quem? A questão energética permite ilustrar como a sustentabilidade é matéria que exige uma abordagem multidimensional e interdisciplinar, para muito além da descarbonização e da conservação do potencial de produção. Adiciono um elemento a essa problematização, que ilustra o ponto discutido anteriormente, sobre a complexidade da realidade amazônica.

A contaminação por mercúrio é hoje um dos mais graves riscos a que estão expostas as populações amazônicas e resulta, principalmente, da atividade mineral ilegal na região, algo que acontece em uma escala maior do que se pode imaginar. Pois bem, pesquisadores da Amazônia constaram que não apenas a proximidade às áreas de mineração ilegal favorece a contaminação por mercúrio. As barragens das hidrelétricas podem conter um potencial de agravamento do problema, na medida em que favorecem a concentração de bactérias que transformam o mercúrio em metilmercúrio, a versão mais perigosa do mercúrio, que passa a ser parte da cadeia alimentar.

Segundo os pesquisadores, “evidências recentes demonstraram que as populações que vivem perto de UHEs podem ter níveis de mercúrio no cabelo semelhantes ou até mais elevados do que os níveis encontrados em populações próximas a regiões de mineração. Estes dados apoiam a noção de que as barragens têm o potencial de mobilizar mercúrio e, consequentemente, contribuir para a contaminação ambiental e a exposição humana”.

Os quatro temas citados (a complexidade da realidade amazônica, o ponto de não retorno dos sistemas socioculturais que têm mantido a floresta em pé, os riscos dos novos modelos de bioeconomia e a não coincidência entre energia limpa e sustentabilidade) podem ser um ponto de partida para a construção de agendas de pesquisa colaborativa entre universidades amazônicas e não amazônicas, em particular, entre a UFPA e a USP.

Agradeço e parabenizo a USP por esta oportunidade de diálogo, na expectativa de que nossas instituições construam, em parceria, grandes contribuições da ciência brasileira para o enfrentamento do desafio climático e, nesse contexto, de conservação do bioma e de desenvolvimento social dos povos e populações da Amazônia.

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Cientistas e povos da floresta juntos pela Amazôna

Agência FAPESP – Elton Alisson, de Belém.
Publicado em 12 de julho

A descoberta nas últimas décadas de milhares de sítios arqueológicos na Amazônia tem contribuído para mudar a perspectiva sobre o passado da maior floresta tropical do mundo. Esses locais, onde ficaram preservados os testemunhos e evidências de atividades de populações tradicionais, contudo, estão sob o risco de serem destruídos pelo avanço do desmatamento, do garimpo e das mudanças climáticas, entre outros fatores.

Por meio de tecnologias emergentes, como a de sensoriamento remoto aerotransportado “Lidar” (acrônimo em inglês para light detection and ranging), pesquisadores brasileiros, em parceria com povos da floresta, estão mapeando esses sítios arqueológicos em áreas ameaçadas da Amazônia, a fim de lhes conferir maior proteção.

Resultados preliminares do projeto, intitulado “Amazônia revelada”, foram apresentados em uma mesa-redonda realizada na terça-feira (09/07), durante a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O evento vai até amanhã (13/07) no campus Guamá da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém.

“A ideia é fazer sobrevoos usando essa tecnologia para identificar esses sítios arqueológicos e registrá-los em órgãos como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional [Iphan] para que recebam uma camada adicional de proteção. No mínimo terá de ser feito algum tipo de licenciamento antes da realização de qualquer projeto [nas áreas onde estão localizados esses sítios]”, explicou Eduardo Neves, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP).

Para realizar o mapeamento, os pesquisadores participantes do projeto, financiado pela National Geographic Society e apoiado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre outras instituições, inicialmente conversam com representantes das populações que vivem nos locais onde há evidências da existência de sítios arqueológicos para saber se há interesse ou não de que sejam mapeados.

“Não queremos pegar um avião e sair voando por aí porque seria, mais uma vez, uma forma de reproduzir práticas colonialistas científicas”, avaliou Neves.

Algumas das populações já consultadas e que deram aval para sobrevoos foram uma comunidade quilombola em Costa Marques e o povo indígena Amondawa da Aldeia Trincheira, em Rondônia. “Essa é uma região de muito conflito e que temos evidências de destruição de sítios arqueológicos decorrentes de ocupações recentes”, afirmou Neves.

Os pesquisadores pretendiam sobrevoar a região do Alto Xingu, mas cancelaram o plano após conversas com representantes do povo indígena Kuikuro. “Eles não queriam que sobrevoássemos por enquanto a terra deles porque a nossa ideia é tornar públicas as informações e não querem que outras pessoas saibam da existência daqueles locais que são importantes para eles”, contou Neves.

Com a mudança de planos, o novo local escolhido foi a ilha de Marajó, no Pará, onde há evidências de criação de estruturas artificiais. “Ao olharmos para escavações arqueológicas feitas na região, observamos uma série de cores diferentes que são camadas construtivas de aterros feitas por populações que ocuparam Marajó no primeiro milênio da era comum, a partir de mais ou menos 400 anos depois de Cristo, até o segundo milênio. Esses aterros foram construídos, ocupados e serviam como locais de cemitério”, contou o pesquisador.

Outra região que será sobrevoada é a Terra do Meio, no Pará, atravessada pelo rio Xingu e afluentes e formada por reservas, unidades de conservação e as terras indígenas Cachoeira Seca, Xipaya e Kuruya. Alvo de de garimpeiros ilegais, a região também sofre com desmatamentos e roubo de madeira.

“Nos juntamos ao ISA [Instituto Socioambiental], que tem feito um trabalho muito antigo naquela região, para realizar mapeamentos participativos comunitários. Os locais de sobrevoo foram decididos a partir de oficinas realizadas com os moradores da região”, relatou Neves.


Neves apresentou a pesquisa no dia 13 de julho, durante a Reunião Anual da SBPC (foto: Elton Alisson/Agência FAPESP)

Primeiros resultados

Em razão do grande número de queimadas na Amazônia no ano passado, não foi possível realizar a maior parte dos sobrevoos programados. Este ano, o trabalho foi iniciado mais cedo e já começou a produzir os primeiros resultados.

Por meio de sobrevoos feitos em uma região situada entre o Acre, o sul da Amazônia e Rondônia, foi possível identificar um sítio arqueológico composto por estruturas geométricas triangulares e circulares associadas a estradas.

“Estamos conseguindo demonstrar que essas estruturas geométricas vão muito mais ao norte do que se pensava. Elas atravessam o rio Purus, no sul do Amazonas, e talvez cheguem até o Solimões. Mas não sabemos ainda”, ponderou Neves.

Já na Serra da Muralha, em Rondônia, foi possível identificar outro sítio arqueológico, composto por uma muralha de pedra e estruturas de alvenaria associadas a uma estrada. Na região está localizado um dos maiores parques nacionais da Amazônia, o Mapinguaria, cuja extremidade oeste foi invadida por um garimpo em 2019.

“Queremos começar a fazer o registro desses sítios arqueológicos para patrimonializar esses locais e criar um caminho para proteger essas áreas ameçadas”, afirmou Neves.

De acordo com o pesquisador, atualmente há mais de 6 mil sítios arqueológicos cadastrados em toda a bacia amazônica. Na opinião dele, contudo, esse número está subestimado.

“Em qualquer lugar que a gente vá, no interior da Amazônia, nunca deixamos de achar um sítio arqueológico. A questão é saber o que fazer com eles.”

Na avaliação do pesquisador, é preciso pensar a Amazônia não somente como um patrimônio natural, mas também biocultural, como um produto da história das populações tradicionais que incluem não somente os povos indígenas, mas também populações quilombolas, ribeirinhas e beiradeiros, que vêm ocupando a região há pelo menos 13 mil anos.

“Essa ideia de pensar a Amazônia como um lugar histórico, não só como patrimônio natural, mas como patrimônio biocultural, serviu de base para as pesquisas arqueológicas e tem orientado nossas atividades na região nos últimos 30 anos”, disse o arqueólogo.

Resultados de estudos anteriores conduzidos por Neves com apoio da FAPESP podem ser encontrados em: agencia.fapesp.br/51197, agencia.fapesp.br/40304 e agencia.fapesp.br/39387.

Mais informações sobre a 76ª Reunião Anual da SBPC estão disponíveis em: https://ra.sbpcnet.org.br/76RA/.

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Diálogos amazônicos

Lançado em 14 de novembro de 2023, a publicação consolida uma série de iniciativas, estudos e projetos que ajudam a entender os desafios da região amazônica.

Mais informações no site da Fapesp

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Amazônia e negócios: Perspectivas e práticas para uma postura consciente

Um novo ecossistema de negócios está sendo pensado e desenvolvido na Amazônia com o objetivo de preservar o meio ambiente e, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento socioeconômico da região, gerando emprego, renda e bem-estar para a população local.
Esse ecossistema faz parte de uma nova economia baseada em soluções sustentáveis que têm como foco principal a natureza. Essa abordagem considera uma visão integrada que engloba pessoas, infraestrutura, bioeconomia, agropecuária sustentável, ordenamento territorial e soluções sustentáveis.

Para alcançar esse objetivo, é necessário ter uma agenda de negócios que compreenda os riscos, busque oportunidades e desenvolva uma infraestrutura adequada para sustentar o crescimento desse ecossistema. Além disso, é fundamental envolver lideranças e conselheiros para garantir o engajamento nesse processo.
Mas como está o panorama atual da região? E como podemos desenvolver todas essas iniciativas? Neste episódio, Vanessa Pinsky, consultora especialista em ESG e membro da comissão de sustentabilidade do IBGC, e Bruno Aranha, especialista em sustentabilidade, irão responder a essas questões.

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Capital e biodiversidade

O tema da biodiversidade é abordado neste documento recente publicado pelo Goldman Sachs.

Segundo o relatório, atualmente apenas 10% do investimento anual necessário para reverter a perda da natureza é realizado, sendo o financiamento predominantemente público.

O documento procura explorar oportunidades para o
investimento privado em modelos de negócios associados à biodiversidade.

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A conservação da biodiversidade deve ser uma preocupação de toda a sociedade

André Julião | Agência FAPESP – A conservação da biodiversidade deve ser uma preocupação para toda a sociedade, pois está intimamente ligada à erradicação da pobreza e da fome, à saúde e ao bem-estar da população, à redução da desigualdade, ao consumo e à produção responsáveis e a outros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), conjunto de metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para serem cumpridas até 2030.

Essa foi uma das conclusões do webinário “Biodiversidade Terrestre e Marinha: conservação, uso e desenvolvimento sustentável” organizado pela Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp) e pela FAPESP com o objetivo de apresentar e discutir o terceiro capítulo do livro FAPESP 60 Anos: A ciência no desenvolvimento nacional.

“Os ODS de biodiversidade [o 14º, vida na água, e o 15º, vida na terra] estão fortemente associados com a redução da pobreza. Além da biodiversidade poder ser um alimento direto, que envolve com a ODS 2, que é acabar com a fome, na biodiversidade temos capacidade de geração de empregos”, disse Carlos Joly, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) e um dos coordenadores do Programa BIOTA-FAPESP.

O pesquisador citou estudo recente em que pesquisadores brasileiros estimam que o Brasil poderia gerar 2,5 milhões de empregos se atendesse à meta, estabelecida no Acordo de Paris, de restaurar 12 milhões de hectares até 2030. “E não são empregos que exigem qualificação. É o tipo de emprego que o Brasil precisaria nesse momento”, afirmou Joly.

Além disso, segundo o pesquisador a biodiversidade está relacionada com as cidades e com a geração de água, que depende da manutenção da vegetação nativa.

Para Vanderlan Bolzani, professora do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (IQAr-Unesp) e presidente da Aciesp, em momentos turbulentos da história, a ciência e o conhecimento contribuíram para a mudança.

“Estamos atravessando um momento muito difícil da vida humana […], mas no pós-guerra éramos um país agrícola e hoje, apesar das diferenças regionais, temos um país que nos orgulha, mesmo com os retrocessos que estamos vivenciando nesse momento”, disse Bolzani, durante a abertura do evento.

A biodiversidade brasileira, a maior do mundo, pode ser um dos motivos de orgulho, ela disse. Aqui vivem 11% de todas as espécies de plantas vasculares (musgos, samambaias e plantas com sementes), 11,3% dos mamíferos, 17,2% das aves, 23,2% dos peixes de água doce, com grandes extensões de bioma ainda não estudados por cientistas, portanto com imenso potencial para a descoberta de novas espécies e substâncias químicas.

“Quando imaginamos que biodiversidade é a maior biblioteca química jamais concebida por qualquer humano, é porque nela encontramos os modelos moleculares mais inusitados, impossíveis de serem sintetizados por qualquer um dos vencedores do Nobel de Química”, comentou a pesquisadora.

Oceanos

Para Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), os oceanos são mais do que os organismos que neles vivem, mas um grande bioma com vários ecossistemas e hábitats e pode ser um agente de transformação da sociedade em função do seu papel e das conexões que dele dependem.

Segundo o pesquisador, o Brasil não tem sido bem-sucedido na fiscalização da atividade pesqueira, citando o exemplo da pesca de arrasto. “Temos formas de aumentar a produção de alimentos sem necessariamente ter conflitos. Com isso, precisamos pensar como o formato dessa atividade econômica pode combater fome e pobreza e beneficiar comunidades de forma abrangente. E isso vai de encontro ao item saúde e bem-estar da agenda 2030”, sublinhou.

A ameaça da poluição nos oceanos à biodiversidade foi tema de Lucas Buruaem Moreira, professor visitante do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp), e a biodiversidade amazônica foi tratada pela pesquisadora Vera Maria Fonseca de Almeida e Val, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

O webinário teve ainda participação de Marie-Anne Van Sluys, professora do Instituto de Biociências da USP e membro da coordenação adjunta de Programas Especiais e Colaborações em Pesquisa da FAPESP, e de Adriano Andricopulo, professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP e diretor-executivo da Aciesp.

O webinário pode ser visto na íntegra em: https://youtu.be/XBGta5JpJlw.

O terceiro capítulo do livro FAPESP 60 anos: A ciência no desenvolvimento nacional está disponível em: https://fapesp.br/eventos/2022/aciesp_cap3.pdf.

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

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Resiliência da Floresta Amazônica e as oportunidades para regeneração passiva

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Em um intervalo de aproximadamente 32 anos, de 1988 a 2020, 457.474 km2 foram desmatados na Amazônia Brasileira – uma área bem maior do que a da Itália e quase igual à da Espanha. E o ritmo do desmatamento, que havia diminuído, voltou a crescer nos últimos quatro anos – principalmente em 2022.

Um dado auspicioso nesse cenário é que 120.000 km² de área desmatada, destinados principalmente à formação de pastagens e depois abandonados, voltaram a se regenerar passivamente, por meio de processos naturais.

Ao mesmo tempo que o desmatamento e a degradação das áreas remanescentes precisam ser urgentemente interrompidos, a floresta oferece janelas de resiliência que podem ser utilizadas com inteligência para promover a regeneração. O artigo “Seizing resilience windows to foster passive recovery in the forest-water interface in Amazonian lands”, recém-publicado no periódico Science of The Total Environment, forneceu informações substanciais nesse sentido.

“Existem atualmente muitas áreas sob regeneração passiva na Amazônia. E, na região que estudamos, localizada no município de Paragominas, no Estado do Pará, a floresta localizada em margens de riachos recuperou atributos estruturais [densidade de indivíduos e de dossel] a partir de 12 anos, enquanto a recuperação da área basal ocorreu em 18 anos”, diz à Agência FAPESP o pesquisador Felipe Rossetti de Paula, pós-doutorando da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e primeiro autor do estudo.

Rossetti de Paula ressalta que grande parte dessas áreas em regeneração localiza-se em beiras de corpos d’água, comumente conhecidas como zonas ciliares ou zonas ripárias. “A importância de haver florestas nas zonas ripárias se deve ao fato de os ecossistemas de riachos serem estreitos e, com isso, quase totalmente cobertos pelo dossel. Assim, os recursos alimentares que sustentam a base da cadeia alimentar nesses cursos d’água provêm de folhas, frutos e insetos que caem no meio líquido e são decompostos e utilizados por microrganismos, mais tarde consumidos por invertebrados aquáticos, que posteriormente servirão de alimentos para os peixes”, afirma.

Essa sequência caracteriza os riachos como sistemas predominantemente heterotróficos – isto é, que dependem de recursos externos. Quando as florestas ripárias são desmatadas, elimina-se o dossel, e, junto com ele, os aportes orgânicos que mantêm a heterotrofia do sistema. Este torna-se, então, autotrófico, tendo que gerar sua própria fonte de energia para a sustentação da cadeia alimentar.

Nesse ponto, o papel dos fungos decompositores na cadeia alimentar é substituído por organismos fotossintetizantes, como algas, microalgas e plantas aquáticas, que utilizam luz solar para produzir seu alimento e que depois serão consumidos por invertebrados aquáticos e assim por diante. Nesta condição, aumentos nos níveis de luz e temperaturas no sistema podem ocasionar também o crescimento exagerado de microalgas, aumentando a turbidez da água e tornando-a menos propícia para o consumo das populações locais. Além disso, estudos recentes mostraram que temperaturas elevadas da água diminuíram o crescimento de espécies nativas de peixes, menos tolerantes a esta condição.

“Com a regeneração da floresta ripária, recupera-se o dossel, e, com ele, o fornecimento de material orgânico e o controle da entrada de luz no ecossistema aquático. O sistema como um todo retorna ao status heterotrófico”, resume Rossetti de Paula.

O pesquisador enfatiza também que as grandes árvores que caem nos riachos possuem funções ecológicas altamente relevantes, como oferecer abrigos para peixes dentro de cavidades, fornecer alimentos e locais de fixação para invertebrados aquáticos e, o mais importante, represar o fluxo de água, criando pequenas piscinas naturais que são lugares de fluxo reduzido e retenção de material orgânico e nutrientes.

“Sem esses poços, a disponibilidade de recursos alimentares e nutrientes é reduzida, pois eles tendem a ser transportados mais rapidamente pelo fluxo de água. Tais piscinas também são importantes hábitats para peixes que utilizam a coluna d’água para nadar, como os lambaris”, informa Rossetti de Paula.

Portanto, o desmatamento em zonas ripárias também elimina o aporte de árvores nos riachos, e consequentemente, todas as suas funções dentro do ecossistema aquático. E, mesmo com o avanço da regeneração, a recuperação do fornecimento de árvores grandes para o riacho é mais demorada que a do fornecimento de folhas e controle da luz solar, pois as árvores demoram mais para crescer em diâmetro do que para desenvolver o dossel.

“Uma floresta jovem, com árvores de pequeno diâmetro, até irá fornecer árvores para o riacho, porém os poços formados serão pequenos e temporários, pois árvores pequenas são mais rapidamente decompostas ou mais facilmente carregadas pelo fluxo de água”, argumenta o pesquisador, que sublinha a importância de aproveitar as janelas de resiliência constituídas por riachos que ainda possuem grandes árvores tombadas em seu curso.

“A regeneração passiva possui um custo de implantação praticamente zero em comparação aos projetos de restauração convencionais, que necessitam de preparo, recuperação do solo, plantio de mudas e manejo da área para que as mudas não morram. Considerando a alta resiliência ainda presente na Amazônia, a chance de as florestas ripárias se recuperarem é muito grande”, explica Rossetti de Paula.

E afirma que muitos riachos ainda possuem árvores grandes caídas em seu interior, oferecendo abrigos e recursos para os organismos aquáticos, que constituem uma importante fonte de retenção de biodiversidade mesmo após o desmatamento. Essas oportunidades não devem ser desperdiçadas.

“Se não aproveitarmos as árvores ainda dentro do canal, estas serão decompostas e perdidas, e, quando a regeneração ripária começar, haverá uma lacuna enorme até as árvores crescerem em diâmetro e depois caírem no riacho. Nesse hiato, o riacho ficará sem muitas das funções exclusivamente providenciadas pelos troncos, o que acarretará extinções locais e perda de biodiversidade”, pondera o pesquisador.

Considerando a enorme diversidade de peixes nos riachos amazônicos, é imprescindível proteger estes ecossistemas altamente biodiversos e que também oferecem serviços ecossistêmicos para as populações locais. Nesse sentido, deve-se aproveitar ao máximo o enorme potencial de regeneração passiva destas florestas e os troncos grandes ainda presentes no riacho para acelerar a regeneração a um custo baixo e com muitos ganhos ambientais.

Rossetti de Paula destaca que em outras áreas, como as do Estado de São Paulo, a regeneração passiva pode não ser tão eficiente quanto a da Amazônia, devido ao longo histórico de desmatamento e degradação que possivelmente exauriu as fontes de regeneração natural da área.

“Em algumas áreas que estudamos no Estado de São Paulo, como as da Bacia do Rio Corumbataí e da Estação Experimental de Ciências Florestais em Itatinga, encontramos florestas ripárias com aproximadamente 32 anos de idade, apresentando valores de diâmetro de árvores bem inferiores aos das florestas regeneradas mais antigas do nosso estudo na Amazônia”, afirma.

Vale destacar também que grande parte de florestas ripárias sob regeneração está localizada em propriedades rurais e circundada por atividades agrícolas. Estas podem atuar como fontes de distúrbios, que retardem ou eventualmente impeçam a regeneração.

Para a quantificação inicial da idade da regeneração, o estudo utilizou inicialmente um mapa de regeneração provido pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a partir de imagens de satélite com 30 metros de resolução, correspondente ao período de 1988 a 2010. Posteriormente, a periodização foi expandida até 1984, com imagens disponíveis na plataforma Google Engine Timelapse. “Além de expandir a periodização, isso permitiu uma melhor quantificação da idade da regeneração e também do tempo em que a área permaneceu sob pastagens antes do início da regeneração”, conta Rossetti de Paula.

O estudo foi conduzido em Paragominas, no Estado do Pará, município que possui algumas peculiaridades importantes. Desde seu estabelecimento, na década de 1960, na esteira da construção da rodovia Belém-Brasília, ele foi palco de intenso desmatamento, principalmente para extração de madeira e implantação de pastagens. No entanto, muitas áreas se tornaram rapidamente improdutivas e acabaram sendo abandonadas, o que deu início ao processo de regeneração passiva. Além disso, Paragominas embarcou recentemente em iniciativas sustentáveis, como a dos Municípios Verdes, que também contribuíram para a regeneração natural.

“Um dado importante do nosso estudo foi que ele se concentrou em uma região mais distante da sede do município de Paragominas, dentro de uma enorme área florestal sob manejo sustentável, o que também auxiliou o processo de regeneração passiva, uma vez que a proximidade das florestas do entorno aumenta as fontes de regeneração”, ressalta o pesquisador.

Os dados foram coletados entre 2014 e 2016, durante o doutorado de Rossetti de Paula na The University of British Columbia, no Canadá, com apoio da FAPESP, sob a orientação de Silvio Frosini de Barros Ferraz. Em 2018, Rossetti de Paula prosseguiu o estudo com bolsa FAPESP de pós-doutorado.

O artigo “Seizing resilience windows to foster passive recovery in the forest-water interface in Amazonian lands” pode ser acessado no site Science Direct.

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A programação do congresso inclui três conferências, nos dias 28, 29 de março e no dia 1º de abril. Todas as conferências acontecerão ao vivo, no horário de 18h00 (hora de Madri) através da ferramenta Zoom. O link do Zoom para as sessões de conferências estará disponível na plataforma do Congresso e, na ocasião, também será enviado a todos os congressistas por e-mail.

Na programação também consta cinco sessões de colóquios ao vivo, que acontecem todos os dias de Congresso (de 28 de março a 1º de abril), em horário de 19h00 (hora de Madri), com duração de uma hora. Os colóquios também serão através de Zoom, cujo link estará na plataforma e será enviado por e-mail. Durante os colóquios, os participantes terão a oportunidade de debater temas relacionados com as linhas temáticas selecionadas para a sessão. Por exemplo, o primeiro colóquio, que acontecerá no dia 28 de março, será para o debate de temas relacionados com “Amazônia e História” e “Amazônia, territórios e territorialidades”, assim como seis livros selecionados para a sessão. As sessões de colóquios são para debate e comentários sobre as temáticas mais relevantes ou presentes nos trabalhos, por isso, as perguntas, dúvidas ou consultas específicas sobre um trabalho devem ser enviadas através da ferramenta “Fórum”, disponível na plataforma do congresso.

Nesse sentido, e tal como consta na informação do Congresso, não há sessões ao vivo para apresentações das propostas de comunicação. Os vídeos das propostas de comunicação estarão, a partir do primeiro dia de congresso, disponíveis para todos os congressistas.

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