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A conservação da biodiversidade deve ser uma preocupação de toda a sociedade

André Julião | Agência FAPESP – A conservação da biodiversidade deve ser uma preocupação para toda a sociedade, pois está intimamente ligada à erradicação da pobreza e da fome, à saúde e ao bem-estar da população, à redução da desigualdade, ao consumo e à produção responsáveis e a outros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), conjunto de metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para serem cumpridas até 2030.

Essa foi uma das conclusões do webinário “Biodiversidade Terrestre e Marinha: conservação, uso e desenvolvimento sustentável” organizado pela Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp) e pela FAPESP com o objetivo de apresentar e discutir o terceiro capítulo do livro FAPESP 60 Anos: A ciência no desenvolvimento nacional.

“Os ODS de biodiversidade [o 14º, vida na água, e o 15º, vida na terra] estão fortemente associados com a redução da pobreza. Além da biodiversidade poder ser um alimento direto, que envolve com a ODS 2, que é acabar com a fome, na biodiversidade temos capacidade de geração de empregos”, disse Carlos Joly, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) e um dos coordenadores do Programa BIOTA-FAPESP.

O pesquisador citou estudo recente em que pesquisadores brasileiros estimam que o Brasil poderia gerar 2,5 milhões de empregos se atendesse à meta, estabelecida no Acordo de Paris, de restaurar 12 milhões de hectares até 2030. “E não são empregos que exigem qualificação. É o tipo de emprego que o Brasil precisaria nesse momento”, afirmou Joly.

Além disso, segundo o pesquisador a biodiversidade está relacionada com as cidades e com a geração de água, que depende da manutenção da vegetação nativa.

Para Vanderlan Bolzani, professora do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (IQAr-Unesp) e presidente da Aciesp, em momentos turbulentos da história, a ciência e o conhecimento contribuíram para a mudança.

“Estamos atravessando um momento muito difícil da vida humana […], mas no pós-guerra éramos um país agrícola e hoje, apesar das diferenças regionais, temos um país que nos orgulha, mesmo com os retrocessos que estamos vivenciando nesse momento”, disse Bolzani, durante a abertura do evento.

A biodiversidade brasileira, a maior do mundo, pode ser um dos motivos de orgulho, ela disse. Aqui vivem 11% de todas as espécies de plantas vasculares (musgos, samambaias e plantas com sementes), 11,3% dos mamíferos, 17,2% das aves, 23,2% dos peixes de água doce, com grandes extensões de bioma ainda não estudados por cientistas, portanto com imenso potencial para a descoberta de novas espécies e substâncias químicas.

“Quando imaginamos que biodiversidade é a maior biblioteca química jamais concebida por qualquer humano, é porque nela encontramos os modelos moleculares mais inusitados, impossíveis de serem sintetizados por qualquer um dos vencedores do Nobel de Química”, comentou a pesquisadora.

Oceanos

Para Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), os oceanos são mais do que os organismos que neles vivem, mas um grande bioma com vários ecossistemas e hábitats e pode ser um agente de transformação da sociedade em função do seu papel e das conexões que dele dependem.

Segundo o pesquisador, o Brasil não tem sido bem-sucedido na fiscalização da atividade pesqueira, citando o exemplo da pesca de arrasto. “Temos formas de aumentar a produção de alimentos sem necessariamente ter conflitos. Com isso, precisamos pensar como o formato dessa atividade econômica pode combater fome e pobreza e beneficiar comunidades de forma abrangente. E isso vai de encontro ao item saúde e bem-estar da agenda 2030”, sublinhou.

A ameaça da poluição nos oceanos à biodiversidade foi tema de Lucas Buruaem Moreira, professor visitante do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp), e a biodiversidade amazônica foi tratada pela pesquisadora Vera Maria Fonseca de Almeida e Val, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

O webinário teve ainda participação de Marie-Anne Van Sluys, professora do Instituto de Biociências da USP e membro da coordenação adjunta de Programas Especiais e Colaborações em Pesquisa da FAPESP, e de Adriano Andricopulo, professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP e diretor-executivo da Aciesp.

O webinário pode ser visto na íntegra em: https://youtu.be/XBGta5JpJlw.

O terceiro capítulo do livro FAPESP 60 anos: A ciência no desenvolvimento nacional está disponível em: https://fapesp.br/eventos/2022/aciesp_cap3.pdf.

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

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Inteligência artificial para combater desmatamento na Amazônia

Luciana Constantino | Agência FAPESP

Um método desenvolvido por pesquisadores brasileiros com base em imagens de satélite e inteligência artificial mostra que a área prioritária das ações de combate ao desmatamento poderia ser 27,8% menor do que a dos 11 municípios atualmente monitorados pelo governo federal no Plano Amazônia 2021/2022. Esse monitoramento, porém, deixa de considerar novas fronteiras de derrubada da floresta, que extrapolam os limites desses municípios-alvo.

Pesquisa publicada em junho na Conservation Letters, uma revista da Society for Conservation Biology, aponta que as regiões com as maiores taxas de desmatamento na Amazônia, classificadas de “alta prioridade”, englobam 414.603 km2 neste ano, ante a área total incluída no plano que, somando todos os municípios, é de 574.724 km2. Ou seja, a área a ser monitorada seria 160 mil km2 menor, uma extensão similar à do Suriname.

Mas, enquanto os hotspots identificados pelos pesquisadores responderam por 66% da taxa média anual de devastação da floresta, os 11 municípios-alvo do plano representaram 37% da taxa de desmatamento nos últimos três anos (2019 a 2021).

No artigo, cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e de universidades americanas concluem que o método proposto, além de dar um foco mais definido para a fiscalização, revela novas fronteiras de derrubada da floresta, atualmente fora do plano de monitoramento por extrapolar os limites desses municípios-alvo.

“Com essa nova abordagem, concluímos que há um ganho de efetividade ao priorizar áreas com maiores índices de desmatamento, não limitando por municípios. Esse resultado é importante, visto que cada vez mais órgãos de fiscalização, como o Ibama e o ICMBio, têm sofrido com cortes de recursos, tanto de servidores como de orçamento. Alguns desses hotspots de devastação ficam dentro dos 11 municípios-alvo, mas outros estão nas bordas, abrindo novas fronteiras”, diz à Agência FAPESP o autor correspondente do artigo Guilherme Augusto Verola Mataveli, da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe.

O trabalho recebeu apoio da FAPESP por meio de quatro projetos: Influência do uso e cobertura da terra na emissão de material particulado fino por queimadas nos biomas Amazônia e Cerrado, Quantificando mortalidade de árvores com lasers, Uso de séries temporais densas Sentinel-2/MSI e algoritmos de aprendizado de máquinas para melhorar o monitoramento agrícola no bioma Cerrado e Variação interanual do balanço de gases de efeito estufa na Bacia Amazônica e seus controles em um mundo sob aquecimento e mudanças climáticas – Carbam: estudo de longo termo do balanço do carbono da Amazônia.

Procurado pela Agência FAPESP, o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), responsável pelo Plano Amazônia 2021/2022 informou por meio de sua assessoria, que “o objetivo [do plano] foi focar onde a ocorrência dos ilícitos ambientais tinha maior impacto nos resultados da gestão ambiental brasileira, sem descuidar da atuação nas demais áreas da Amazônia Legal”. De acordo com o CNAL, “os municípios escolhidos foram aqueles que constavam com maiores áreas desmatadas, assim como maior incidência de queimadas, podendo ser incluídos outros que venham a ser mapeados pelo Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia [Censipam]”.

O CNAL disse ainda que o Inpe foi uma das “instituições protagonistas no processo de indicação das prioridades estabelecidas”, mas que os cientistas que trabalharam na pesquisa poderiam “ter contribuído oportunamente de forma institucional”. “O CNAL trabalha sempre com a informação oficial gerida, trabalhada e analisada pelos órgãos oficiais do governo”, afirma o órgão.

Avanço no processamento de dados

No estudo, os cientistas destacam que o desmatamento nos 11 municípios-alvo do plano foi significativo nos últimos anos, motivando um monitoramento, mas isso não seria suficiente para priorizar somente esses locais. São eles: São Félix do Xingu, Altamira, Novo Progresso, Pacajá, Portel, Itaituba e Rurópolis, no Estado do Pará, Apuí e Lábrea, no Amazonas, Colniza, em Mato Grosso, e Porto Velho, em Rondônia.

Os pesquisadores citam que, mesmo com ações de fiscalização concentradas na região, houve aumento de 105% na taxa de devastação entre fevereiro e abril de 2021 se comparada à média nos anos anteriores (2017-2021). Pelos dados do Deter, programa oficial de alertas de desmatamento do Brasil, foram 524,89 km2 de novos pontos de devastação nessas áreas.

“Essa pesquisa valida a importância do Inpe, que há 60 anos forma pesquisadores de ponta e produz ciência e tecnologia, a partir de dados satelitários, para a sociedade e o desenvolvimento nacional. Os avanços no processamento de dados apresentados neste estudo com o uso de inteligência artificial para o planejamento do combate ao desmatamento são críticos para a mitigação de problemas ambientais nacionais e para a construção de um plano de desenvolvimento sustentável para o país”, afirma o chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe, Luiz Aragão, e um dos autores do artigo.

Àreas prioritárias

O grupo utilizou, entre outras fontes, dados do Prodes – o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite, do Inpe. Desde 1988, o Prodes produz as taxas anuais de desmatamento na região usadas pelo governo brasileiro para definir políticas públicas. Essas taxas são estimadas com base no corte raso identificado em cada imagem de satélite que cobre a Amazônia Legal.

Segundo o último relatório do Prodes, a área desmatada na Amazônia foi de 13.235 km² entre agosto de 2020 e julho de 2021, um aumento de 22% em relação ao período anterior (agosto de 2019 a julho de 2020) e a maior taxa desde 2006 (leia mais em terrabrasilis).

“A ideia do artigo surgiu em fevereiro de 2021, quando o Plano Amazônia 2021/2022 foi lançado. À época foi divulgado que o desmatamento nesses 11 municípios representava 70% do total registrado na Amazônia, mas o Prodes estava diferente. Com a evolução do modelo, percebemos que poderíamos apresentar uma ferramenta para ajudar no direcionamento da fiscalização”, completa Mataveli.

Para estabelecer as áreas prioritárias, os pesquisadores definiram primeiramente as chamadas células de grade distribuídas regularmente sobre a Amazônia – regiões de 25 km2 por 25 km2. Com base no algoritmo Random Forest, que constrói automaticamente conjuntos de regressões multivariadas para prever hotspots de desmatamento no ano seguinte, foi determinada uma classe de prioridade para cada uma destas células. Esse método identifica uma fração maior de áreas com risco de derrubada de árvores em relação à região total e a terras públicas.

Foram considerados cinco preditores: as taxas de desmatamento em anos anteriores; a distância para células da grade com alto desmatamento cumulativo em anos anteriores; a distância para infraestruturas (como rodovias e/ou hidrovias); a área total protegida na célula da grade e o número de focos de calor.

Depois houve a definição de três classes de prioridade, com base nas estimativas de desmatamento previsto – baixa (valores abaixo do percentil 70); média (entre os percentis 70 e 90) e alta (acima de 90). Os pesquisadores separaram, então, apenas as células das grades com percentis acima de 90 (alta) para mapear as áreas prioritárias de 2022, chegando aos 414.603 km2.

O método também permite a definição das regiões prioritárias anualmente usando as taxas de corte raso do período anterior, não dependendo das fronteiras geopolíticas. De acordo com os pesquisadores, entre os exemplos que estão fora do Plano Amazônia 2021/2022, mas apareceram como prioridade “alta”, estão Roraima e Acre.

“Priorizar esses 11 municípios será insuficiente para que o Brasil consiga cumprir compromissos internacionais, como o de zerar o desmatamento ilegal até 2028 assumido na COP-26 [Conferência do Clima das Nações Unidas]. Além disso, o Plano Amazônia 2021/2022 traz uma meta de combate ao desmatamento de 8.719 km2 por ano. Mas um decreto de 2018 já estabelecia um limite de 3.925 km2/ano após 2020. Ou seja, menos ambiciosa”, completa Mataveli.

O pesquisador se refere ao decreto 9.578, de 2018, que trata da Política Nacional da Mudança do Clima e estabelece uma redução de 80% dos índices anuais de desmatamento na Amazônia Legal em relação à média entre 1996 e 2005. Essa meta está entre as ações a serem adotadas pelo Brasil para conter emissões de gases de efeito estufa.

Na COP-26, além do compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2028, o Brasil se comprometeu a reduzir até 2030 as emissões de gases de efeito estufa em 50% em relação aos níveis de 2005 e a atingir a neutralidade climática até 2050. No entanto, o crescimento das taxas de devastação da Amazônia contrasta com esses objetivos – cerca de 11% das emissões de gases estufa são causadas pela má gestão das florestas e do uso da terra, incluindo o desmatamento e incêndios.

Quando o Plano Amazônia 2021/2022 foi lançado, especialistas criticaram as metas estabelecidas, classificando-as de insuficientes. Isso porque o governo estabeleceu como objetivo reduzir o desmatamento com base na média registrada no período 2016-2020, que já era cerca de 35% maior do que a dos dez anos anteriores.

Ações complementares

A pesquisa sugere que, além de métodos mais diretos para definir alvos de políticas públicas, é necessário uma série de ações complementares para combater a devastação. Aponta entre elas a educação e conscientização ambiental; a identificação e responsabilização dos atores que infringem as leis de proteção ambiental e lucram com o desmatamento ilegal; o incentivo a projetos que invistam em ações voltadas à economia verde e para manter a floresta em pé, além da regularização de terras públicas e indígenas.

“O código que usamos para gerar o modelo e as áreas prioritárias é aberto. Estamos conversando com a plataforma Terra Brasilis para tentar incluir essas áreas nas informações disponíveis para quem quiser acessar. Assim, se algum governo, incluindo estaduais ou municipais, tiver interesse, é possível aplicá-lo na prática”, conclui Mataveli.

O artigo Science-based planning can support law enforcement actions to curb deforestation in the Brazilian Amazon, dos pesquisadores Guilherme Mataveli, Gabriel de Oliveira, Michel Chaves, Ricardo Dalagnol, Fabien H. Wagner, Alber H.S. Ipia, Celso H.L. Silva-Júnior e Luiz Aragão, pode ser lido em no site conbio.

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Resiliência da Floresta Amazônica e as oportunidades para regeneração passiva

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Em um intervalo de aproximadamente 32 anos, de 1988 a 2020, 457.474 km2 foram desmatados na Amazônia Brasileira – uma área bem maior do que a da Itália e quase igual à da Espanha. E o ritmo do desmatamento, que havia diminuído, voltou a crescer nos últimos quatro anos – principalmente em 2022.

Um dado auspicioso nesse cenário é que 120.000 km² de área desmatada, destinados principalmente à formação de pastagens e depois abandonados, voltaram a se regenerar passivamente, por meio de processos naturais.

Ao mesmo tempo que o desmatamento e a degradação das áreas remanescentes precisam ser urgentemente interrompidos, a floresta oferece janelas de resiliência que podem ser utilizadas com inteligência para promover a regeneração. O artigo “Seizing resilience windows to foster passive recovery in the forest-water interface in Amazonian lands”, recém-publicado no periódico Science of The Total Environment, forneceu informações substanciais nesse sentido.

“Existem atualmente muitas áreas sob regeneração passiva na Amazônia. E, na região que estudamos, localizada no município de Paragominas, no Estado do Pará, a floresta localizada em margens de riachos recuperou atributos estruturais [densidade de indivíduos e de dossel] a partir de 12 anos, enquanto a recuperação da área basal ocorreu em 18 anos”, diz à Agência FAPESP o pesquisador Felipe Rossetti de Paula, pós-doutorando da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e primeiro autor do estudo.

Rossetti de Paula ressalta que grande parte dessas áreas em regeneração localiza-se em beiras de corpos d’água, comumente conhecidas como zonas ciliares ou zonas ripárias. “A importância de haver florestas nas zonas ripárias se deve ao fato de os ecossistemas de riachos serem estreitos e, com isso, quase totalmente cobertos pelo dossel. Assim, os recursos alimentares que sustentam a base da cadeia alimentar nesses cursos d’água provêm de folhas, frutos e insetos que caem no meio líquido e são decompostos e utilizados por microrganismos, mais tarde consumidos por invertebrados aquáticos, que posteriormente servirão de alimentos para os peixes”, afirma.

Essa sequência caracteriza os riachos como sistemas predominantemente heterotróficos – isto é, que dependem de recursos externos. Quando as florestas ripárias são desmatadas, elimina-se o dossel, e, junto com ele, os aportes orgânicos que mantêm a heterotrofia do sistema. Este torna-se, então, autotrófico, tendo que gerar sua própria fonte de energia para a sustentação da cadeia alimentar.

Nesse ponto, o papel dos fungos decompositores na cadeia alimentar é substituído por organismos fotossintetizantes, como algas, microalgas e plantas aquáticas, que utilizam luz solar para produzir seu alimento e que depois serão consumidos por invertebrados aquáticos e assim por diante. Nesta condição, aumentos nos níveis de luz e temperaturas no sistema podem ocasionar também o crescimento exagerado de microalgas, aumentando a turbidez da água e tornando-a menos propícia para o consumo das populações locais. Além disso, estudos recentes mostraram que temperaturas elevadas da água diminuíram o crescimento de espécies nativas de peixes, menos tolerantes a esta condição.

“Com a regeneração da floresta ripária, recupera-se o dossel, e, com ele, o fornecimento de material orgânico e o controle da entrada de luz no ecossistema aquático. O sistema como um todo retorna ao status heterotrófico”, resume Rossetti de Paula.

O pesquisador enfatiza também que as grandes árvores que caem nos riachos possuem funções ecológicas altamente relevantes, como oferecer abrigos para peixes dentro de cavidades, fornecer alimentos e locais de fixação para invertebrados aquáticos e, o mais importante, represar o fluxo de água, criando pequenas piscinas naturais que são lugares de fluxo reduzido e retenção de material orgânico e nutrientes.

“Sem esses poços, a disponibilidade de recursos alimentares e nutrientes é reduzida, pois eles tendem a ser transportados mais rapidamente pelo fluxo de água. Tais piscinas também são importantes hábitats para peixes que utilizam a coluna d’água para nadar, como os lambaris”, informa Rossetti de Paula.

Portanto, o desmatamento em zonas ripárias também elimina o aporte de árvores nos riachos, e consequentemente, todas as suas funções dentro do ecossistema aquático. E, mesmo com o avanço da regeneração, a recuperação do fornecimento de árvores grandes para o riacho é mais demorada que a do fornecimento de folhas e controle da luz solar, pois as árvores demoram mais para crescer em diâmetro do que para desenvolver o dossel.

“Uma floresta jovem, com árvores de pequeno diâmetro, até irá fornecer árvores para o riacho, porém os poços formados serão pequenos e temporários, pois árvores pequenas são mais rapidamente decompostas ou mais facilmente carregadas pelo fluxo de água”, argumenta o pesquisador, que sublinha a importância de aproveitar as janelas de resiliência constituídas por riachos que ainda possuem grandes árvores tombadas em seu curso.

“A regeneração passiva possui um custo de implantação praticamente zero em comparação aos projetos de restauração convencionais, que necessitam de preparo, recuperação do solo, plantio de mudas e manejo da área para que as mudas não morram. Considerando a alta resiliência ainda presente na Amazônia, a chance de as florestas ripárias se recuperarem é muito grande”, explica Rossetti de Paula.

E afirma que muitos riachos ainda possuem árvores grandes caídas em seu interior, oferecendo abrigos e recursos para os organismos aquáticos, que constituem uma importante fonte de retenção de biodiversidade mesmo após o desmatamento. Essas oportunidades não devem ser desperdiçadas.

“Se não aproveitarmos as árvores ainda dentro do canal, estas serão decompostas e perdidas, e, quando a regeneração ripária começar, haverá uma lacuna enorme até as árvores crescerem em diâmetro e depois caírem no riacho. Nesse hiato, o riacho ficará sem muitas das funções exclusivamente providenciadas pelos troncos, o que acarretará extinções locais e perda de biodiversidade”, pondera o pesquisador.

Considerando a enorme diversidade de peixes nos riachos amazônicos, é imprescindível proteger estes ecossistemas altamente biodiversos e que também oferecem serviços ecossistêmicos para as populações locais. Nesse sentido, deve-se aproveitar ao máximo o enorme potencial de regeneração passiva destas florestas e os troncos grandes ainda presentes no riacho para acelerar a regeneração a um custo baixo e com muitos ganhos ambientais.

Rossetti de Paula destaca que em outras áreas, como as do Estado de São Paulo, a regeneração passiva pode não ser tão eficiente quanto a da Amazônia, devido ao longo histórico de desmatamento e degradação que possivelmente exauriu as fontes de regeneração natural da área.

“Em algumas áreas que estudamos no Estado de São Paulo, como as da Bacia do Rio Corumbataí e da Estação Experimental de Ciências Florestais em Itatinga, encontramos florestas ripárias com aproximadamente 32 anos de idade, apresentando valores de diâmetro de árvores bem inferiores aos das florestas regeneradas mais antigas do nosso estudo na Amazônia”, afirma.

Vale destacar também que grande parte de florestas ripárias sob regeneração está localizada em propriedades rurais e circundada por atividades agrícolas. Estas podem atuar como fontes de distúrbios, que retardem ou eventualmente impeçam a regeneração.

Para a quantificação inicial da idade da regeneração, o estudo utilizou inicialmente um mapa de regeneração provido pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a partir de imagens de satélite com 30 metros de resolução, correspondente ao período de 1988 a 2010. Posteriormente, a periodização foi expandida até 1984, com imagens disponíveis na plataforma Google Engine Timelapse. “Além de expandir a periodização, isso permitiu uma melhor quantificação da idade da regeneração e também do tempo em que a área permaneceu sob pastagens antes do início da regeneração”, conta Rossetti de Paula.

O estudo foi conduzido em Paragominas, no Estado do Pará, município que possui algumas peculiaridades importantes. Desde seu estabelecimento, na década de 1960, na esteira da construção da rodovia Belém-Brasília, ele foi palco de intenso desmatamento, principalmente para extração de madeira e implantação de pastagens. No entanto, muitas áreas se tornaram rapidamente improdutivas e acabaram sendo abandonadas, o que deu início ao processo de regeneração passiva. Além disso, Paragominas embarcou recentemente em iniciativas sustentáveis, como a dos Municípios Verdes, que também contribuíram para a regeneração natural.

“Um dado importante do nosso estudo foi que ele se concentrou em uma região mais distante da sede do município de Paragominas, dentro de uma enorme área florestal sob manejo sustentável, o que também auxiliou o processo de regeneração passiva, uma vez que a proximidade das florestas do entorno aumenta as fontes de regeneração”, ressalta o pesquisador.

Os dados foram coletados entre 2014 e 2016, durante o doutorado de Rossetti de Paula na The University of British Columbia, no Canadá, com apoio da FAPESP, sob a orientação de Silvio Frosini de Barros Ferraz. Em 2018, Rossetti de Paula prosseguiu o estudo com bolsa FAPESP de pós-doutorado.

O artigo “Seizing resilience windows to foster passive recovery in the forest-water interface in Amazonian lands” pode ser acessado no site Science Direct.

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Pesquisa de campo junho 2022

Assista ao registro da visita de campo a Mamirauá realizada pela equipe do projeto, sob supervisão da professora Maria Sylvia Saes

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Expansão sustentável do cacau é benéfica para a Amazônia

Estudo da Embrapa e instituições parceiras comprovou que a expansão sustentável do cacau tem sido extremamente benéfica para a Amazônia, integrando geração de emprego e renda à preservação da floresta. Onde o fruto está presente há menos desmatamento e fogo. Leia a matéria completa no site da Embrapa

A expansão sustentável do cacau na Amazônia integra geração de emprego e renda à preservação da floresta e à recuperação de áreas degradadas – Foto: Adriano Venturieri

Estudo da Embrapa e instituições parceiras comprovou que a expansão sustentável do cacau tem sido extremamente benéfica para a Amazônia, integrando geração de emprego e renda à preservação da floresta. Paralelamente ao fato de o Pará ser hoje o maior produtor nacional desse fruto, com um rendimento superior a 50% do total movimentado no País – R$ 1,8 de 3,5 bilhões -, 70% do cultivo é feito em áreas degradadas, majoritariamente por agricultores familiares e em sistemas agroflorestais. O resultado é a recuperação dessas áreas, cuja maior parte foi convertida de pastagens, com a redução do fogo e do desmatamento na região.

O trabalho, intitulado “A expansão sustentável do cacau (Theobroma cacao) no estado do Pará e sua contribuição para a recuperação de áreas degradadas e redução do fogo” (The sustainable expansion of cocoa crop in the State of Pará, Brazil and its contribution to altered areas recovery and fire reduction), foi publicado esta semana no Journal of Geographic Information SystemEle apresenta a descrição detalhada da evolução das plantações de cacau em termos de expansão histórica, práticas de propriedades agrícolas, transições de uso da terra e regimes de fogo.

Segundo o principal autor, o pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental Adriano Venturieri, a área cultivada com o cacau no estado do Pará vem crescendo nos últimos anos, especialmente na região da Transamazônica. Existe, porém, uma dificuldade em mapear essa expansão em virtude da diversidade dos sistemas de produção que envolvem a cultura do cacau na região.

“Mapear e monitorar a plantação de cacau por meio de imagens de sensores ópticos foi um desafio devido às características botânicas e arbóreas que normalmente são confundidas com áreas de capoeira (vegetação secundária) e floresta, pois o cacau normalmente é cultivado no subbosque sombreado pela floresta”, relata o pesquisador. 

“Para isso, foi preciso cruzar imagens de satélite obtidas pelo monitoramento regular do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), do projeto de Mapeamanto do Uso da Terra na Amazônia (TerraClass) e os dados do Cadastro Ambiental Rural para ir a campo e checar, junto aos produtores e técnicos locais, a localização exata do cacau entre as áreas de floresta”, acrescenta Venturieri.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil produziu 270 mil toneladas de amêndoas de cacau (Theobroma cacao) em 2020/2021. Na Região Norte essa produção ficou em 150 mil, sendo o Pará responsável por 96% do total regional. O estado nortista é maior produtor nacional desse fruto, com 1,8 bilhão dos cerca de 3.5 bilhões movimentados no País em 2020.

O cacau acentua a florestaA área monitorada e mapeada pela pesquisa no Pará está localizada nos dez municípios de maior produção cacaueira no estado e corresponde às regiões da Transamazônica, Sudeste do Pará, Nordeste do Pará e Baixo Tocantins, utilizando metodologias participativas junto às comunidades locais.Foram analisados dados do TerraClass – programa executado pela Embrapa e o Instituto Nacional de Pesquisas Espacias (Inpe) que classfica as mudanças de uso da terra na Amazônia – do período de 2004 a 2014 e imagens satelitais do Prodes (Inpe), que monitora anualmente o desmatamento na Amazônia Legal. “Essas imagens foram cruzadas com as informações do CAR e validadas no campo junto aos produtores nas diferentes áreas de cacau no estado, e a partir daí foi possível obter padrões de imagens para as lavouras cacaueiras”, explica o pesquisador Marcos Adami, do Inpe, um dos autores do estudo.Por meio da modelagem e dos padrões de imagem estabelecidos na análise, o estudo apontou, incialmente, a existência de 70 mil hectares de cacau (até 2019) em 26 municípios paraenses. Como o trabalho de monitoramento é permanente, novos dados analisados após a publicação do estudo já apontam 90 mil hectares até 2021. “Nossa meta é nos aproximarmos, cada vez mais, dos números oficiais, mas sabemos das dificuldades de chegar a esses números”, aponta Venturieri. O trabalho conta com o apoio financeiro do Governo do Estado do Pará por meio do Funcacau para identificação das lavouras cacaueiras no estado.“Também foi possível verificar que aproximadamente 21 mil hectares continuam sendo mapeados como floresta pelo Inpe (Prodes), apesar de nossos dados de campo identificarem plantações de cacau sombreadas por vegetação nessas áreas”, conta Adami. O pesquisador ressalta ainda que quase 88,7% (52.778 hectares) da área cacaueira plantada já havia sido desmatada até o ano de 2008, que é o marco legal do Código Florestal Brasileiro.“Isso nos mostra que o cacau, majoritariamente, não está avançando sobre novas áreas de floresta. Ele está ocupando áreas já degradadas e ainda o subbosque de florestas que não foram desmatadas integralmente”, acrescenta Venturieri.Nas áreas de capoeira e florestas parcialmente exploradas anteriormente, as árvores servem como sombra ao cutlivo do cacau, que na Amazônia tem essa característica. “O que difere o cacau amazônico de outras regiões do País é que o nosso cacau é plantado com sombreamento e não a pleno sol. É interessante perceber que a presença do cacau nessas áreas acentua a presença da floresta, segura o fragmento florestal ainda existe e evita o desmatamento”, afirma o pesquisador.

Agricultura perene no lugar das pastagens

Outra constatação do estudo foi a tendência de conversão de áreas de pastagens em plantios de cacau, que mostra a expansão da cacauicultura na Amazônia como uma atividade que atua na recuperação de áreas degradadas.

Prova disso é a história do produtor paraense Ribamar Nóbrega, do município de São Franscico do Pará, na região Nordeste do estado. Ele e o irmão trocaram o pasto de 35 anos da propriedade pelo Sistema Agroflorestal (SAF). “Eu e meu irmão fazemos parte da segunda geração da família envolvida com a atividade rural. Nosso pai era pecuarista, mas buscamos uma atividade mais perene e encontramos o SAF com açaí, cacau e banana”, conta o produtor.

Ele tem atualmente 25 hectares em fase de produção com as três culturas e está em fase de implantação de mais 20 hectares. “Optamos pelo cacau por ser uma atividade perene e também por ser uma fruta que tem um desenvolvimento adequado à nossa região. Além disso, o cacau com o açaí e a banana são atividades que se complementam e têm boa rentabilidade”, conta Ribamar.

Para Venturieri, não há mais que se pensar em produção de cacau na Amazônia sem a produção integrada a outros cultivos. “O Pará já tem área aberta suficiente para uma nova mentalidade sobre a agricultura no estado. Nós temos que passar de uma agricultura horizontal para uma produção vertical e os Sistemas Agroflorestais com o gradiente de culturas no mesmo espaço, é imprescindível”, afirma.

Paixão que alia renda e consciência ambientalAlém do manejo do plantio, a fermentação e secagem para a venda de amêndoas, a família do Ribamar faz também chocolate e outros produtos do cacau cultivado na propriedade. “Produzimos o chocolate, nibs, amêndoas drageadas, pequenas barras, sempre agregando valor e trazendo ‘algo a mais’ para a amêndoa”, conta a esposa Márcia Nóbrega.A produção do casal é dividida entre as sementes bulk, que são as comodities destinadas à indústria, e as sementes selecionadas para a produção de chocolates finos que atendem nichos de mercado. “Trabalhar com o cacau é uma paixão, não é só produzir e vender amêndoas, mas também ver o que a gente pode fazer com elas. É passar para a sociedade que podemos fazer produtos maravilhosos com esse fruto, como néctar, licor, geleia, barra de chocolate com diferentes intensidades e sabores, entre outros”, conta Márcia.Os desafios, segundo Ribamar Nóbrega, são ainda grandes, “desde um maior acompanhamento técnico até a criação de valor na cadeia produtiva do próprio chocolate”, conta. Mas ele e a família não trocam o cacau nos Sistemas Agroflorestais por outra atividade. “O cacau tem tudo a ver com a nossa geração e com as próximas. É uma planta nativa da região, que tem maior vida útil, que absorve carbono da atmosfera, que preserva o clima e o meio ambiente. É uma atividade sustentável de longo prazo. Isso nos motiva bastante”, finaliza.

Menos fogo e mais proteção ambiental

Nos 90 mil hectares mapeados no trabalho, os pesquisadores apontam que praticamente 100% não estão em áreas protegidas. “Na verdade, apenas 0,46% das áreas com cacau estão em uma área de proteção ambiental (APA), que de acordo com a legislação é permitido o desenvolvimento de atividades produtivas”, explica Venturieri.

Essas áreas com cacau, segundo o pesquisador, se mostram estatisticamente menores que as áreas sem cacau, o que demonstra uma característica da atividade na Amazônia: a agricultura familiar. “Nós comprovamos no mapeamento o que muitos produtores já nos diziam: que o cacau é produzido em áreas menores, não desmata e ainda reduz o uso do fogo”, conta Venturieri.

O fato do cacau, que é uma cultura perene, estar associado principalmente aos Sistemas Agroflorestais e às capoeiras e florestas parcialmente exploradas fortalece a afirmação de que há uma redução drástica no uso do fogo no preparo das áreas. 

“O fogo é utilizado geralmente na limpeza do pasto e, com a conversão dessa atividade para a agricultura perene, ele também é reduzido e até substituído por outras formas de preparo de área, reduzindo assim a emissão de gases de efeito estufa e gerando maior proteção ao solo e à água”, explica Venturieri.

Destaque mundialO estado do Pará produz 50% do cacau brasileiro e está entre os dez maiores polos cacaueiros do mundo. Natural das áreas de várzea, o cacau é manejado há mais de 400 anos na região no Baixo Tocantins. Mas foi na região da Transamazônica, com os plantios em terra firme, que essa cultura ganhou maior expressão. “Cerca de 80% da produção de cacau do estado está na região da Transamazônica, do município de Novo Repartimento até Uruará, sendo Medicilândia o epicentro do polo cacaueiro do Pará”, conta José Raul Guimarães, superintendente regional no Pará e Amazonas da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac).A Ceplac atua na região amazônica desde a década de 60 e mantém no Pará o maior banco genético de Theobroma cacao do mundo, com mais de 53 mil plantas. A instituição acompanha a expansão das lavouras cacaueiras há décadas e o crescimento da cadeia produtiva, como aponta José Raul, é surpreendente. “Em 1970 o Pará tinha 570 produtores de cacau, hoje são quase 30 mil. Isso significa que o estado ao longo dessas décadas incorporou anualmente cerca de 1.500 a 2 mil novos produtores à cadeia produtiva”, ressalta.A área plantada também surpreende, como conta o superintendente. “Plantamos anualmente de 8 a 10 mil hectares. É uma das regiões que mais planta cacau no mundo e com produtividade média de 970 a 1 mil quilos por hectare”, destaca.Essa posição de destaque no cenário mundial, segundo José Raul Guimarães, é resultado de um ambiente institucional sólido, programas de pesquisa e desenvolvimento, em especial o Plano de Diretrizes para a Expansão da Cacauicultura Nacional (Procacau), além de condições edafoclimáticas da região que são ideiais para esse cultivo. O estado, como avalia o gestor, pode colocar o Brasil novamente em posição de destaque no cenário mundial.
Ampliar a produtividade das lavourasPara o engenheiro agrônomo e gerente da CocoaAction Brasil, iniciativa vinculada à World Cocoa Foundation (Fundação Mundial do Cacau), Pedro Ronca, o País é visto como promissor para o fornecimento de cacau sustentável para o mundo. “Estamos num momento muito positivo para tornar novamente o Brasil um big player no mercado mundial do cacau”, afirma.Para isso, Ronca acredita que o passo fundamental é ampliar a produtividade média do País, que atualmente é de 300 kg/hectares. Um estudo de viabilidade econômica de sistemas produtivos com o cacau, realizado pela CocoaAction, Instituto Arapyaú e WRI Brasil em parceria com outras instituições, mostra que com a produtividade acima de mil quilos por hectare, o cacau gera uma renda de até cinco mil reais por hectare. “A forma mais rápida de aumentar a renda do produtor é expandir a produtividade da lavoura. Se agregarmos 150 quilos por hectare à média nacional, por exemplo, teremos um impacto de um bilhão de reais em valor bruto de produção e isso retorna ao campo”, estima o gerente da CocoaAction Brasil.Apesar de a produtividade paraense ser bem acima da média nacional (970 a mil kg/hectare), existe material genético, tecnologia e áreas na região disponíveis para ampliar essa produção com sustentabilidade. “Tem muito espaço para ampliar a produção no Pará e tem mercado para comprar essa produção”, conclui.Outro desafio apontado pelo gerente da inciativa é o acesso ao crédito pelos produtores do cacau.  “Na cadeia do cacau o crédito ainda é baixo. Um ranking de acesso a crédito elaborado com dados governamentais mostra que a cadeia do cacau aparece em 44º lugar no Brasil”, conta.O cenário já vem mudando no Pará, segundo Ronca, dados do Pronaf Cacau indicam que o volume de crédito acessado por cacauicultores no estado subiu de 3 milhões de reais em 2017 para 18 milhões em 2021. E a associação da cultura com os Sistemas Agroflorestais no estado, preconizada por toda a rede institucional que envolve a cadeia produtiva e praticada pelos agricultores “reforça o cacau como um vetor importante ao desenvolvimento sustentável da Amazônia”, finaliza.
Apresentação dos resultadosOs resultados apontados pelo estudo “A expansão sustentável do cacau (Theobroma cacao) no estado do Pará e sua contribuição para a recuperação de áreas degradadas e redução do fogo” serão apresentados no dia 01/07, durante a programação do Chocolat Xingu 2022 – Festival Internacional do Cacau e Chocolate, que acontece de 30 de junho e 3 de julho, em Altamira, na região da Transamazônica, no estado do Pará. O festival nasceu em 2008 em Ilhéus (BA), desde então já foram 20 edições, na Bahia, no Pará e em São Paulo. O painel “O cacau sustentável do Pará” reúne o pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental Adriano Venturieri e o gerente da Cocoa Action Brasil Pedro Ronca.

Ana Laura Lima (MTb 1.268/PA)
Embrapa Amazônia Oriental

Contatos para a imprensa
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Telefone: (91) 3204-1200

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Perda de florestas tropicais permaneceu em alta no mundo e no Brasil em 2021


por Mikaela Weisse e Liz Goldman– 28.04.2022.
Este artigo foi publicado originalmente em língua inglesa no Global Forest Review. Tradução e publicação em português no WRI Brasil


Por que nos concentramos nos trópicos?

Embora os dados de perda de cobertura arbórea da Universidade de Maryland tenham cobertura global, o Global Forest Watch se concentra principalmente na perda nos trópicos, porque é onde ocorre mais de 96% do desmatamento, ou remoção permanente da cobertura florestal causada pelo homem. A perda arbórea em florestas boreais e temperadas é causada principalmente por silvicultura e incêndios florestais, que geralmente são distúrbios temporários nas florestas seguidos de rebrota. Saiba mais aqui.

Os trópicos perderam 11,1 milhões de hectares de cobertura arbórea em 2021, de acordo com dados da Universidade de Maryland divulgados nesta quinta-feira (28) no Global Forest Watch.


Explore os dados do GFW

São particularmente preocupantes os 3,75 milhões de hectares de perda que ocorreram nas florestas tropicais primárias – áreas de importância crítica para o armazenamento de carbono e a biodiversidade – equivalente a uma taxa de 10 campos de futebol por minuto. A perda de florestas primárias tropicais em 2021 resultou na emissão de 2,5 Gt de dióxido de carbono, o equivalente à emissão anual de combustíveis fósseis da Índia.

<p>Gráfico de perda de florestas no mundo</p>

A taxa de perda de floresta primária nos trópicos tem se mantido persistentemente alta ao longo dos últimos anos. Apesar dos trópicos terem perdido 11% menos floresta primária em 2021 do que em 2020, isso ocorre após um aumento de 12% de 2019 para 2020, principalmente puxado pela perda relacionada a incêndios.O que é a perda de cobertura arbórea devido a incêndios?

Graças a uma nova pesquisa da Universidade de Maryland, agora temos dados espaciais detalhados sobre onde os incêndios causaram a perda de cobertura arbórea. As queimadas geralmente têm implicações importantes para as emissões de carbono, ecossistemas e saúde humana. No entanto, as temporadas de incêndios flutuam conforme padrões climáticos, tornando mais difícil avaliar as tendências de perda de floresta ao longo do tempo. Separar a perda devido a incêndio da perda devido a outras causas (por exemplo, expansão agrícola ou extração de madeira) oferece mais nuances para entender a dinâmica da perda florestal ao longo do tempo. Leia mais sobre os novos dados aqui.

E não são apenas as florestas tropicais que preocupam. As florestas boreais – principalmente as da Rússia – sofreram uma perda de cobertura arbórea sem precedentes em 2021, em grande parte impulsionada por incêndios.

Essas tendências ressaltam quanta ação será necessária para atingir as metas globais de desmatamento zero. Na Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra, 141 países se comprometeram a coletivamente “interromper e reverter a perda florestal até 2030”. Alcançar esse compromisso exigirá um declínio consistente na perda de florestas pelo resto da década – um declínio que ainda não está acontecendo nos trópicos como um todo. As exceções ocorrem apenas em alguns países, principalmente Indonésia e Malásia, onde a perda de florestas primárias diminuiu significativamente nos últimos anos, e países como Gabão e Guiana, que perderam 1% ou menos de suas florestas primárias nas últimas duas décadas.

<p>Os 10 países que mais perderam florestas em 2021</p>

A seguir, um olhar aprofundado sobre algumas tendências da perda de florestas em 2021:

Novas fronteiras de desmatamento surgem na Amazônia brasileira

Como o país com a maior floresta tropical primária, o Brasil lidera consistentemente a lista de maior perda de floresta primária no mundo. Mais de 40% da perda de floresta primária tropical em 2021 ocorreu no Brasil, um total de 1,5 milhão de hectares.

<p>Perda de florestas no Brasil</p>

A taxa de perda de florestas primárias no Brasil tem se mantido persistentemente alta nos últimos anos. A perda relacionada a incêndios flutuou dependendo do nível de queimadas fora de controle, mais recentemente com um pico em 2020 na Amazônia e no Pantanal. Enquanto isso, as perdas não relacionadas a incêndios, que no Brasil são mais frequentemente associadas à expansão agrícola, aumentaram 9% de 2020 a 2021. Esses dados são consistentes com os do PRODES (leia mais sobre diferenças e semelhanças dos dados da Universidade de Maryland e do PRODES aqui), sistema de monitoramento oficial do Brasil que mostrou que 2021 teve a maior taxa de desmatamento raso na Amazônia desde 2006, quando medidas foram implementadas para reduzir drasticamente o desmatamento.

A parte oeste da Amazônia brasileira enfrentou uma intensificação da perda de florestas primárias, com alguns estados experimentando aumentos superiores a 25% entre 2020 e 2021. Esta parte da Amazônia tem vários hotsposts de perda de floresta primária, o que significa lugares que tiveram um aumento estatisticamente significativo de novas perdas em 2021. Muitos desses hotsposts são de grandes clareiras – provavelmente para pastagens de gado – ao longo de estradas. Algumas dessas estradas, como a BR-319 que percorre o Amazonas de norte a sul, estão recebendo ou têm previsão de receber pavimentação e melhorias, o que já resultou em um aumento no desmatamento.

<p>Hotspots de perda florestal no Brasil</p>

A perda de floresta primária no Brasil é especialmente preocupante, dada a nova evidência de que a floresta amazônica está perdendo resiliência e pode estar mais perto de um ponto de não retorno do que se pensava anteriormente. Desmatamentos somados aos efeitos das mudanças climáticas e dos incêndios podem fazer com que a floresta não seja mais capaz de se manter e grandes áreas passem por uma transição, tornando-se um ecossistema mais próximo das savanas. Isso resultaria não apenas em grandes quantidades de perda de biodiversidade e emissões de carbono, mas também interromperia os padrões de chuva fundamentais para a produção agrícola.

Indonésia reduziu a perda de floresta primária pelo quinto ano consecutivo

A taxa de perda de florestas primárias na Indonésia continuou a diminuir em 2021 pelo quinto ano consecutivo, caindo 25% em relação a 2020. Mais um ano de declínio é motivo de comemoração e indica que a Indonésia está caminhando na direção certa para cumprir alguns de seus compromissos climáticos. No ano passado, a Indonésia atualizou seu compromisso no âmbito do Acordo de Paris (NDC), comprometendo-se a reduzir as emissões do setor florestal e de uso da terra até que se torne um sumidouro líquido de carbono até 2030.

<p>Perda de florestas na Indonésia</p>

A continuidade da tendência de queda também indica que os compromissos corporativos e as ações governamentais estão dando certo. Novas pesquisas mostram que o desmatamento ligado ao óleo de palma está no menor nível em 20 anos. Os compromissos dentro do No Deforestation, No Peat and No Exploitation (sem desmatamento, sem turfas e sem exploração, NDPE) agora cobrem 83% da capacidade de refino de óleo de palma na Indonésia e na Malásia, e mais de 80% da indústria de papel e celulose na Indonésia. Além disso, a Roundtable on Sustainable Palm Oil (Mesa Redonda para Óleo de Palma Sustentável) reforçou as exigências para certificação sustentável em 2018, incluindo a proibição do desmatamento ou remoção de turfas.

O declínio também reflete os esforços do governo indonésio para reduzir a perda de florestas. O Ministério do Meio Ambiente e Florestas aumentou as ações de monitoramento e prevenção do fogo após os incêndios florestais e de turfa que ocorreram de maneira generalizada em 2015. O governo também emitiu uma moratória permanente sobre a conversão de florestas primárias e turfeiras e ampliou o mandato da Agência de Restauração de Turfas para incluir proteção e restauração de manguezais e turfeiras. Os manguezais são ecossistemas importantes para a biodiversidade e para a regulação dos impactos do clima extremo.

Embora a Indonésia tenha motivos para comemorar o quinto ano consecutivo de declínio na perda florestal, precisará reforçar as medidas de proteção para sustentar essa tendência positiva. Os preços do óleo de palma, que tendem a se correlacionar com o desmatamento, começaram a subir em 2020 e agora estão no maior nível dos últimos 40 anos. O congelamento temporário de licenças para novas plantações voltadas para produção de óleo de palma não foi renovado no ano passado, abrindo as portas para o aumento das plantações em resposta à alta dos preços.

Além disso, o governo indonésio revogou recentemente centenas de licenças para operações madeireiras, plantações e atividades de mineração em áreas florestais. Se essas áreas forem redistribuídas às comunidades locais e indígenas para o manejo florestal comunitário, as revogações poderão ser um marco importante no caminho para um reconhecimento mais forte dos direitos e da proteção florestal. No entanto, também existe a possibilidade de que essas áreas sejam realocadas para empresas e desmatadas rapidamente, levando a mais perdas florestais.

Por fim, existe o risco de que os esforços da Indonésia para impulsionar a recuperação econômica da pandemia de Covid-19 ainda possam afetar suas florestas.

Bolívia experimentou uma perda recorde de florestas primárias devido a incêndios e agricultura em larga escala

Em 2021, a perda de floresta primária na Bolívia atingiu seu nível mais alto já registrado, com 291 mil hectares, superando a Indonésia mais uma vez e tendo a terceira maior perda de floresta primária entre os países tropicais.

<p>Perda de florestas na Bolívia</p>

Os últimos três anos foram de taxas consistentemente altas de perdas florestais na Bolívia, com os incêndios representando mais de um terço da perda a cada ano. Assim como nos dois anos anteriores, em 2021 houve queima significativa de florestas primárias dentro de áreas protegidas. Incêndios na Bolívia são quase sempre provocados por humanos como parte dos esforços para limpar a terra, mas se espalham fora de controle devido ao clima seco e quente exacerbado pelas mudanças climáticas. A maioria das queimadas em 2021 ocorreu no departamento de Santa Cruz, embora o governo esteja trabalhando para restaurar as áreas afetadas.

Santa Cruz também é o epicentro da agricultura em grande escala do país, que inclui soja e pecuária, e responde por grande parte da perda de florestas primárias não causadas por incêndios em 2021. Embora a Bolívia tenha muito menos produção de soja do que os países vizinhos, a maior parte de sua expansão de soja ocorreu às custas das florestas.

Agricultura, demanda de energia e extração madeireira levaram à perda de florestas primárias nas florestas da Bacia do Congo

Como nos anos anteriores, as altas taxas de perda de florestas primárias continuaram na República Democrática do Congo (RDC). A RDC perdeu quase meio milhão de hectares de floresta primária em 2021 devido à expansão da agricultura de pequena escala e à derrubada de árvores para atender à demanda de energia.

As grandes extensões florestais da RDC são um sumidouro de carbono globalmente importante, com vastas extensões de turfeiras ricas em carbono. Grandes mudanças são necessárias para conter essa taxa alta e persistente de perda, incluindo caminhos de desenvolvimento que não envolvam expansão agrícola em florestas primárias e acesso a energia limpa acessível em comunidades rurais e urbanas para reduzir a dependência de carvão e outras formas de energia provenientes da madeira.<p>Perdas florestais na República Democrática do Congo</p>“></p>



<p><strong>Observação:</strong> parte do aumento na perda após 2013 pode estar relacionada a inconsistências nos dados de perda de cobertura arbórea, que podem ter aumentado a capacidade de detectar aberturas de pequena escala nos últimos anos devido a dados de satélite aprimorados. Saiba mais <a href=aqui.

Apesar das taxas altas e persistentes de perda florestal na Bacia do Congo, sinais de esperança também podem ser encontrados. Tanto o Gabão quanto a República do Congo experimentaram dois anos de declínio na perda de florestas primárias. Ambos são reconhecidos como países de muitas florestas e baixo desmatamento, com perspectivas promissoras no horizonte para suas florestas: o Gabão tornou-se o primeiro país africano a receber pagamento pela redução das emissões de carbono e desmatamento, e a República do Congo recentemente aprovou uma lei permitindo que povos indígenas e comunidades locais detenham e administrem legalmente – e assim protejam – suas florestas de atividades comerciais indesejadas.

Mudanças climáticas causaram estragos nas florestas do norte

Fora dos trópicos, as florestas boreais experimentaram as maiores taxas de perda de cobertura arbórea em 2021. Embora a perda de cobertura arbórea nas florestas boreais raramente resulte em desmatamento permanente, a taxa de perda atingiu níveis sem precedentes em 2021, aumentando 29% em relação a 2020. Essas florestas perenes de alta latitude estão cada vez mais ameaçadas pelas mudanças climáticas, com condições mais quentes e secas levando ao aumento de incêndios e danos causados por insetos.

<p>Perda florestal por bioma</p>

Uma temporada de incêndios sem precedentes na Rússia impulsionou grande parte desse aumento. A Rússia passou pela pior temporada de incêndios desde o início dos registros em 2001, com mais de 6,5 milhões de hectares de perda de cobertura arbórea em 2021. Embora os incêndios sejam uma parte natural dos ecossistemas florestais boreais, incêndios maiores e mais intensos são preocupantes. O clima mais quente e seco relacionado às mudanças climáticas levou a condições propensas ao fogo, turfeiras mais secas e gelo permanente do subsolo derretido. A vasta área de turfeiras da Sibéria – a maior do mundo – armazena grandes quantidades de carbono, que é liberado na atmosfera quando a turfa seca. O derretimento do gelo permanente do subsolo também libera carbono e metano armazenados. Essas condições podem representar um novo normal, impactando as pessoas que vivem na Sibéria e criando um ciclo de feedback no qual o aumento dos incêndios e das emissões de carbono se reforçam e levam ao agravamento das condições.

<p>Perda florestal na rússia</p>

O que é necessário para cumprir os compromissos de proteção das florestas?

Embora a perda florestal precise diminuir muito mais rápido para atingir as metas de desmatamento zero em 2030, há motivos para esperança. A rápida diminuição da perda de florestas primárias na Indonésia deve ser celebrada como uma grande conquista que não parecia provável apenas cinco anos atrás.

Alcançar reduções semelhantes no mundo todo não será fácil. A Indonésia e a Malásia precisarão manter o ímpeto na proteção das florestas em meio à disparada dos preços do óleo de palma; o Brasil e outros países da Amazônia precisarão conter novas áreas prioritárias de desmatamento; os países da Bacia do Congo precisarão garantir caminhos para o desenvolvimento que protejam as florestas; e a Rússia e outros países do norte precisarão combater os impactos das mudanças climáticas nas florestas.

Graças à Declaração de Glasgow, o mundo tem um objetivo comum de proteger as florestas e financiamento para isso. Os caminhos para alcançar esses compromissos são desafiadores, mas claros. Continuaremos a monitorar, analisar e relatar o progresso da humanidade.


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6 autores nativos para conhecer a literatura indígena do Brasil

Reprodução da revista Educação e Território. Matéria de André Nicolau,
publicada em 8 de abril de 2022.


Apesar disso, estabelecer um diálogo sobre a temática ainda é um desafio a ser superado nas salas de aula de todo o Brasil. “A escola precisa rever seus posicionamentos em relação aos povos indígenas. A juventude precisa e tem o direito de saber quem são eles, suas culturas, línguas e costumes”, destaca o escritor e ativista Edson Kayapó. 

Em meio à luta em defesa das florestas, ecossistemas e biomas, visando a sobrevivência e manutenção das tradições indígenas, os povos originários também ocupam novos espaços de debate.  

Fazem-se presentes nos centros urbanos, universidades e redes sociais. E, assim, contam suas histórias por meio da literatura indígena, silenciada há décadas pela cartilha de ensino nas escolas. 

Para celebrar o Abril Indígena, destacamos uma série de autores que, por meio de suas publicações, dialogam sobre memórias, cosmologias, saberes milenares e suas concepções de mundo. “Obras muito necessárias num mundo desencantado. É preciso reencantar as relações socioambientais e os povos indígenas podem ajudar muito nesse processo”, reforça Kayapó, que contribuiu para a seleção dos autores. 

Visite a publicação no site da revista Educação e Território e confira alguns nomes da rica e diversa literatura indígena produzida atualmente

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Emergência climática: soluções existem, mas é preciso agir agora

Matéria publicada no Jornal da USP em 08/04/2022. Herton Escobar, arte original de Rebeca Fonseca

“Ainda há tempo de evitar o pior das mudanças climáticas, mas esse tempo está se esgotando. É preciso agir já.”

Trecho do sexto Relatório de Análise (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC)

Se você acha que já ouviu essa mensagem antes — muitas vezes até, provavelmente —, sim, você está certo. Ela vem sendo repetida há anos, exaustivamente, pelos cientistas, e o problema é exatamente esse: o recado não muda porque a situação não muda (só piora) e o tempo disponível para agir está cada vez mais curto. 

Esse é o principal recado, mais uma vez, do sexto Relatório de Análise (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), que teve seu terceiro e último fascículo publicado no início desta semana, 4 de abril. Os dois primeiros blocos (divulgados em agosto de 2021 e fevereiro de 2022) trataram das evidências científicas do aquecimento global, das suas consequências para o clima do planeta e para a espécie humana, e da necessidade urgente de preparação e adaptação a essas mudanças. Já este terceiro fascículo descreve o que é necessário fazer para impedir que a situação piore ainda mais daqui para frente — as chamadas “medidas de mitigação”. E atenção: o cenário não é nada bom.

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, chegou a classificar o relatório como um “arquivo da vergonha”, elencando todas as “promessas vazias que nos colocam firmemente no caminho para um mundo inabitável”. “Estamos em um caminho rápido para o desastre climático”, sentenciou ele, em um duro discurso no dia 4.

Vamos aos números: as emissões globais de gases de efeito estufa (GEEs) na década de 2010 a 2019 foram as maiores de todos os tempos. Ou seja, a espécie humana nunca jogou tanto gás carbônico na atmosfera como agora, apesar de todos os alertas, desastres e acordos climáticos das últimas décadas. A média no período foi de 56 bilhões de toneladas lançados na atmosfera por ano; 9 bilhões a mais por ano do que na década anterior (2000-2009) e bem mais do que em qualquer outro período da história humana.

Cerca de dois terços dessas emissões, segundo o relatório, são de dióxido de carbono (CO2) gerado pela queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão) na indústria, principalmente para a geração de energia e transportes. As emissões de CO2 oriundas das chamadas “mudanças de uso do solo e florestas” são 11% do total, enquanto que as de metano (CH4) respondem por 18%, segundo o relatório. É nessas duas últimas categorias que o Brasil dá sua maior contribuição para o aquecimento do planeta, por meio do desmatamento (que libera quantidades enormes de COpara a atmosfera) e da agropecuária (que é uma grande fonte de CH4), como mostra o último relatório do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima.

Diante deste cenário (que já elevou a temperatura média do planeta em 1ºC), a janela de oportunidade que a humanidade tem para frear as mudanças climáticas está mais apertada do que nunca. Ainda não se fechou por completo, mas resta apenas uma fresta — falta saber se vamos passar por ela. 

Para ter uma chance razoável (acima de 50%) de manter o aquecimento abaixo de 1,5ºC — que é o “limite de segurança” estipulado pela ciência e definido como meta pelo Acordo de Paris — as emissões globais de GEE precisam parar de subir até 2025, no máximo, e depois cair 43% até 2030, segundo o relatório. Para um limite de 2ºC, essa redução precisa ser de 25%. 

De um jeito ou de outro, os cortes são grandes, e precisam começar imediatamente. Pelo andar da carruagem atual, se nada for feito além do que já está sendo feito agora, segundo o IPCC, o aumento de temperatura será de 3,2ºC em 2100; um cenário desastroso para o planeta. A previsão é que os eventos climáticos extremos se tornem cada vez mais frequentes à medida que a temperatura aumenta, potencializando o risco de falta de alimentos, falta de energia, escassez hídrica, extinção de espécies, incêndios, inundações, ondas de calor, enchentes e tempestades, como as que arrasaram a cidade de Petrópolis (RJ) no início deste ano. Entre outras ameaças. (No gráfico ao lado, a linha vermelha representa para onde estamos indo; as linhas verde e azul mostram para onde deveríamos ir para cumprir o Acordo de Paris.)

“Mais do que qualquer outro relatório lançado (até agora), este aponta a necessidade da urgência de redução de emissões”, disse o pesquisador Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, em um webinário sobre o tema, organizado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “O relatório fala que nós precisamos agir já”, completou ele, ressaltando que as mudanças climáticas não são mais uma preocupação do futuro, mas “uma questão do presente”. 

Reduzir as emissões rapidamente é absolutamente necessário, mas não suficiente, pois os gases do efeito estufa, ainda que em menor quantidade, continuarão se acumulando na atmosfera por longos períodos. Para frear de vez o aquecimento do planeta, segundo o IPCC, o mundo precisa se tornar “carbono neutro” por volta de 2050 (para estabilizar o aquecimento em 1,5ºC) ou 2070 (para o limite de 2ºC). Isso significa que todo o carbono lançado por atividades humanas na atmosfera precisa ser reabsorvido de alguma forma, seja por vias naturais ou tecnológicas. Para cada molécula de carbono que sobe, uma precisa descer.

Paulo Artaxo – Foto: Wikimedia

“Para isso vamos ter que construir uma nova sociedade, muito diferente da que temos hoje; muito mais sustentável e com muito mais igualdade econômica e social”, disse Artaxo — um dos 21 cientistas brasileiros que participaram diretamente da confecção do relatório (AR6 completo), produzido por um exército científico de quase 800 autores e revisores internacionais, ao longo de sete anos, com base em dezenas de milhares de estudos publicados sobre o tema na literatura científica.

“É agora ou nunca, se quisermos limitar o aquecimento global a 1,5°C”, disse Jim Skea, especialista em clima e tecnologia do Imperial College London, que foi um dos coordenadores do Grupo de Trabalho 3 do IPCC (responsável por este último fascículo do relatório). “Sem reduções imediatas e profundas de emissões em todos os setores, será impossível.”

Ativistas levantam uma turbina eólica na África do Sul – Foto: Shayne Robinson / Greenpeace

Soluções limpas, boas e baratas

A boa notícia, em meio a esse cenário desalentador, é que “já temos todas as soluções tecnológicas que precisam ser implementadas” para dar essa guinada, “em todos os setores”, pontua Artaxo. E a custo relativamente baixo: segundo o IPCC, a adoção ampla de medidas com custo abaixo de US$ 100 por tonelada de gás carbônico já seria suficiente para reduzir pela metade as emissões globais de GEE até 2030, comparado a 2019. As opções estão aí, só falta vontade para implementá-las.

Um dos infográficos mais interessantes do novo relatório (SPM.7, disponível aqui) mostra a relação custo-benefício das várias estratégias atualmente disponíveis para mitigar o aquecimento global. A opção que se destaca como a mais barata e eficiente para reduzir emissões no curto prazo é a substituição de energia fóssil por energia solar e eólica — que, além de limpas e renováveis, tiveram seu custo de produção significativamente reduzido nos últimos dez anos. Em seguida aparecem estratégias ligadas ao setor de agricultura e florestas: redução do desmatamento, sequestro de carbono pela agricultura, reflorestamento e restauração florestal — também com alto potencial de mitigação de emissões, porém a custo maior do que o das energias renováveis.

Fronteira de área agrícola com vegetação nativa do Cerrado, na região conhecida como Matopiba – Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace

Algumas intervenções chegam a ter custo negativo, no sentido de que permitem reduzir gastos ao mesmo tempo que reduzem emissões e melhoram a qualidade de vida das pessoas. Por exemplo: a redução de demanda e aumento da eficiência energética nos setores de transporte e construção, com a adoção de carros e prédios mais econômicos e menos poluentes.

“Reduzir as emissões de gases do efeito estufa em todo o setor de energia requer grandes transições, incluindo uma redução substancial no uso geral de combustíveis fósseis, a implantação de fontes de energia de baixa emissão, a mudança para transportadores alternativos de energia e eficiência e conservação de energia”, diz o Sumário para Tomadores de Decisão, um resumão simplificado de todo o conteúdo científico do relatório, feito para subsidiar as discussões políticas e diplomáticas sobre o tema.

O desafio é enorme, mas não inatingível. Segundo o relatório, com uma combinação de boas políticas, boas tecnologias e bons comportamentos (pautados pela sustentabilidade) é possível reduzir as emissões globais de GEE em 40% a 70% até 2050, sem precisar inventar nenhuma roda. O que já seria suficiente, segundo os cientistas, para segurar o aquecimento global abaixo de 2ºC, pelo menos.

O custo econômico dessa mudança seria alto, claro, mas com uma relação de custo-benefício excelente. O impacto no PIB mundial seria de apenas alguns pontos porcentuais até 2050, segundo o relatório do IPCC. Ou seja, a economia mundial continuaria crescendo, apenas cresceria um pouco menos, com a vantagem nada desprezível de evitar o caos climático no planeta. “O custo da mitigação é alto, mas o custo de não reduzir emissões é pelo menos três vezes mais alto”, pontuou Artaxo. “É um preço muito grande que a nossa sociedade vai ter que pagar, e portanto temos que evitar e minimizar os danos o máximo possível.”

“É hora de parar de queimar nosso planeta e começar a investir na abundante energia renovável ao nosso redor”, disse Guterres o secretário-geral da ONU, em seu discurso do dia 4. “Uma mudança para as energias renováveis consertará nossa matriz mundial de energia quebrada e oferecerá esperança a milhões de pessoas que sofrem impactos climáticos hoje.”

Navio plataforma da Petrobras – Foto: André Ribeiro / Agência Petrobras

Captura de carbono

Feita essa redução emergencial de emissões, a conquista da neutralidade de carbono, necessária para estabilizar a temperatura do planeta a longo prazo, vai exigir um esforço adicional de captura, estocagem e até remoção de gás carbônico da atmosfera — um conjunto de ações descrito pela siglas em inglês CCS (de carbon capture and storage) e CDR (de carbon dioxide removal).

“O novo relatório nos alerta para a necessidade de reduzirmos drasticamente as emissões num prazo muito curto e, depois, ainda implementarmos processos de captura do carbono já liberado anteriormente. Neste cenário, tanto tecnologias para captura de CO2 concentrado na fonte quanto disperso na atmosfera terão papel importante, algumas em momentos mais preponderantes que outras”, diz o engenheiro Gustavo Assi, professor da Escola Politécnica da USP e diretor de inovação e difusão de conhecimento do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases do Efeito Estufa (RCGI). 

Gustavo Assi – Foto: RCGI

Inaugurado em 2016 na Poli, com financiamento da Fapesp e da empresa Shell, o RCGI investe fortemente no desenvolvimento de tecnologias de CCS e CDR — além de CCU, que contempla também a utilização do carbono capturado como matéria-prima para produção de energia e outros materiais.

“O contexto do Brasil é muito interessante”, avalia Assi. “Repare que o novo relatório atribuiu um papel importantíssimo para a mitigação das emissões através de reflorestamento, agricultura, biocombustíveis, energia eólica e energia solar. Estas soluções aparecem com a melhor relação custo-benefício para implementação urgente, e sabemos que o Brasil tem muito potencial para contribuir nestas áreas.” 

O que não significa, porém, que o Brasil deva simplesmente abandonar sua indústria de óleo e gás do dia para a noite, diz o professor. “Ao mesmo tempo que novas soluções precisam aparecer no cenário para redução de emissões, necessitaremos de uma drástica descarbonização dos setores alimentados por combustíveis fósseis”, afirma Assi. “A exploração de hidrocarbonetos ainda é uma necessidade para o desenvolvimento dos países, mas a transição da matriz energética deve ser mais que um discurso bonito. Como solucionar estas duas demandas que parecem conflitantes? A resposta está na transformação da indústria de óleo e gás, na sua integração com novas fontes de energia, na sua integração com a nova matriz energética do hidrogênio e na busca por uma indústria de hidrocarbonetos neutra em emissões. Este movimento, que parece utópico — extrair óleo e gás sem emitir carbono — é possível através de uma revolução tecnológica no setor.”

Pedalada climática

Na contramão de todos esses alertas da ciência, o governo brasileiro apresentou nesta quinta-feira (7 de abril) a nova versão da sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) — o conjunto de ações que o país se compromete a realizar, de forma voluntária, em contribuição ao esforço internacional de enfrentamento da mudanças climáticas globais, norteado pelo Acordo de Paris, da Organização das Nações Unidas (ONU).

Fonte: Observatório do Clima / Reprodução

A nova NDC traz uma atualização dos compromissos assumidos pelo Brasil em 2015, na gestão da presidente Dilma Rousseff, que previam uma redução de 37% das emissões nacionais de GEEs até 2025 e de 43%, possivelmente, até 2030, em relação ao que o País emitia em 2005. Em 2020, já na gestão do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil enviou à ONU uma atualização dessa NDC, que basicamente mantinha as mesmas metas de redução, porém utilizando uma nova base de cálculo (a Terceira Comunicação Nacional, de 2016), que revisava para cima as emissões do País em 2005 e, consequentemente, reduzia o tamanho das reduções que precisavam ser feitas proporcionalmente até 2025 e 2030. Uma manobra contábil de carbono que ficou conhecida na comunidade científica e ambiental como “pedalada climática”.

A nova NDC, apresentada agora, eleva a meta de corte de emissões de 43% para 50% até 2030, mas segue permitindo que o País emita mais carbono até esta data do que estava previsto na NDC original, de 2015, segundo uma análise divulgada pelo Observatório do Clima. Em suma: o novo compromisso reduz o tamanho da pedalada, mas continua pedalando. “É como ter uma dívida no cartão de crédito e pagar só uma parte da fatura. Continua sendo um retrocesso, num momento em que as Nações Unidas fazem um chamado para os países aumentarem suas ambições. O Brasil não responde ao chamado e ainda continua retrocedendo”, afirma Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, em nota da organização.

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