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Cientistas e povos da floresta juntos pela Amazôna

Agência FAPESP – Elton Alisson, de Belém.
Publicado em 12 de julho

A descoberta nas últimas décadas de milhares de sítios arqueológicos na Amazônia tem contribuído para mudar a perspectiva sobre o passado da maior floresta tropical do mundo. Esses locais, onde ficaram preservados os testemunhos e evidências de atividades de populações tradicionais, contudo, estão sob o risco de serem destruídos pelo avanço do desmatamento, do garimpo e das mudanças climáticas, entre outros fatores.

Por meio de tecnologias emergentes, como a de sensoriamento remoto aerotransportado “Lidar” (acrônimo em inglês para light detection and ranging), pesquisadores brasileiros, em parceria com povos da floresta, estão mapeando esses sítios arqueológicos em áreas ameaçadas da Amazônia, a fim de lhes conferir maior proteção.

Resultados preliminares do projeto, intitulado “Amazônia revelada”, foram apresentados em uma mesa-redonda realizada na terça-feira (09/07), durante a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O evento vai até amanhã (13/07) no campus Guamá da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém.

“A ideia é fazer sobrevoos usando essa tecnologia para identificar esses sítios arqueológicos e registrá-los em órgãos como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional [Iphan] para que recebam uma camada adicional de proteção. No mínimo terá de ser feito algum tipo de licenciamento antes da realização de qualquer projeto [nas áreas onde estão localizados esses sítios]”, explicou Eduardo Neves, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP).

Para realizar o mapeamento, os pesquisadores participantes do projeto, financiado pela National Geographic Society e apoiado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre outras instituições, inicialmente conversam com representantes das populações que vivem nos locais onde há evidências da existência de sítios arqueológicos para saber se há interesse ou não de que sejam mapeados.

“Não queremos pegar um avião e sair voando por aí porque seria, mais uma vez, uma forma de reproduzir práticas colonialistas científicas”, avaliou Neves.

Algumas das populações já consultadas e que deram aval para sobrevoos foram uma comunidade quilombola em Costa Marques e o povo indígena Amondawa da Aldeia Trincheira, em Rondônia. “Essa é uma região de muito conflito e que temos evidências de destruição de sítios arqueológicos decorrentes de ocupações recentes”, afirmou Neves.

Os pesquisadores pretendiam sobrevoar a região do Alto Xingu, mas cancelaram o plano após conversas com representantes do povo indígena Kuikuro. “Eles não queriam que sobrevoássemos por enquanto a terra deles porque a nossa ideia é tornar públicas as informações e não querem que outras pessoas saibam da existência daqueles locais que são importantes para eles”, contou Neves.

Com a mudança de planos, o novo local escolhido foi a ilha de Marajó, no Pará, onde há evidências de criação de estruturas artificiais. “Ao olharmos para escavações arqueológicas feitas na região, observamos uma série de cores diferentes que são camadas construtivas de aterros feitas por populações que ocuparam Marajó no primeiro milênio da era comum, a partir de mais ou menos 400 anos depois de Cristo, até o segundo milênio. Esses aterros foram construídos, ocupados e serviam como locais de cemitério”, contou o pesquisador.

Outra região que será sobrevoada é a Terra do Meio, no Pará, atravessada pelo rio Xingu e afluentes e formada por reservas, unidades de conservação e as terras indígenas Cachoeira Seca, Xipaya e Kuruya. Alvo de de garimpeiros ilegais, a região também sofre com desmatamentos e roubo de madeira.

“Nos juntamos ao ISA [Instituto Socioambiental], que tem feito um trabalho muito antigo naquela região, para realizar mapeamentos participativos comunitários. Os locais de sobrevoo foram decididos a partir de oficinas realizadas com os moradores da região”, relatou Neves.


Neves apresentou a pesquisa no dia 13 de julho, durante a Reunião Anual da SBPC (foto: Elton Alisson/Agência FAPESP)

Primeiros resultados

Em razão do grande número de queimadas na Amazônia no ano passado, não foi possível realizar a maior parte dos sobrevoos programados. Este ano, o trabalho foi iniciado mais cedo e já começou a produzir os primeiros resultados.

Por meio de sobrevoos feitos em uma região situada entre o Acre, o sul da Amazônia e Rondônia, foi possível identificar um sítio arqueológico composto por estruturas geométricas triangulares e circulares associadas a estradas.

“Estamos conseguindo demonstrar que essas estruturas geométricas vão muito mais ao norte do que se pensava. Elas atravessam o rio Purus, no sul do Amazonas, e talvez cheguem até o Solimões. Mas não sabemos ainda”, ponderou Neves.

Já na Serra da Muralha, em Rondônia, foi possível identificar outro sítio arqueológico, composto por uma muralha de pedra e estruturas de alvenaria associadas a uma estrada. Na região está localizado um dos maiores parques nacionais da Amazônia, o Mapinguaria, cuja extremidade oeste foi invadida por um garimpo em 2019.

“Queremos começar a fazer o registro desses sítios arqueológicos para patrimonializar esses locais e criar um caminho para proteger essas áreas ameçadas”, afirmou Neves.

De acordo com o pesquisador, atualmente há mais de 6 mil sítios arqueológicos cadastrados em toda a bacia amazônica. Na opinião dele, contudo, esse número está subestimado.

“Em qualquer lugar que a gente vá, no interior da Amazônia, nunca deixamos de achar um sítio arqueológico. A questão é saber o que fazer com eles.”

Na avaliação do pesquisador, é preciso pensar a Amazônia não somente como um patrimônio natural, mas também biocultural, como um produto da história das populações tradicionais que incluem não somente os povos indígenas, mas também populações quilombolas, ribeirinhas e beiradeiros, que vêm ocupando a região há pelo menos 13 mil anos.

“Essa ideia de pensar a Amazônia como um lugar histórico, não só como patrimônio natural, mas como patrimônio biocultural, serviu de base para as pesquisas arqueológicas e tem orientado nossas atividades na região nos últimos 30 anos”, disse o arqueólogo.

Resultados de estudos anteriores conduzidos por Neves com apoio da FAPESP podem ser encontrados em: agencia.fapesp.br/51197, agencia.fapesp.br/40304 e agencia.fapesp.br/39387.

Mais informações sobre a 76ª Reunião Anual da SBPC estão disponíveis em: https://ra.sbpcnet.org.br/76RA/.

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Lacunas de pesquisas ecológicas no território da Amazônia brasileira

Karina Ninni | Agência FAPESP – Existem áreas pouco investigadas cientificamente na Amazônia brasileira, por diversos motivos. Um artigo publicado na revista Current Biology por cientistas do mundo todo reunidos no Consórcio Synergize revela não só as áreas, mas também os fatores que determinam esses gaps de investigação ecológica, abrindo possibilidades para orientar pontualmente o planejamento de novos investimentos em pesquisa na região.

Entre 15% e 18% das áreas com biodiversidade mais negligenciadas na Amazônia brasileira também mostram alta suscetibilidade às mudanças climáticas até 2050

Entre 15% e 18% das áreas com biodiversidade mais negligenciadas na Amazônia brasileira também mostram alta suscetibilidade às mudanças climáticas até 2050

O trabalho utilizou informações de 7.694 locais onde ocorreram investigações ecológicas para avaliar como a logística e a influência antrópica nas florestas explicaram a chance de diferentes regiões da Amazônia receberem pesquisas. O período analisado foi de 2010 a 2020, abrangendo estudos de nove grupos de organismos: invertebrados bentônicos (que habitam o fundo dos oceanos, estuários, rios e lagos ou vivem associados a substratos como sedimentos, rochas, troncos e plantas aquáticas), heterópteros, odonatas (grupo popularmente conhecido como “zigue-zague” ou “lavadeira” e que também inclui as libélulas), peixes, macrófitas, aves, vegetação lenhosa, formigas e besouros rola-bosta.

“O consórcio reuniu pessoas que contribuíram com bancos de dados sobre inventários padronizados e estudos que apresentassem esforços amostrais similares. Capturamos informação sobre três grandes grupos representativos da biodiversidade da Amazônia: animais vertebrados, invertebrados e a flora de florestas de terra firme, florestas alagáveis e de ambientes aquáticos (igarapés, rios e lagos). Este é o primeiro trabalho que o grupo publica”, explica o biólogo Mario Ribeiro de Moura, do Instituto de Biologia da Universidade de Campinas (Unicamp), um dos autores do artigo e integrante do consórcio.

As descobertas indicam que 15% a 18% das áreas com biodiversidade mais negligenciadas na Amazônia brasileira também mostram alta suscetibilidade às mudanças climáticas até 2050. A região em que há menor volume de pesquisas coincide com parte das áreas ameaçadas nas proximidades do arco do desflorestamento, região que contorna os limites sul, sudeste e leste da Amazônia e se concentra em parte dos Estados do Acre, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Tocantins.

Os dados revelam ainda que as maiores lacunas na pesquisa ecológica na Amazônia aparecem em ambientes de terra firme. “Isso é esperado e provavelmente reflete o papel que a rede de vias navegáveis da região tem em facilitar o acesso a florestas alagáveis (várzeas e igapós) e ambientes aquáticos.” Não por acaso, os cenários menos pessimistas aparecem ao longo dos rios, no nordeste do Pará e de Roraima, no sudeste do Acre e no norte de Rondônia. “Nesses locais teremos impactos menores das mudanças climáticas para o futuro, e o conhecimento que temos sobre as comunidades de espécies deles é melhor.”

O estudo foi apoiado pela FAPESP por meio de duas Bolsas de Pós-Doutorado no Brasil. Uma das Bolsas foi concedida a Raquel de Carvalho e outra a Angélica Faria de Resende. Moura foi apoiado no âmbito de um Auxílio Jovens Pesquisadores e uma Bolsa no Brasil.

Fatores impactantes

Os cientistas mapearam as áreas mais negligenciadas em pesquisa ecológica na Amazônia e a esse mapa sobrepuseram as áreas que mais seriam afetadas pelas mudanças climáticas, segundo uma métrica que reflete sua intensidade. Para os dados sobre desmatamento e degradação, usaram um estudo recente publicado na Science sobre os drivers de desmatamento na Amazônia. O cruzamento de dados revela que a pesquisa ecológica na Amazônia ocorre com mais frequência em ambientes já desmatados do que naqueles em que se espera desmatamento nas próximas três décadas.

“Estamos em ritmo de mudanças ambientais aceleradas, incluindo mudanças climáticas e transformações das paisagens. Para entendermos como essas mudanças afetam a biodiversidade, é preciso saber o que havia em determinada região antes que essas mudanças aconteçam. E a Amazônia é um dos últimos resguardos de biodiversidade tropical significativamente preservada, sendo essencial para compreender o efeito isolado de mudanças climáticas e destruição de hábitats sobre a biodiversidade. O estudo mostra áreas com alto risco de sofrerem modificações ambientais nos próximos anos e que ainda são desconhecidas para nós. Sem o conhecimento ecológico adequado, não será possível saber o que está mudando ou o que está sendo perdido,” diz Moura.

No que diz respeito à logística, a acessibilidade e a distância de instalações de pesquisa são importantes preditores da probabilidade da realização de trabalhos científicos. “O acesso é uma faca de dois gumes e a região do arco do desflorestamento comprova. A facilidade de acesso permite que os pesquisadores alcancem mais áreas, por isso há uma parte desse imenso arco sobre a qual já se sabe bastante. Mas, permite que os desmatadores e outros com piores intenções também cheguem lá. E ainda há pouca informação sobre as áreas ameaçadas que se localizam na fronteira do arco do desflorestamento”, afirma Moura.

O acesso aumentou com a proximidade de transporte e de instalações de pesquisa para todos os organismos de terra firme e para a maioria dos representantes de florestas alagáveis e hábitats aquáticos. “A duração da estação seca determina a facilidade de acesso por hidrovias. Nas florestas alagáveis, quanto menor a estação seca, maior é a possibilidade de acesso fluvial, o que contribui para ocorrências de pesquisas. Já nas áreas de terra firme, a estação seca mais pronunciada facilita o acesso terrestre, há menos lama envolvida e ausência de trechos alagados.”

A degradação florestal e a posse da terra também mostraram um efeito modesto, mas de importância consistente, em todos os grupos de organismos estudados na região. Esses dois fatores afetaram a pesquisa ecológica, com a probabilidade de pesquisa diminuindo ligeiramente em áreas degradadas e Terras Indígenas, mas aumentando em Unidades de Conservação. Resumindo: faz-se menos pesquisa em áreas degradadas e mais pesquisa em Unidades de Conservação do que em Terras Indígenas.

“É mais difícil viabilizar o acesso a comunidades indígenas ou talvez faltem mecanismos administrativos que conectem pesquisadores com órgãos que regulam o acesso às Terras Indígenas e com as próprias comunidades indígenas. Precisamos melhorar a integração entre as partes envolvidas e, sobretudo, envolver as comunidades locais no processo de geração de conhecimento. Nas Unidades de Conservação a quantidade de pesquisa é bem maior que nas Terras Indígenas, embora ambas sejam um tipo de área protegida”, diz o pesquisador.

Na avaliação de Raquel de Carvalho, essa distribuição é problemática, considerando que as terras indígenas ocupam cerca de 23% da Amazônia brasileira. “Ao mesmo tempo, várias terras indígenas são ainda as áreas mais preservadas do bioma amazônico. Seria muito interessante ter pesquisas nessas áreas”, ela diz.

Novas estratégias

Segundo Moura, a floresta amazônica está sub-representada em bancos de dados globais usados como base para estudos sobre biodiversidade. “Alertamos para a necessidade de integrar as informações que temos sobre a Amazônia aos bancos de dados globais e citamos alguns projetos com os quais o Consórcio Synergize pode contribuir de forma mais intensiva. As informações reunidas para o trabalho atendem, em grande parte, aos requisitos de outros bancos de dados existentes, sendo úteis para melhorar a representatividade da biodiversidade amazônica em novos estudos sobre mudanças globais. A partir deste trabalho, o consórcio visa se estabelecer como uma rede de colaboração importante para outros grupos de pesquisa interessados em atuar com mudanças ambientais na Amazônia.” O Synergize é coordenado por Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental, e Filipe França, da Universidade de Bristol, com orientação de Jos Barlow, da Universidade de Lancaster, no Reino Unido.

Para o biólogo, os resultados do grupo deverão servir para orientar o estabelecimento de novas estratégias de financiamento dentro da Amazônia. “Sabendo onde estão as lacunas, os investimentos para conservação e a pesquisa da Amazônia podem mirar esses locais ou dar maior peso para as propostas que contemplem pesquisas nesses locais em futuras chamadas e editais. As políticas públicas podem levar esses resultados em consideração no planejamento de novas ações e programas de monitoramento e inventariamento da biodiversidade amazônica.”

O artigo Pervasive gaps in Amazonian ecological research pode ser acessado no endereço: https://doi.org/10.1016/j.cub.2023.06.077

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Equilíbrio delicado para a Amazônia Legal Brasileira

Em estudo publicado pelo Banco Mundial em 11 de maio de 2023, “Equilíbrio delicado para a Amazônia Legal Brasileira“, sob forma de um memorando, apresenta respostas ao desafio de geração de renda para as populações da região, conciliada à proteção das florestas naturais e os modos de vida tradicionais, por meio de quatro ações estratégicas:

  • Aumentar o bem-estar dos cidadãos, promovendo a produtividade por meio da transformação estrutural nas áreas rurais e urbanas;
  • Proteger a floresta por meio do fortalecimento da governança fundiária e florestal, incluindo a aplicação das leis existentes (comando e controle);
  • Promover meios de subsistência rurais sustentáveis, valorizando o capital natural associado à floresta em pé e protegendo os modos de vida tradicionais;
  • Estruturar o financiamento da conservação vinculado à redução mensurável do desmatamento e recorrer a recursos públicos e privados ou soluções baseadas no mercado.

O estudo completo está disponível no pode ser encontrado no website do Banco Mundial.

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Inteligência artificial para combater desmatamento na Amazônia

Luciana Constantino | Agência FAPESP

Um método desenvolvido por pesquisadores brasileiros com base em imagens de satélite e inteligência artificial mostra que a área prioritária das ações de combate ao desmatamento poderia ser 27,8% menor do que a dos 11 municípios atualmente monitorados pelo governo federal no Plano Amazônia 2021/2022. Esse monitoramento, porém, deixa de considerar novas fronteiras de derrubada da floresta, que extrapolam os limites desses municípios-alvo.

Pesquisa publicada em junho na Conservation Letters, uma revista da Society for Conservation Biology, aponta que as regiões com as maiores taxas de desmatamento na Amazônia, classificadas de “alta prioridade”, englobam 414.603 km2 neste ano, ante a área total incluída no plano que, somando todos os municípios, é de 574.724 km2. Ou seja, a área a ser monitorada seria 160 mil km2 menor, uma extensão similar à do Suriname.

Mas, enquanto os hotspots identificados pelos pesquisadores responderam por 66% da taxa média anual de devastação da floresta, os 11 municípios-alvo do plano representaram 37% da taxa de desmatamento nos últimos três anos (2019 a 2021).

No artigo, cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e de universidades americanas concluem que o método proposto, além de dar um foco mais definido para a fiscalização, revela novas fronteiras de derrubada da floresta, atualmente fora do plano de monitoramento por extrapolar os limites desses municípios-alvo.

“Com essa nova abordagem, concluímos que há um ganho de efetividade ao priorizar áreas com maiores índices de desmatamento, não limitando por municípios. Esse resultado é importante, visto que cada vez mais órgãos de fiscalização, como o Ibama e o ICMBio, têm sofrido com cortes de recursos, tanto de servidores como de orçamento. Alguns desses hotspots de devastação ficam dentro dos 11 municípios-alvo, mas outros estão nas bordas, abrindo novas fronteiras”, diz à Agência FAPESP o autor correspondente do artigo Guilherme Augusto Verola Mataveli, da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe.

O trabalho recebeu apoio da FAPESP por meio de quatro projetos: Influência do uso e cobertura da terra na emissão de material particulado fino por queimadas nos biomas Amazônia e Cerrado, Quantificando mortalidade de árvores com lasers, Uso de séries temporais densas Sentinel-2/MSI e algoritmos de aprendizado de máquinas para melhorar o monitoramento agrícola no bioma Cerrado e Variação interanual do balanço de gases de efeito estufa na Bacia Amazônica e seus controles em um mundo sob aquecimento e mudanças climáticas – Carbam: estudo de longo termo do balanço do carbono da Amazônia.

Procurado pela Agência FAPESP, o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), responsável pelo Plano Amazônia 2021/2022 informou por meio de sua assessoria, que “o objetivo [do plano] foi focar onde a ocorrência dos ilícitos ambientais tinha maior impacto nos resultados da gestão ambiental brasileira, sem descuidar da atuação nas demais áreas da Amazônia Legal”. De acordo com o CNAL, “os municípios escolhidos foram aqueles que constavam com maiores áreas desmatadas, assim como maior incidência de queimadas, podendo ser incluídos outros que venham a ser mapeados pelo Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia [Censipam]”.

O CNAL disse ainda que o Inpe foi uma das “instituições protagonistas no processo de indicação das prioridades estabelecidas”, mas que os cientistas que trabalharam na pesquisa poderiam “ter contribuído oportunamente de forma institucional”. “O CNAL trabalha sempre com a informação oficial gerida, trabalhada e analisada pelos órgãos oficiais do governo”, afirma o órgão.

Avanço no processamento de dados

No estudo, os cientistas destacam que o desmatamento nos 11 municípios-alvo do plano foi significativo nos últimos anos, motivando um monitoramento, mas isso não seria suficiente para priorizar somente esses locais. São eles: São Félix do Xingu, Altamira, Novo Progresso, Pacajá, Portel, Itaituba e Rurópolis, no Estado do Pará, Apuí e Lábrea, no Amazonas, Colniza, em Mato Grosso, e Porto Velho, em Rondônia.

Os pesquisadores citam que, mesmo com ações de fiscalização concentradas na região, houve aumento de 105% na taxa de devastação entre fevereiro e abril de 2021 se comparada à média nos anos anteriores (2017-2021). Pelos dados do Deter, programa oficial de alertas de desmatamento do Brasil, foram 524,89 km2 de novos pontos de devastação nessas áreas.

“Essa pesquisa valida a importância do Inpe, que há 60 anos forma pesquisadores de ponta e produz ciência e tecnologia, a partir de dados satelitários, para a sociedade e o desenvolvimento nacional. Os avanços no processamento de dados apresentados neste estudo com o uso de inteligência artificial para o planejamento do combate ao desmatamento são críticos para a mitigação de problemas ambientais nacionais e para a construção de um plano de desenvolvimento sustentável para o país”, afirma o chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe, Luiz Aragão, e um dos autores do artigo.

Àreas prioritárias

O grupo utilizou, entre outras fontes, dados do Prodes – o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite, do Inpe. Desde 1988, o Prodes produz as taxas anuais de desmatamento na região usadas pelo governo brasileiro para definir políticas públicas. Essas taxas são estimadas com base no corte raso identificado em cada imagem de satélite que cobre a Amazônia Legal.

Segundo o último relatório do Prodes, a área desmatada na Amazônia foi de 13.235 km² entre agosto de 2020 e julho de 2021, um aumento de 22% em relação ao período anterior (agosto de 2019 a julho de 2020) e a maior taxa desde 2006 (leia mais em terrabrasilis).

“A ideia do artigo surgiu em fevereiro de 2021, quando o Plano Amazônia 2021/2022 foi lançado. À época foi divulgado que o desmatamento nesses 11 municípios representava 70% do total registrado na Amazônia, mas o Prodes estava diferente. Com a evolução do modelo, percebemos que poderíamos apresentar uma ferramenta para ajudar no direcionamento da fiscalização”, completa Mataveli.

Para estabelecer as áreas prioritárias, os pesquisadores definiram primeiramente as chamadas células de grade distribuídas regularmente sobre a Amazônia – regiões de 25 km2 por 25 km2. Com base no algoritmo Random Forest, que constrói automaticamente conjuntos de regressões multivariadas para prever hotspots de desmatamento no ano seguinte, foi determinada uma classe de prioridade para cada uma destas células. Esse método identifica uma fração maior de áreas com risco de derrubada de árvores em relação à região total e a terras públicas.

Foram considerados cinco preditores: as taxas de desmatamento em anos anteriores; a distância para células da grade com alto desmatamento cumulativo em anos anteriores; a distância para infraestruturas (como rodovias e/ou hidrovias); a área total protegida na célula da grade e o número de focos de calor.

Depois houve a definição de três classes de prioridade, com base nas estimativas de desmatamento previsto – baixa (valores abaixo do percentil 70); média (entre os percentis 70 e 90) e alta (acima de 90). Os pesquisadores separaram, então, apenas as células das grades com percentis acima de 90 (alta) para mapear as áreas prioritárias de 2022, chegando aos 414.603 km2.

O método também permite a definição das regiões prioritárias anualmente usando as taxas de corte raso do período anterior, não dependendo das fronteiras geopolíticas. De acordo com os pesquisadores, entre os exemplos que estão fora do Plano Amazônia 2021/2022, mas apareceram como prioridade “alta”, estão Roraima e Acre.

“Priorizar esses 11 municípios será insuficiente para que o Brasil consiga cumprir compromissos internacionais, como o de zerar o desmatamento ilegal até 2028 assumido na COP-26 [Conferência do Clima das Nações Unidas]. Além disso, o Plano Amazônia 2021/2022 traz uma meta de combate ao desmatamento de 8.719 km2 por ano. Mas um decreto de 2018 já estabelecia um limite de 3.925 km2/ano após 2020. Ou seja, menos ambiciosa”, completa Mataveli.

O pesquisador se refere ao decreto 9.578, de 2018, que trata da Política Nacional da Mudança do Clima e estabelece uma redução de 80% dos índices anuais de desmatamento na Amazônia Legal em relação à média entre 1996 e 2005. Essa meta está entre as ações a serem adotadas pelo Brasil para conter emissões de gases de efeito estufa.

Na COP-26, além do compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2028, o Brasil se comprometeu a reduzir até 2030 as emissões de gases de efeito estufa em 50% em relação aos níveis de 2005 e a atingir a neutralidade climática até 2050. No entanto, o crescimento das taxas de devastação da Amazônia contrasta com esses objetivos – cerca de 11% das emissões de gases estufa são causadas pela má gestão das florestas e do uso da terra, incluindo o desmatamento e incêndios.

Quando o Plano Amazônia 2021/2022 foi lançado, especialistas criticaram as metas estabelecidas, classificando-as de insuficientes. Isso porque o governo estabeleceu como objetivo reduzir o desmatamento com base na média registrada no período 2016-2020, que já era cerca de 35% maior do que a dos dez anos anteriores.

Ações complementares

A pesquisa sugere que, além de métodos mais diretos para definir alvos de políticas públicas, é necessário uma série de ações complementares para combater a devastação. Aponta entre elas a educação e conscientização ambiental; a identificação e responsabilização dos atores que infringem as leis de proteção ambiental e lucram com o desmatamento ilegal; o incentivo a projetos que invistam em ações voltadas à economia verde e para manter a floresta em pé, além da regularização de terras públicas e indígenas.

“O código que usamos para gerar o modelo e as áreas prioritárias é aberto. Estamos conversando com a plataforma Terra Brasilis para tentar incluir essas áreas nas informações disponíveis para quem quiser acessar. Assim, se algum governo, incluindo estaduais ou municipais, tiver interesse, é possível aplicá-lo na prática”, conclui Mataveli.

O artigo Science-based planning can support law enforcement actions to curb deforestation in the Brazilian Amazon, dos pesquisadores Guilherme Mataveli, Gabriel de Oliveira, Michel Chaves, Ricardo Dalagnol, Fabien H. Wagner, Alber H.S. Ipia, Celso H.L. Silva-Júnior e Luiz Aragão, pode ser lido em no site conbio.

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Amazônia terá sistema abrangente de análise de emissões de GEE

Publicado pela redação do Jornal da USP em 14/03/2022
Arte de Ana Júlia Maciel

O Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), sediado na USP com financiamento da empresa Shell e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), está desenvolvendo um banco de dados sobre as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) na região amazônica. A plataforma está sendo construída com técnicas avançadas de big data para gerar dados que possam ser usados para monitorar as emissões dos gases; compreender melhor suas causas; e nortear a criação e a fiscalização de políticas públicas voltadas à mitigação de emissões. Ela permitirá acompanhar os compromissos internacionais do Brasil na redução do desmatamento e na emissão de gases de efeito estufa pelo ecossistema Amazônia.

A plataforma contará com o apoio de diversas Organizações Não Governamentais (ONGs), como o Instituto de Pesquisas Amazônicas (Ipam), o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e o MapBiomas, que trazem diversos dados geolocalizados sobre as emissões de GEEs e o desmatamento na Amazônia, além de possibilitar retroalimentar outros bancos de dados. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia (Inpa), o Programa LBA (Experimento de Larga Escala da Biosfera e Atmosfera da Amazônia), a torre ATTO (Amazon Tall Tower Observatory), a Escola Politécnica (Poli) da USP e o Instituto de Física (IF) da USP são os coordenadores do projeto.

Dados abrangentes

Neste esforço conjunto, será possível analisar dados de superfície e de satélites sobre as emissões e absorções, incorporando informações ao longo dos últimos 25 anos, com forte parceria com o sistema MapBiomas. “Conseguiremos também analisar o estado atual das emissões quase em tempo real e fazer projeções, usando Inteligência Artificial e técnicas avançadas de aprendizado de máquina”, destaca o cientista Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e um dos pesquisadores principais no RCGI. O objetivo, segundo ele, é obter uma visão abrangente dos complexos e amplos aspectos que impactam o ecossistema amazônico e seu balanço de emissões de gases de efeito estufa.

Paulo Artaxo – Foto: Wikimedia

Trata-se da primeira plataforma a trazer, de forma unificada, a maior parte dos parâmetros que controlam o processo de absorção e emissão de dióxido de carbono e metano para a atmosfera. “Essa iniciativa será crucial para o Brasil adotar políticas públicas lastreadas pela ciência, com dados abrangentes e confiáveis, que possibilitem cumprir as metas de redução de emissões de GEEs. Irá complementar esforços importantes do Inpe, Imazon, Ipam, LBA, SEEG, MapBiomas e outras entidades”, afirma Artaxo.

O Brasil é o sexto país que mais emite GEEs no mundo, sendo o desmatamento da Amazônia nossa principal fonte de emissões. No Acordo de Paris, em 2015, e na COP-26, em 2021, o governo brasileiro assumiu diversos compromissos para redução de emissões de GEEs. Até 2030, terá que diminuir as emissões de carbono em 50%, e em 30% as emissões de metano, além de zerar emissões de CO2 até 2050. “Os maiores esforços neste sentido deverão ser concentrados na Amazônia, de onde se originam 47% das emissões dos GEEs no País – a maior parte causada pelo desmatamento. Daí a importância de termos uma plataforma com informações consolidadas sobre as emissões de GEEs”, afirma o pesquisador.

Queda de árvores – Foto: George Campos/ USP

Desafios do projeto

O banco de dados será gigante. Conterá dados de satélites, dados de medidas em torres, medidas do sistema Lidar (Inpe) e dados meteorológicos, cobrindo toda a região amazônica em seus nove países, não só do Brasil. “As técnicas de big data, como Inteligência Artificial e aprendizado de máquina, serão usadas para processar e analisar esta gigantesca massa de dados, desvendando os complexos relacionamentos não lineares entre os múltiplos parâmetros”, explica o coordenador da parte computacional do projeto, José Reinaldo Silva, professor da Poli. “O sistema amazônico é tão complexo e amplo que, para seu entendimento mais completo, é necessário o desenvolvimento de ferramentas computacionais avançadas, que permitam uma compreensão do comportamento não linear da interação da floresta com o sistema climático”, acrescenta.

José Reinaldo Silva – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Segundo Artaxo, a primeira fase, que já está em andamento, é a de coleta de dados de sensoriamento remoto, de superfície e de modelagens já feitas. Essa etapa está sendo realizada em parceria com o MapBiomas, Ipam, Inpe, LBA, Imazon, torre ATTO, LBA e outros parceiros. “Depois disso, vamos começar a integrar e ligar diversos bancos de dados e desenvolver as ferramentas de Inteligência Artificial que permitam extrair informações qualificadas do sistema como um todo.”

Um dos desafios da pesquisa será esclarecer a disparidade dos dados atualmente divulgados sobre as emissões na Amazônia. Isso ocorre em função das diferentes periodicidades e particularidades tecnológicas dos satélites que cobrem a região, gerando muitas vezes números discordantes. “O que nós vamos fazer é selecionar e analisar cuidadosamente os dados de cada satélite e selecionar aqueles mais assertivos, para validar esses dados para a Amazônia com medidas em superfície”, afirma Artaxo.

“Algumas análises importantes serão possíveis com esses sistemas, tais como o papel da degradação florestal nas emissões, o impacto do El Niño e da La Niña na emissão de gases de efeito estufa, o cálculo das emissões de metano em áreas alagadas, entre outras análises. Sem essa integração ampla de dados, é impossível termos uma visão da Bacia como um todo para esses cálculos.”

Relatórios periódicos

Os pesquisadores também irão gerar relatórios periódicos sobre os dados coletados e as análises feitas. Artaxo já adianta dois aspectos que terão destaque nessas análises: o papel da expansão agropecuária e o impacto das mudanças climáticas nas alterações dos processos fotossintéticos da floresta. “Observamos que o aquecimento global e a mudança na precipitação na Amazônia estão afetando os processos que regulam a absorção e a emissão de gases de efeito estufa, fazendo com que a floresta possa estar começando a perder carbono para a atmosfera. Isso é preocupante porque a floresta contém cerca de 120 bilhões de toneladas de carbono no ecossistema, o que corresponde a 10 anos da queima de todos os combustíveis fósseis do mundo”, destaca.

A plataforma está sendo desenvolvida dentro da USP, em São Paulo, no âmbito do projeto Emissão de gases de efeito estufa na Amazônia e sistema de análise de dados e serviços do RCGI, que já conta com uma equipe de nove pós-doutorandos, e muitos estudantes de mestrado e doutorado. Os pesquisadores usarão computadores da USP e os sistemas Amazon Web Services (AWS) e Google Earth Engine (GEE). O projeto está inserido dentro do GHG (Greenhouse Gases) – um dos cinco programas do RCGI cujas pesquisas são voltadas para a geração de conhecimento e inovação que ajudem o País a cumprir suas metas para a mitigação dos GEEs.

Mais informações: e-mail comunicacao@academica.jor.br, na assessoria de comunicação do RCGI

Sobre o RCGI – O Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI) é um Centro de Pesquisa em Engenharia, criado em 2015, com financiamento da Fapesp e da Shell. As pesquisas do RCGI são focadas em inovações que possibilitem ao Brasil atingir os compromissos assumidos no Acordo de Paris, no âmbito das NDCs – Nationally Determined Contributions. Os projetos de pesquisa – 19, no total – estão ancorados em cinco programas: NBS (Nature Based Solutions); CCU (Carbon Capture and Utilization); BECCS (Bioenergy with Carbon Capture and Storage); GHG (Greenhouse Gases) e Advocacy. Atualmente, o centro conta com cerca de 400 pesquisadores. Saiba mais aqui.