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  • Perda de florestas tropicais permaneceu em alta no mundo e no Brasil em 2021

    Perda de florestas tropicais permaneceu em alta no mundo e no Brasil em 2021


    por Mikaela Weisse e Liz Goldman– 28.04.2022.
    Este artigo foi publicado originalmente em língua inglesa no Global Forest Review. Tradução e publicação em português no WRI Brasil


    Por que nos concentramos nos trópicos?

    Embora os dados de perda de cobertura arbórea da Universidade de Maryland tenham cobertura global, o Global Forest Watch se concentra principalmente na perda nos trópicos, porque é onde ocorre mais de 96% do desmatamento, ou remoção permanente da cobertura florestal causada pelo homem. A perda arbórea em florestas boreais e temperadas é causada principalmente por silvicultura e incêndios florestais, que geralmente são distúrbios temporários nas florestas seguidos de rebrota. Saiba mais aqui.

    Os trópicos perderam 11,1 milhões de hectares de cobertura arbórea em 2021, de acordo com dados da Universidade de Maryland divulgados nesta quinta-feira (28) no Global Forest Watch.


    Explore os dados do GFW

    São particularmente preocupantes os 3,75 milhões de hectares de perda que ocorreram nas florestas tropicais primárias – áreas de importância crítica para o armazenamento de carbono e a biodiversidade – equivalente a uma taxa de 10 campos de futebol por minuto. A perda de florestas primárias tropicais em 2021 resultou na emissão de 2,5 Gt de dióxido de carbono, o equivalente à emissão anual de combustíveis fósseis da Índia.

    <p>Gráfico de perda de florestas no mundo</p>

    A taxa de perda de floresta primária nos trópicos tem se mantido persistentemente alta ao longo dos últimos anos. Apesar dos trópicos terem perdido 11% menos floresta primária em 2021 do que em 2020, isso ocorre após um aumento de 12% de 2019 para 2020, principalmente puxado pela perda relacionada a incêndios.O que é a perda de cobertura arbórea devido a incêndios?

    Graças a uma nova pesquisa da Universidade de Maryland, agora temos dados espaciais detalhados sobre onde os incêndios causaram a perda de cobertura arbórea. As queimadas geralmente têm implicações importantes para as emissões de carbono, ecossistemas e saúde humana. No entanto, as temporadas de incêndios flutuam conforme padrões climáticos, tornando mais difícil avaliar as tendências de perda de floresta ao longo do tempo. Separar a perda devido a incêndio da perda devido a outras causas (por exemplo, expansão agrícola ou extração de madeira) oferece mais nuances para entender a dinâmica da perda florestal ao longo do tempo. Leia mais sobre os novos dados aqui.

    E não são apenas as florestas tropicais que preocupam. As florestas boreais – principalmente as da Rússia – sofreram uma perda de cobertura arbórea sem precedentes em 2021, em grande parte impulsionada por incêndios.

    Essas tendências ressaltam quanta ação será necessária para atingir as metas globais de desmatamento zero. Na Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra, 141 países se comprometeram a coletivamente “interromper e reverter a perda florestal até 2030”. Alcançar esse compromisso exigirá um declínio consistente na perda de florestas pelo resto da década – um declínio que ainda não está acontecendo nos trópicos como um todo. As exceções ocorrem apenas em alguns países, principalmente Indonésia e Malásia, onde a perda de florestas primárias diminuiu significativamente nos últimos anos, e países como Gabão e Guiana, que perderam 1% ou menos de suas florestas primárias nas últimas duas décadas.

    <p>Os 10 países que mais perderam florestas em 2021</p>

    A seguir, um olhar aprofundado sobre algumas tendências da perda de florestas em 2021:

    Novas fronteiras de desmatamento surgem na Amazônia brasileira

    Como o país com a maior floresta tropical primária, o Brasil lidera consistentemente a lista de maior perda de floresta primária no mundo. Mais de 40% da perda de floresta primária tropical em 2021 ocorreu no Brasil, um total de 1,5 milhão de hectares.

    <p>Perda de florestas no Brasil</p>

    A taxa de perda de florestas primárias no Brasil tem se mantido persistentemente alta nos últimos anos. A perda relacionada a incêndios flutuou dependendo do nível de queimadas fora de controle, mais recentemente com um pico em 2020 na Amazônia e no Pantanal. Enquanto isso, as perdas não relacionadas a incêndios, que no Brasil são mais frequentemente associadas à expansão agrícola, aumentaram 9% de 2020 a 2021. Esses dados são consistentes com os do PRODES (leia mais sobre diferenças e semelhanças dos dados da Universidade de Maryland e do PRODES aqui), sistema de monitoramento oficial do Brasil que mostrou que 2021 teve a maior taxa de desmatamento raso na Amazônia desde 2006, quando medidas foram implementadas para reduzir drasticamente o desmatamento.

    A parte oeste da Amazônia brasileira enfrentou uma intensificação da perda de florestas primárias, com alguns estados experimentando aumentos superiores a 25% entre 2020 e 2021. Esta parte da Amazônia tem vários hotsposts de perda de floresta primária, o que significa lugares que tiveram um aumento estatisticamente significativo de novas perdas em 2021. Muitos desses hotsposts são de grandes clareiras – provavelmente para pastagens de gado – ao longo de estradas. Algumas dessas estradas, como a BR-319 que percorre o Amazonas de norte a sul, estão recebendo ou têm previsão de receber pavimentação e melhorias, o que já resultou em um aumento no desmatamento.

    <p>Hotspots de perda florestal no Brasil</p>

    A perda de floresta primária no Brasil é especialmente preocupante, dada a nova evidência de que a floresta amazônica está perdendo resiliência e pode estar mais perto de um ponto de não retorno do que se pensava anteriormente. Desmatamentos somados aos efeitos das mudanças climáticas e dos incêndios podem fazer com que a floresta não seja mais capaz de se manter e grandes áreas passem por uma transição, tornando-se um ecossistema mais próximo das savanas. Isso resultaria não apenas em grandes quantidades de perda de biodiversidade e emissões de carbono, mas também interromperia os padrões de chuva fundamentais para a produção agrícola.

    Indonésia reduziu a perda de floresta primária pelo quinto ano consecutivo

    A taxa de perda de florestas primárias na Indonésia continuou a diminuir em 2021 pelo quinto ano consecutivo, caindo 25% em relação a 2020. Mais um ano de declínio é motivo de comemoração e indica que a Indonésia está caminhando na direção certa para cumprir alguns de seus compromissos climáticos. No ano passado, a Indonésia atualizou seu compromisso no âmbito do Acordo de Paris (NDC), comprometendo-se a reduzir as emissões do setor florestal e de uso da terra até que se torne um sumidouro líquido de carbono até 2030.

    <p>Perda de florestas na Indonésia</p>

    A continuidade da tendência de queda também indica que os compromissos corporativos e as ações governamentais estão dando certo. Novas pesquisas mostram que o desmatamento ligado ao óleo de palma está no menor nível em 20 anos. Os compromissos dentro do No Deforestation, No Peat and No Exploitation (sem desmatamento, sem turfas e sem exploração, NDPE) agora cobrem 83% da capacidade de refino de óleo de palma na Indonésia e na Malásia, e mais de 80% da indústria de papel e celulose na Indonésia. Além disso, a Roundtable on Sustainable Palm Oil (Mesa Redonda para Óleo de Palma Sustentável) reforçou as exigências para certificação sustentável em 2018, incluindo a proibição do desmatamento ou remoção de turfas.

    O declínio também reflete os esforços do governo indonésio para reduzir a perda de florestas. O Ministério do Meio Ambiente e Florestas aumentou as ações de monitoramento e prevenção do fogo após os incêndios florestais e de turfa que ocorreram de maneira generalizada em 2015. O governo também emitiu uma moratória permanente sobre a conversão de florestas primárias e turfeiras e ampliou o mandato da Agência de Restauração de Turfas para incluir proteção e restauração de manguezais e turfeiras. Os manguezais são ecossistemas importantes para a biodiversidade e para a regulação dos impactos do clima extremo.

    Embora a Indonésia tenha motivos para comemorar o quinto ano consecutivo de declínio na perda florestal, precisará reforçar as medidas de proteção para sustentar essa tendência positiva. Os preços do óleo de palma, que tendem a se correlacionar com o desmatamento, começaram a subir em 2020 e agora estão no maior nível dos últimos 40 anos. O congelamento temporário de licenças para novas plantações voltadas para produção de óleo de palma não foi renovado no ano passado, abrindo as portas para o aumento das plantações em resposta à alta dos preços.

    Além disso, o governo indonésio revogou recentemente centenas de licenças para operações madeireiras, plantações e atividades de mineração em áreas florestais. Se essas áreas forem redistribuídas às comunidades locais e indígenas para o manejo florestal comunitário, as revogações poderão ser um marco importante no caminho para um reconhecimento mais forte dos direitos e da proteção florestal. No entanto, também existe a possibilidade de que essas áreas sejam realocadas para empresas e desmatadas rapidamente, levando a mais perdas florestais.

    Por fim, existe o risco de que os esforços da Indonésia para impulsionar a recuperação econômica da pandemia de Covid-19 ainda possam afetar suas florestas.

    Bolívia experimentou uma perda recorde de florestas primárias devido a incêndios e agricultura em larga escala

    Em 2021, a perda de floresta primária na Bolívia atingiu seu nível mais alto já registrado, com 291 mil hectares, superando a Indonésia mais uma vez e tendo a terceira maior perda de floresta primária entre os países tropicais.

    <p>Perda de florestas na Bolívia</p>

    Os últimos três anos foram de taxas consistentemente altas de perdas florestais na Bolívia, com os incêndios representando mais de um terço da perda a cada ano. Assim como nos dois anos anteriores, em 2021 houve queima significativa de florestas primárias dentro de áreas protegidas. Incêndios na Bolívia são quase sempre provocados por humanos como parte dos esforços para limpar a terra, mas se espalham fora de controle devido ao clima seco e quente exacerbado pelas mudanças climáticas. A maioria das queimadas em 2021 ocorreu no departamento de Santa Cruz, embora o governo esteja trabalhando para restaurar as áreas afetadas.

    Santa Cruz também é o epicentro da agricultura em grande escala do país, que inclui soja e pecuária, e responde por grande parte da perda de florestas primárias não causadas por incêndios em 2021. Embora a Bolívia tenha muito menos produção de soja do que os países vizinhos, a maior parte de sua expansão de soja ocorreu às custas das florestas.

    Agricultura, demanda de energia e extração madeireira levaram à perda de florestas primárias nas florestas da Bacia do Congo

    Como nos anos anteriores, as altas taxas de perda de florestas primárias continuaram na República Democrática do Congo (RDC). A RDC perdeu quase meio milhão de hectares de floresta primária em 2021 devido à expansão da agricultura de pequena escala e à derrubada de árvores para atender à demanda de energia.

    As grandes extensões florestais da RDC são um sumidouro de carbono globalmente importante, com vastas extensões de turfeiras ricas em carbono. Grandes mudanças são necessárias para conter essa taxa alta e persistente de perda, incluindo caminhos de desenvolvimento que não envolvam expansão agrícola em florestas primárias e acesso a energia limpa acessível em comunidades rurais e urbanas para reduzir a dependência de carvão e outras formas de energia provenientes da madeira.<p>Perdas florestais na República Democrática do Congo</p>“></p>



<p><strong>Observação:</strong> parte do aumento na perda após 2013 pode estar relacionada a inconsistências nos dados de perda de cobertura arbórea, que podem ter aumentado a capacidade de detectar aberturas de pequena escala nos últimos anos devido a dados de satélite aprimorados. Saiba mais <a href=aqui.

    Apesar das taxas altas e persistentes de perda florestal na Bacia do Congo, sinais de esperança também podem ser encontrados. Tanto o Gabão quanto a República do Congo experimentaram dois anos de declínio na perda de florestas primárias. Ambos são reconhecidos como países de muitas florestas e baixo desmatamento, com perspectivas promissoras no horizonte para suas florestas: o Gabão tornou-se o primeiro país africano a receber pagamento pela redução das emissões de carbono e desmatamento, e a República do Congo recentemente aprovou uma lei permitindo que povos indígenas e comunidades locais detenham e administrem legalmente – e assim protejam – suas florestas de atividades comerciais indesejadas.

    Mudanças climáticas causaram estragos nas florestas do norte

    Fora dos trópicos, as florestas boreais experimentaram as maiores taxas de perda de cobertura arbórea em 2021. Embora a perda de cobertura arbórea nas florestas boreais raramente resulte em desmatamento permanente, a taxa de perda atingiu níveis sem precedentes em 2021, aumentando 29% em relação a 2020. Essas florestas perenes de alta latitude estão cada vez mais ameaçadas pelas mudanças climáticas, com condições mais quentes e secas levando ao aumento de incêndios e danos causados por insetos.

    <p>Perda florestal por bioma</p>

    Uma temporada de incêndios sem precedentes na Rússia impulsionou grande parte desse aumento. A Rússia passou pela pior temporada de incêndios desde o início dos registros em 2001, com mais de 6,5 milhões de hectares de perda de cobertura arbórea em 2021. Embora os incêndios sejam uma parte natural dos ecossistemas florestais boreais, incêndios maiores e mais intensos são preocupantes. O clima mais quente e seco relacionado às mudanças climáticas levou a condições propensas ao fogo, turfeiras mais secas e gelo permanente do subsolo derretido. A vasta área de turfeiras da Sibéria – a maior do mundo – armazena grandes quantidades de carbono, que é liberado na atmosfera quando a turfa seca. O derretimento do gelo permanente do subsolo também libera carbono e metano armazenados. Essas condições podem representar um novo normal, impactando as pessoas que vivem na Sibéria e criando um ciclo de feedback no qual o aumento dos incêndios e das emissões de carbono se reforçam e levam ao agravamento das condições.

    <p>Perda florestal na rússia</p>

    O que é necessário para cumprir os compromissos de proteção das florestas?

    Embora a perda florestal precise diminuir muito mais rápido para atingir as metas de desmatamento zero em 2030, há motivos para esperança. A rápida diminuição da perda de florestas primárias na Indonésia deve ser celebrada como uma grande conquista que não parecia provável apenas cinco anos atrás.

    Alcançar reduções semelhantes no mundo todo não será fácil. A Indonésia e a Malásia precisarão manter o ímpeto na proteção das florestas em meio à disparada dos preços do óleo de palma; o Brasil e outros países da Amazônia precisarão conter novas áreas prioritárias de desmatamento; os países da Bacia do Congo precisarão garantir caminhos para o desenvolvimento que protejam as florestas; e a Rússia e outros países do norte precisarão combater os impactos das mudanças climáticas nas florestas.

    Graças à Declaração de Glasgow, o mundo tem um objetivo comum de proteger as florestas e financiamento para isso. Os caminhos para alcançar esses compromissos são desafiadores, mas claros. Continuaremos a monitorar, analisar e relatar o progresso da humanidade.


  • 6 autores nativos para conhecer a literatura indígena do Brasil

    6 autores nativos para conhecer a literatura indígena do Brasil

    Reprodução da revista Educação e Território. Matéria de André Nicolau,
    publicada em 8 de abril de 2022.


    Apesar disso, estabelecer um diálogo sobre a temática ainda é um desafio a ser superado nas salas de aula de todo o Brasil. “A escola precisa rever seus posicionamentos em relação aos povos indígenas. A juventude precisa e tem o direito de saber quem são eles, suas culturas, línguas e costumes”, destaca o escritor e ativista Edson Kayapó. 

    Em meio à luta em defesa das florestas, ecossistemas e biomas, visando a sobrevivência e manutenção das tradições indígenas, os povos originários também ocupam novos espaços de debate.  

    Fazem-se presentes nos centros urbanos, universidades e redes sociais. E, assim, contam suas histórias por meio da literatura indígena, silenciada há décadas pela cartilha de ensino nas escolas. 

    Para celebrar o Abril Indígena, destacamos uma série de autores que, por meio de suas publicações, dialogam sobre memórias, cosmologias, saberes milenares e suas concepções de mundo. “Obras muito necessárias num mundo desencantado. É preciso reencantar as relações socioambientais e os povos indígenas podem ajudar muito nesse processo”, reforça Kayapó, que contribuiu para a seleção dos autores. 

    Visite a publicação no site da revista Educação e Território e confira alguns nomes da rica e diversa literatura indígena produzida atualmente

  • Emergência climática: soluções existem, mas é preciso agir agora

    Matéria publicada no Jornal da USP em 08/04/2022. Herton Escobar, arte original de Rebeca Fonseca

    “Ainda há tempo de evitar o pior das mudanças climáticas, mas esse tempo está se esgotando. É preciso agir já.”

    Trecho do sexto Relatório de Análise (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC)

    Se você acha que já ouviu essa mensagem antes — muitas vezes até, provavelmente —, sim, você está certo. Ela vem sendo repetida há anos, exaustivamente, pelos cientistas, e o problema é exatamente esse: o recado não muda porque a situação não muda (só piora) e o tempo disponível para agir está cada vez mais curto. 

    Esse é o principal recado, mais uma vez, do sexto Relatório de Análise (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), que teve seu terceiro e último fascículo publicado no início desta semana, 4 de abril. Os dois primeiros blocos (divulgados em agosto de 2021 e fevereiro de 2022) trataram das evidências científicas do aquecimento global, das suas consequências para o clima do planeta e para a espécie humana, e da necessidade urgente de preparação e adaptação a essas mudanças. Já este terceiro fascículo descreve o que é necessário fazer para impedir que a situação piore ainda mais daqui para frente — as chamadas “medidas de mitigação”. E atenção: o cenário não é nada bom.

    O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, chegou a classificar o relatório como um “arquivo da vergonha”, elencando todas as “promessas vazias que nos colocam firmemente no caminho para um mundo inabitável”. “Estamos em um caminho rápido para o desastre climático”, sentenciou ele, em um duro discurso no dia 4.

    Vamos aos números: as emissões globais de gases de efeito estufa (GEEs) na década de 2010 a 2019 foram as maiores de todos os tempos. Ou seja, a espécie humana nunca jogou tanto gás carbônico na atmosfera como agora, apesar de todos os alertas, desastres e acordos climáticos das últimas décadas. A média no período foi de 56 bilhões de toneladas lançados na atmosfera por ano; 9 bilhões a mais por ano do que na década anterior (2000-2009) e bem mais do que em qualquer outro período da história humana.

    Cerca de dois terços dessas emissões, segundo o relatório, são de dióxido de carbono (CO2) gerado pela queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão) na indústria, principalmente para a geração de energia e transportes. As emissões de CO2 oriundas das chamadas “mudanças de uso do solo e florestas” são 11% do total, enquanto que as de metano (CH4) respondem por 18%, segundo o relatório. É nessas duas últimas categorias que o Brasil dá sua maior contribuição para o aquecimento do planeta, por meio do desmatamento (que libera quantidades enormes de COpara a atmosfera) e da agropecuária (que é uma grande fonte de CH4), como mostra o último relatório do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima.

    Diante deste cenário (que já elevou a temperatura média do planeta em 1ºC), a janela de oportunidade que a humanidade tem para frear as mudanças climáticas está mais apertada do que nunca. Ainda não se fechou por completo, mas resta apenas uma fresta — falta saber se vamos passar por ela. 

    Para ter uma chance razoável (acima de 50%) de manter o aquecimento abaixo de 1,5ºC — que é o “limite de segurança” estipulado pela ciência e definido como meta pelo Acordo de Paris — as emissões globais de GEE precisam parar de subir até 2025, no máximo, e depois cair 43% até 2030, segundo o relatório. Para um limite de 2ºC, essa redução precisa ser de 25%. 

    De um jeito ou de outro, os cortes são grandes, e precisam começar imediatamente. Pelo andar da carruagem atual, se nada for feito além do que já está sendo feito agora, segundo o IPCC, o aumento de temperatura será de 3,2ºC em 2100; um cenário desastroso para o planeta. A previsão é que os eventos climáticos extremos se tornem cada vez mais frequentes à medida que a temperatura aumenta, potencializando o risco de falta de alimentos, falta de energia, escassez hídrica, extinção de espécies, incêndios, inundações, ondas de calor, enchentes e tempestades, como as que arrasaram a cidade de Petrópolis (RJ) no início deste ano. Entre outras ameaças. (No gráfico ao lado, a linha vermelha representa para onde estamos indo; as linhas verde e azul mostram para onde deveríamos ir para cumprir o Acordo de Paris.)

    “Mais do que qualquer outro relatório lançado (até agora), este aponta a necessidade da urgência de redução de emissões”, disse o pesquisador Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, em um webinário sobre o tema, organizado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “O relatório fala que nós precisamos agir já”, completou ele, ressaltando que as mudanças climáticas não são mais uma preocupação do futuro, mas “uma questão do presente”. 

    Reduzir as emissões rapidamente é absolutamente necessário, mas não suficiente, pois os gases do efeito estufa, ainda que em menor quantidade, continuarão se acumulando na atmosfera por longos períodos. Para frear de vez o aquecimento do planeta, segundo o IPCC, o mundo precisa se tornar “carbono neutro” por volta de 2050 (para estabilizar o aquecimento em 1,5ºC) ou 2070 (para o limite de 2ºC). Isso significa que todo o carbono lançado por atividades humanas na atmosfera precisa ser reabsorvido de alguma forma, seja por vias naturais ou tecnológicas. Para cada molécula de carbono que sobe, uma precisa descer.

    Paulo Artaxo – Foto: Wikimedia

    “Para isso vamos ter que construir uma nova sociedade, muito diferente da que temos hoje; muito mais sustentável e com muito mais igualdade econômica e social”, disse Artaxo — um dos 21 cientistas brasileiros que participaram diretamente da confecção do relatório (AR6 completo), produzido por um exército científico de quase 800 autores e revisores internacionais, ao longo de sete anos, com base em dezenas de milhares de estudos publicados sobre o tema na literatura científica.

    “É agora ou nunca, se quisermos limitar o aquecimento global a 1,5°C”, disse Jim Skea, especialista em clima e tecnologia do Imperial College London, que foi um dos coordenadores do Grupo de Trabalho 3 do IPCC (responsável por este último fascículo do relatório). “Sem reduções imediatas e profundas de emissões em todos os setores, será impossível.”

    Ativistas levantam uma turbina eólica na África do Sul – Foto: Shayne Robinson / Greenpeace

    Soluções limpas, boas e baratas

    A boa notícia, em meio a esse cenário desalentador, é que “já temos todas as soluções tecnológicas que precisam ser implementadas” para dar essa guinada, “em todos os setores”, pontua Artaxo. E a custo relativamente baixo: segundo o IPCC, a adoção ampla de medidas com custo abaixo de US$ 100 por tonelada de gás carbônico já seria suficiente para reduzir pela metade as emissões globais de GEE até 2030, comparado a 2019. As opções estão aí, só falta vontade para implementá-las.

    Um dos infográficos mais interessantes do novo relatório (SPM.7, disponível aqui) mostra a relação custo-benefício das várias estratégias atualmente disponíveis para mitigar o aquecimento global. A opção que se destaca como a mais barata e eficiente para reduzir emissões no curto prazo é a substituição de energia fóssil por energia solar e eólica — que, além de limpas e renováveis, tiveram seu custo de produção significativamente reduzido nos últimos dez anos. Em seguida aparecem estratégias ligadas ao setor de agricultura e florestas: redução do desmatamento, sequestro de carbono pela agricultura, reflorestamento e restauração florestal — também com alto potencial de mitigação de emissões, porém a custo maior do que o das energias renováveis.

    Fronteira de área agrícola com vegetação nativa do Cerrado, na região conhecida como Matopiba – Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace

    Algumas intervenções chegam a ter custo negativo, no sentido de que permitem reduzir gastos ao mesmo tempo que reduzem emissões e melhoram a qualidade de vida das pessoas. Por exemplo: a redução de demanda e aumento da eficiência energética nos setores de transporte e construção, com a adoção de carros e prédios mais econômicos e menos poluentes.

    “Reduzir as emissões de gases do efeito estufa em todo o setor de energia requer grandes transições, incluindo uma redução substancial no uso geral de combustíveis fósseis, a implantação de fontes de energia de baixa emissão, a mudança para transportadores alternativos de energia e eficiência e conservação de energia”, diz o Sumário para Tomadores de Decisão, um resumão simplificado de todo o conteúdo científico do relatório, feito para subsidiar as discussões políticas e diplomáticas sobre o tema.

    O desafio é enorme, mas não inatingível. Segundo o relatório, com uma combinação de boas políticas, boas tecnologias e bons comportamentos (pautados pela sustentabilidade) é possível reduzir as emissões globais de GEE em 40% a 70% até 2050, sem precisar inventar nenhuma roda. O que já seria suficiente, segundo os cientistas, para segurar o aquecimento global abaixo de 2ºC, pelo menos.

    O custo econômico dessa mudança seria alto, claro, mas com uma relação de custo-benefício excelente. O impacto no PIB mundial seria de apenas alguns pontos porcentuais até 2050, segundo o relatório do IPCC. Ou seja, a economia mundial continuaria crescendo, apenas cresceria um pouco menos, com a vantagem nada desprezível de evitar o caos climático no planeta. “O custo da mitigação é alto, mas o custo de não reduzir emissões é pelo menos três vezes mais alto”, pontuou Artaxo. “É um preço muito grande que a nossa sociedade vai ter que pagar, e portanto temos que evitar e minimizar os danos o máximo possível.”

    “É hora de parar de queimar nosso planeta e começar a investir na abundante energia renovável ao nosso redor”, disse Guterres o secretário-geral da ONU, em seu discurso do dia 4. “Uma mudança para as energias renováveis consertará nossa matriz mundial de energia quebrada e oferecerá esperança a milhões de pessoas que sofrem impactos climáticos hoje.”

    Navio plataforma da Petrobras – Foto: André Ribeiro / Agência Petrobras

    Captura de carbono

    Feita essa redução emergencial de emissões, a conquista da neutralidade de carbono, necessária para estabilizar a temperatura do planeta a longo prazo, vai exigir um esforço adicional de captura, estocagem e até remoção de gás carbônico da atmosfera — um conjunto de ações descrito pela siglas em inglês CCS (de carbon capture and storage) e CDR (de carbon dioxide removal).

    “O novo relatório nos alerta para a necessidade de reduzirmos drasticamente as emissões num prazo muito curto e, depois, ainda implementarmos processos de captura do carbono já liberado anteriormente. Neste cenário, tanto tecnologias para captura de CO2 concentrado na fonte quanto disperso na atmosfera terão papel importante, algumas em momentos mais preponderantes que outras”, diz o engenheiro Gustavo Assi, professor da Escola Politécnica da USP e diretor de inovação e difusão de conhecimento do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases do Efeito Estufa (RCGI). 

    Gustavo Assi – Foto: RCGI

    Inaugurado em 2016 na Poli, com financiamento da Fapesp e da empresa Shell, o RCGI investe fortemente no desenvolvimento de tecnologias de CCS e CDR — além de CCU, que contempla também a utilização do carbono capturado como matéria-prima para produção de energia e outros materiais.

    “O contexto do Brasil é muito interessante”, avalia Assi. “Repare que o novo relatório atribuiu um papel importantíssimo para a mitigação das emissões através de reflorestamento, agricultura, biocombustíveis, energia eólica e energia solar. Estas soluções aparecem com a melhor relação custo-benefício para implementação urgente, e sabemos que o Brasil tem muito potencial para contribuir nestas áreas.” 

    O que não significa, porém, que o Brasil deva simplesmente abandonar sua indústria de óleo e gás do dia para a noite, diz o professor. “Ao mesmo tempo que novas soluções precisam aparecer no cenário para redução de emissões, necessitaremos de uma drástica descarbonização dos setores alimentados por combustíveis fósseis”, afirma Assi. “A exploração de hidrocarbonetos ainda é uma necessidade para o desenvolvimento dos países, mas a transição da matriz energética deve ser mais que um discurso bonito. Como solucionar estas duas demandas que parecem conflitantes? A resposta está na transformação da indústria de óleo e gás, na sua integração com novas fontes de energia, na sua integração com a nova matriz energética do hidrogênio e na busca por uma indústria de hidrocarbonetos neutra em emissões. Este movimento, que parece utópico — extrair óleo e gás sem emitir carbono — é possível através de uma revolução tecnológica no setor.”

    Pedalada climática

    Na contramão de todos esses alertas da ciência, o governo brasileiro apresentou nesta quinta-feira (7 de abril) a nova versão da sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) — o conjunto de ações que o país se compromete a realizar, de forma voluntária, em contribuição ao esforço internacional de enfrentamento da mudanças climáticas globais, norteado pelo Acordo de Paris, da Organização das Nações Unidas (ONU).

    Fonte: Observatório do Clima / Reprodução

    A nova NDC traz uma atualização dos compromissos assumidos pelo Brasil em 2015, na gestão da presidente Dilma Rousseff, que previam uma redução de 37% das emissões nacionais de GEEs até 2025 e de 43%, possivelmente, até 2030, em relação ao que o País emitia em 2005. Em 2020, já na gestão do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil enviou à ONU uma atualização dessa NDC, que basicamente mantinha as mesmas metas de redução, porém utilizando uma nova base de cálculo (a Terceira Comunicação Nacional, de 2016), que revisava para cima as emissões do País em 2005 e, consequentemente, reduzia o tamanho das reduções que precisavam ser feitas proporcionalmente até 2025 e 2030. Uma manobra contábil de carbono que ficou conhecida na comunidade científica e ambiental como “pedalada climática”.

    A nova NDC, apresentada agora, eleva a meta de corte de emissões de 43% para 50% até 2030, mas segue permitindo que o País emita mais carbono até esta data do que estava previsto na NDC original, de 2015, segundo uma análise divulgada pelo Observatório do Clima. Em suma: o novo compromisso reduz o tamanho da pedalada, mas continua pedalando. “É como ter uma dívida no cartão de crédito e pagar só uma parte da fatura. Continua sendo um retrocesso, num momento em que as Nações Unidas fazem um chamado para os países aumentarem suas ambições. O Brasil não responde ao chamado e ainda continua retrocedendo”, afirma Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, em nota da organização.

  • Bioeconomia amazônica como solução para desafios socioambientais

    O capítulo 30 do SPA discute a importância do desenvolvimento da bioeconomia amazônica para garantir a prosperidade da população nativa e como solução para os desafios socioambientais. Destaca ainda a importância do envolvimento de agentes interdisciplinares e de caráter público e privado na criação de soluções para o desenvolvimento sustentável.

  • A Amazônia brasileira: problemas e desafios

    A Amazônia brasileira: problemas e desafios

    A programação do congresso inclui três conferências, nos dias 28, 29 de março e no dia 1º de abril. Todas as conferências acontecerão ao vivo, no horário de 18h00 (hora de Madri) através da ferramenta Zoom. O link do Zoom para as sessões de conferências estará disponível na plataforma do Congresso e, na ocasião, também será enviado a todos os congressistas por e-mail.

    Na programação também consta cinco sessões de colóquios ao vivo, que acontecem todos os dias de Congresso (de 28 de março a 1º de abril), em horário de 19h00 (hora de Madri), com duração de uma hora. Os colóquios também serão através de Zoom, cujo link estará na plataforma e será enviado por e-mail. Durante os colóquios, os participantes terão a oportunidade de debater temas relacionados com as linhas temáticas selecionadas para a sessão. Por exemplo, o primeiro colóquio, que acontecerá no dia 28 de março, será para o debate de temas relacionados com “Amazônia e História” e “Amazônia, territórios e territorialidades”, assim como seis livros selecionados para a sessão. As sessões de colóquios são para debate e comentários sobre as temáticas mais relevantes ou presentes nos trabalhos, por isso, as perguntas, dúvidas ou consultas específicas sobre um trabalho devem ser enviadas através da ferramenta “Fórum”, disponível na plataforma do congresso.

    Nesse sentido, e tal como consta na informação do Congresso, não há sessões ao vivo para apresentações das propostas de comunicação. Os vídeos das propostas de comunicação estarão, a partir do primeiro dia de congresso, disponíveis para todos os congressistas.

  • Bioeconomia para o desenvolvimento sustentável da Amazônia

    Potencial da bioeconomia para o desenvolvimento sustentável da Amazônia e possibilidades para a atuação do BNDES. Artigo de de Leonardo Pamplona, Julio Salarini e Nabil Kadri 

    O artigo situa o conceito de bioeconomia no contexto da Amazônia e dos desafios do desenvolvimento sustentável. Os autores, integrantes do departamento de meio ambiente do BNDES, fazem uma uma reflexão sobre o potencial da biodiversidade amazônica em diversos setores.

    O texto aborda os gargalos para a ampliação do crédito e da experiência do Banco no apoio a arranjos produtivos sustentáveis na região. São propostas algumas diretrizes para subsidiar a construção de uma agenda de trabalho sobre o tema para o BNDES.

  • O processo de ‘açaização’ da amazônia

    Pesquisa aponta que o cultivo do açaí está levando a uma perda significativa da biodiversidade na Amazônia com o avanço da monocultura da fruta. O processo é tão intenso, especialmente no Pará, que já ganhou até nome de cientistas da área: é a “açaização” da Amazônia. 

    Confira os resultados do estudo

  • Amazônia terá sistema abrangente de análise de emissões de GEE

    Publicado pela redação do Jornal da USP em 14/03/2022
    Arte de Ana Júlia Maciel

    O Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), sediado na USP com financiamento da empresa Shell e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), está desenvolvendo um banco de dados sobre as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) na região amazônica. A plataforma está sendo construída com técnicas avançadas de big data para gerar dados que possam ser usados para monitorar as emissões dos gases; compreender melhor suas causas; e nortear a criação e a fiscalização de políticas públicas voltadas à mitigação de emissões. Ela permitirá acompanhar os compromissos internacionais do Brasil na redução do desmatamento e na emissão de gases de efeito estufa pelo ecossistema Amazônia.

    A plataforma contará com o apoio de diversas Organizações Não Governamentais (ONGs), como o Instituto de Pesquisas Amazônicas (Ipam), o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e o MapBiomas, que trazem diversos dados geolocalizados sobre as emissões de GEEs e o desmatamento na Amazônia, além de possibilitar retroalimentar outros bancos de dados. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia (Inpa), o Programa LBA (Experimento de Larga Escala da Biosfera e Atmosfera da Amazônia), a torre ATTO (Amazon Tall Tower Observatory), a Escola Politécnica (Poli) da USP e o Instituto de Física (IF) da USP são os coordenadores do projeto.

    Dados abrangentes

    Neste esforço conjunto, será possível analisar dados de superfície e de satélites sobre as emissões e absorções, incorporando informações ao longo dos últimos 25 anos, com forte parceria com o sistema MapBiomas. “Conseguiremos também analisar o estado atual das emissões quase em tempo real e fazer projeções, usando Inteligência Artificial e técnicas avançadas de aprendizado de máquina”, destaca o cientista Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e um dos pesquisadores principais no RCGI. O objetivo, segundo ele, é obter uma visão abrangente dos complexos e amplos aspectos que impactam o ecossistema amazônico e seu balanço de emissões de gases de efeito estufa.

    Paulo Artaxo – Foto: Wikimedia

    Trata-se da primeira plataforma a trazer, de forma unificada, a maior parte dos parâmetros que controlam o processo de absorção e emissão de dióxido de carbono e metano para a atmosfera. “Essa iniciativa será crucial para o Brasil adotar políticas públicas lastreadas pela ciência, com dados abrangentes e confiáveis, que possibilitem cumprir as metas de redução de emissões de GEEs. Irá complementar esforços importantes do Inpe, Imazon, Ipam, LBA, SEEG, MapBiomas e outras entidades”, afirma Artaxo.

    O Brasil é o sexto país que mais emite GEEs no mundo, sendo o desmatamento da Amazônia nossa principal fonte de emissões. No Acordo de Paris, em 2015, e na COP-26, em 2021, o governo brasileiro assumiu diversos compromissos para redução de emissões de GEEs. Até 2030, terá que diminuir as emissões de carbono em 50%, e em 30% as emissões de metano, além de zerar emissões de CO2 até 2050. “Os maiores esforços neste sentido deverão ser concentrados na Amazônia, de onde se originam 47% das emissões dos GEEs no País – a maior parte causada pelo desmatamento. Daí a importância de termos uma plataforma com informações consolidadas sobre as emissões de GEEs”, afirma o pesquisador.

    Queda de árvores – Foto: George Campos/ USP

    Desafios do projeto

    O banco de dados será gigante. Conterá dados de satélites, dados de medidas em torres, medidas do sistema Lidar (Inpe) e dados meteorológicos, cobrindo toda a região amazônica em seus nove países, não só do Brasil. “As técnicas de big data, como Inteligência Artificial e aprendizado de máquina, serão usadas para processar e analisar esta gigantesca massa de dados, desvendando os complexos relacionamentos não lineares entre os múltiplos parâmetros”, explica o coordenador da parte computacional do projeto, José Reinaldo Silva, professor da Poli. “O sistema amazônico é tão complexo e amplo que, para seu entendimento mais completo, é necessário o desenvolvimento de ferramentas computacionais avançadas, que permitam uma compreensão do comportamento não linear da interação da floresta com o sistema climático”, acrescenta.

    José Reinaldo Silva – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

    Segundo Artaxo, a primeira fase, que já está em andamento, é a de coleta de dados de sensoriamento remoto, de superfície e de modelagens já feitas. Essa etapa está sendo realizada em parceria com o MapBiomas, Ipam, Inpe, LBA, Imazon, torre ATTO, LBA e outros parceiros. “Depois disso, vamos começar a integrar e ligar diversos bancos de dados e desenvolver as ferramentas de Inteligência Artificial que permitam extrair informações qualificadas do sistema como um todo.”

    Um dos desafios da pesquisa será esclarecer a disparidade dos dados atualmente divulgados sobre as emissões na Amazônia. Isso ocorre em função das diferentes periodicidades e particularidades tecnológicas dos satélites que cobrem a região, gerando muitas vezes números discordantes. “O que nós vamos fazer é selecionar e analisar cuidadosamente os dados de cada satélite e selecionar aqueles mais assertivos, para validar esses dados para a Amazônia com medidas em superfície”, afirma Artaxo.

    “Algumas análises importantes serão possíveis com esses sistemas, tais como o papel da degradação florestal nas emissões, o impacto do El Niño e da La Niña na emissão de gases de efeito estufa, o cálculo das emissões de metano em áreas alagadas, entre outras análises. Sem essa integração ampla de dados, é impossível termos uma visão da Bacia como um todo para esses cálculos.”

    Relatórios periódicos

    Os pesquisadores também irão gerar relatórios periódicos sobre os dados coletados e as análises feitas. Artaxo já adianta dois aspectos que terão destaque nessas análises: o papel da expansão agropecuária e o impacto das mudanças climáticas nas alterações dos processos fotossintéticos da floresta. “Observamos que o aquecimento global e a mudança na precipitação na Amazônia estão afetando os processos que regulam a absorção e a emissão de gases de efeito estufa, fazendo com que a floresta possa estar começando a perder carbono para a atmosfera. Isso é preocupante porque a floresta contém cerca de 120 bilhões de toneladas de carbono no ecossistema, o que corresponde a 10 anos da queima de todos os combustíveis fósseis do mundo”, destaca.

    A plataforma está sendo desenvolvida dentro da USP, em São Paulo, no âmbito do projeto Emissão de gases de efeito estufa na Amazônia e sistema de análise de dados e serviços do RCGI, que já conta com uma equipe de nove pós-doutorandos, e muitos estudantes de mestrado e doutorado. Os pesquisadores usarão computadores da USP e os sistemas Amazon Web Services (AWS) e Google Earth Engine (GEE). O projeto está inserido dentro do GHG (Greenhouse Gases) – um dos cinco programas do RCGI cujas pesquisas são voltadas para a geração de conhecimento e inovação que ajudem o País a cumprir suas metas para a mitigação dos GEEs.

    Mais informações: e-mail comunicacao@academica.jor.br, na assessoria de comunicação do RCGI

    Sobre o RCGI – O Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI) é um Centro de Pesquisa em Engenharia, criado em 2015, com financiamento da Fapesp e da Shell. As pesquisas do RCGI são focadas em inovações que possibilitem ao Brasil atingir os compromissos assumidos no Acordo de Paris, no âmbito das NDCs – Nationally Determined Contributions. Os projetos de pesquisa – 19, no total – estão ancorados em cinco programas: NBS (Nature Based Solutions); CCU (Carbon Capture and Utilization); BECCS (Bioenergy with Carbon Capture and Storage); GHG (Greenhouse Gases) e Advocacy. Atualmente, o centro conta com cerca de 400 pesquisadores. Saiba mais aqui.

  • Direitos dos povos e comunidades tradicionais

    Direitos dos povos e comunidades tradicionais

    Publicação elaborada pelo MPMG, faz um apanhado da legislação e dos consensos em torno da questão da categorização e dos direitos dos povos e comunidadades tradicionais.