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Caminhos para uma bioeconomia amazônica com impacto global

A Amazônia não é só território. É projeto.

A conversa reforça a importância de se superar as barreiras entre o saber acadêmico e as urgências das comunidades, promovendo um esforço coordenado entre instituições de pesquisa, setor privado, governos e sociedade civil. Em vésperas da COP 30, e diante de uma nova configuração geopolítica da sustentabilidade, esta entrevista lança luz sobre o que precisa ser feito para que a Amazônia deixe de ser promessa e passe a ser protagonista no século XXI — não apenas como território, mas como projeto nacional de futuro. Confira esta densa conversa e sua importância na diversificação, adensamento e regionalização da bioeconomia da Amazônia.

Por Alfredo Lopes – Coluna Follow Up (**) do Jornal do Commercio. Manaus, 4 de abril de 2025.

B.A.A. (BrasilAmazoniaAgora) Dado o histórico de pesquisas e projetos voltados para a Amazônia, como a USP pode contribuir para um modelo de governança ambiental mais eficaz e integrado com as necessidades socioeconômicas da região?

J.M. – Jacques Marcovitch(*) – Contribuir para um modelo de governança ambiental eficaz significa desenvolver meios pelos quais a sociedade determina prioridades e se mobiliza para atingir metas relacionadas à gestão responsável dos recursos naturais. Um modelo de governança ambiental requer, portanto, um profundo conhecimento das origens e evolução do Bioma Amazônia, que reúne a maior floresta tropical, a maior diversidade biológica e a maior bacia hidrográfica existentes no planeta. Um ecossistema essencial para o destino da humanidade. Acesse aqui matéria relativa à governança ambiental

A USP e as demais instituições acadêmicas têm por missão formar quadros profissionais e conhecimentos científicos para responder às expectativas da sociedade, entre as quais, as necessidades socioeconômicas e ambientais da Amazônia. Uma missão capaz de induzir iniciativas públicas e privadas que promovam simultaneamente a geração de emprego e renda, o bem-estar das comunidades produtoras e a conservação da natureza. Iniciativas que requerem lideranças imbuídas de valores e princípios, estratégias centradas em prioridades e um monitoramento focado em resultados e impactos. Foi por isso que o Inpa, a UFPA, o Instituto Peabiru e a USP, com a participação do Museu Emílio Goeldi no Pará e da Universidade Estadual de Santa Cruz em Ilhéus, se associaram para valorizar a cultura amazônica e contribuir através de um Grupo de Pesquisa apoiado pelo CNPq, a Fapesp e a Fapeam dedicado ao estudo das cadeias produtivas da biodiversidade e às necessidades socioeconômicas da região.

B.A.A. Quais são os principais desafios para transformar o conhecimento acadêmico gerado por instituições como a USP em arranjos produtivos locais baseados em bioativos florestais, promovendo uma economia sustentável e não predatória?

J.M. Presentemente, no vasto cenário dos desafios regionais em rápida transformação, destaquemos a falta de equidade nos ganhos do processamento de frutos e peixes nativos, o envenenamento dos rios pelo mercúrio, a ação do crime organizado e as queimadas e desmatamentos predatórios. Neste cenário, duas barreiras inibem a transferência do conhecimento acadêmico aos arranjos produtivos locais: expectativas distintas entre comunidades locais e comunidades de pesquisa e a linguagem. A comunidade acadêmica está empenhada na publicação de artigos científicos avaliados por pares, enquanto a comunidade local enfrenta a urgência na busca de soluções sustentáveis compatíveis com a sua cultura. Para enfrentar esta brecha, uma das maneiras é a concepção conjunta de estudos para conciliar a relevância para a comunidade local e o rigor acadêmico exigido pela pesquisa. Em complemento, cabe condensar e traduzir as descobertas da pesquisa em resumos na linguagem dos destinatários. Reduz-se assim o potencial de perda do conhecimento construído em parceria.

O formato condensado, compartilhado por agentes locais, tem o potencial de atingir grandes públicos por meio de diferentes redes. Com isso os conteúdos se beneficiam do “efeito disseminação”, em que um resumo, em podcast ou vídeo, viaja para um círculo cada vez maior de destinatários, em formato acessível e transferível, que gera efeitos mensuráveis.

B.A.A. A bioeconomia pode ser um caminho para adensar e diversificar as cadeias produtivas na Amazônia, mas ainda há barreiras institucionais e logísticas. Como iniciativas como esta podem influenciar políticas públicas e o setor industrial para acelerar essa transição? Como transformar a riqueza natural da Amazônia em bem-estar para as populações locais, sem repetir os erros de modelos econômicos predatórios?

J.M. Na bioeconomia amazônica, cruzam-se conhecimento dos povos indígenas, saberes históricos, sociológicos, econômicos e outros igualmente originários das ciências biológicas, exatas e humanas que alimentam o conhecimento formal. Na obra coletiva organizada com Adalberto Luis Val, do Inpa, Bioeconomia Para Quem?, o todo multidisciplinar sinaliza, para governos, indústrias processadoras e extrativistas, as prioridades por cadeia produtiva para influenciar políticas publicas e o setor industrial.

À guisa de referência, seguem prioridades para adensar cadeias produtivas por meio de políticas púbicas, ações do setor industrial e da sociedade civil. Prioridades para a cadeia produtiva do cacau: aprimorar a organização coletiva dos produtores; elevar a qualidade, aumentar a escala e mitigar riscos sanitários; estabelecer cadeias de valor curtas nas relações produtor-comprador, valorizar as lideranças empreendedoras nas comunidades para prospectar novos mercados e compradores. Prioridades para a cadeia produtiva do açaí: aumentar a segurança física na atividade da peconha, mitigar os riscos de açaização dos ecossistemas, assegurar a repartição de benefícios justa e equitativa provenientes dos produtos desenvolvidos, fortalecer o ordenamento fundiário para populações tradicionais amazônidas.

Prioridades para a cadeia produtiva do pirarucu: fiscalizar os lagos para inibir a pesca ilegal e outros crimes ambientais, reduzir os custos de monitoramento via satélites e drones, incentivar o mercado institucional do pescado com compras publicas e privadas, fortalecer as atividades de pesca comunitária manejada, viabilizar o pagamento de serviços ambientais.

Prioridades para a cadeia produtiva da meliponicultura: conservar as espécies de abelhas sem ferrão e seus habitats com locais para sua nidificação e fontes de alimentos, conservar e restaurar os habitats naturais, incluindo espécies importantes de flora para as abelhas, promover a educação ambiental sobre a importância das abelhas na polinização e na conservação da biodiversidade.

Prioridades para a restauração florestal: adotar modelos de restauração florestal com enfoque em regeneração natural, regeneração natural e plantio de enriquecimento, regeneração natural e agroflorestas, regeneração natural e plantio de enriquecimento para cumprimento legal e sistemas de integração para diversificação.

Essas prioridades, construídas com as comunidades locais, evidenciam que nas barreiras institucionais e logísticas são encontrados dois níveis de expressão da consciência nacional sobre os grandes temas contemporâneos. O primeiro se traduz em leis ou políticas de Estado. O segundo reside nas atitudes de sua população, incluídas as empresas e organizações da sociedade civil, quando relacionadas com os vários aspectos da sustentabilidade em todos os níveis.

B.A.A. Considerando as discussões da COP 30, que será sediada em Belém, quais avanços concretos podem ser esperados a partir do diálogo entre academia, indústria e setor público para estruturar uma bioeconomia robusta e socialmente inclusiva na Amazônia? Como já antecipado pelo presidente designado da COP 30, embaixador André Correa do Lago, na Primeira Carta do Presidente da COP30 um tema central é o das florestas, para mitigar a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera.

J.M. No seu Compromisso Nacionalmente Determinado na COP 21, em 2015, o Brasil assumiu a responsabilidade de restaurar 12 milhões de hectares além de erradicar o desmatamento ilegal. Cabe prestar contas do que foi realizado, dos desafios enfrentados e das condições necessárias para honrar seus compromissos até 2030.

Há, portanto, necessidade de assegurar os financiamentos destinados às florestas. Financiamentos múltiplos e complementares que combinem recursos públicos domésticos, do setor privado, dos bancos multilaterais e de Fundos de Desenvolvimento. Esses últimos, denominados recursos concessionais, têm por objetivo o desenvolvimento sustentável com impactos positivos mensuráveis. São recursos de juros baixos e longos períodos de carência que favorecem a adoção de novas tecnologias em escala e a construção de novas oportunidades para a bioeconomia amazônica.

Amazônia: território de soluções ou promessas adiadas?

Em complemento, o Brasil vive a fase da implementação dos seus mercados de carbono estruturados em três módulos para financiar seu esforço climático. São eles: o mercado voluntário destinado ao restauro; o mercado jurisdicional para o combate do desmatamento ilegal e o mercado regulado para a redução de emissões das indústrias. Dada a complexidade desta estrutura e da sua implementação, a articulação da academia, indústria e setor público deve contribuir para uma bioeconomia robusta e socialmente justa na Amazônia.

B.A.A. Projetos da USP na Amazônia enfatizam a governança ambiental como um meio de mobilização social e definição de prioridades. De que forma a credibilidade acadêmica e institucional da USP pode ser um fator decisivo para atrair investimentos, fomentar novos negócios e impulsionar a inserção da Amazônia na economia global de forma sustentável?

J.M. A credibilidade acadêmica e institucional é necessária, mas insuficiente. Para atrair investimentos, no entanto, é preciso mobilizar outras instituições críveis, entre as quais o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (WB), o Banco de compensações Internacionais (BIS), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o BNDES, gestor do Fundo Amazônia. Com referência ao Fundo Amazônia, cabe o registro que até 20% dos seus recursos podem ser usados para apoio ao desenvolvimento de sistemas de monitoramento e controle do desmatamento em outros biomas brasileiros e em outros países tropicais. Sendo um fundo constituído de doações internacionais e nacionais para investimentos não reembolsáveis, torna-se um importante instrumento de cooperação internacional, em especial no âmbito da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Mas, para fomentar novos negócios e impulsionar a inserção da Amazônia na economia global de forma sustentável, é preciso enfrentar dois flagelos: a mineração ilícita de ouro e o crime organizado. O garimpo ilícito é causador do envenenamento dos rios amazônicos por mercúrio, o qual compromete severamente a segurança alimentar e a saúde dos povos da floresta e das populações ribeirinhas. A criminalidade transnacional é fonte permanente de violência e insegurança na região. Neste sentido, controle das fronteiras, policiamento e inteligência são incontornáveis para viabilizar a governança ambiental eficaz e em especial a defesa da soberania.

(*) Jacques Marcovitch é professor sênior da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) e do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo (USP). Integra a coordenação do Projeto Bioeconomia na Amazônia CNPq e do Projeto Métricas Fapesp. Integra também o Conselho Superior do Graduate Institute of International and Development Studies (IHEID) em Genebra. 

(**) Coluna follow-up sob a responsabilidade do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM), e coordenação editorial de Alfredo Lopes, é publicada as quartas, quintas e sextas-feiras no Jornal do Commercio do Amazonas e no portal BrasilAmazoniaAgora.com.br

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Índice Multicritério de Sustentabilidade na ResEx Chico Mendes, Acre – Brasil

O artigo avalia a sustentabilidade teritorial com base no conceito de Carbono Social e na Análise Multicritério de Apoio à Decisão (MCDA). O diagnóstico de sustentabilidade baseou-se em cinco critérios: governança, ambiental, social, econômico e agronômico; os quais foram hierarquizados e ponderados através de conferências de decisão junto aos atores sociais, gerando o Índice Multicritério de Sustentabilidade.

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Bioeconomia dos produtos florestais não-madeireiros

Grandes expectativas são depositadas em uma bioeconomia dos produtos florestais não madeireiros (PFNM) como um meio de conciliar conservação e desenvolvimento. 

Mas será que essas expectativas são justificadas e respaldadas por evidências? 

Link para o artigo: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1389934124000819

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Por uma bioeconomia inclusiva e que mantenha em pé a floresta

CARINA PIMENTA – diretora-executiva da Conexsus (Instituto
Conexões Sustentáveis) e ANDREA AZEVEDO – diretora de
Desenvolvimento Institucional da Conexsus.

Publicado na Revista Interesse Nacional. Ano 13 • edição especial 01 • bioeconomia • agosto 2020

A Organização das Nações Unidas para Agricultura e alimentação (FAO) define bioeconomia como produção, utilização e conservação de recursos biológicos, incluindo conhecimento, ciência, tecnologia e inovação para disponibilizar informação, produtos, processos e serviços para todos os setores econômicos que buscam uma economia sustentável [1]. Quando falamos de bioeconomia, sobretudo em um contexto de sustentabilidade ambiental e social, estamos falando de uma economia que deve ser capaz de usar a riqueza natural de maneira sustentável, para que esses resultados se traduzam em dois benefícios principais: a) conservação dos biomas naturais e seus recursos; b) na melhoria do bem-estar das populações que vivem da/na floresta e que detêm muito conhecimento sobre ela. Não é possível chegar a essa bioeconomia inclusiva sem a presença e a participação ativa dessas comunidades.

Ainda hoje, a floresta é vista por muitos como empecilho para o desenvolvimento – os números do desmatamento da Amazônia voltaram a subir pela primeira vez desde 2005, tendo chegado a mais de 10.000 km2 em 2019, uma alta de 34% em relação a 2018 [2]. A biodiversidade dos biomas brasileiros, de maneira especial da Amazônia e do Cerrado, é subestimada em relação ao potencial econômico que pode oferecer.

É premente e muito importante que a sociedade, no seu conjunto (Estado, empresas privadas, instituições financeiras, investidores de impacto, sociedade civil e movimentos sociais), cada um desempenhando papéis específicos e complementares, consiga implementar um novo caminho de desenvolvimento e de crescimento econômico no qual o desmatamento não seja protagonista. A primeira lição que aprendemos é que não existe um modelo pronto (embora haja vários caminhos), portanto, teremos que construí-lo, devendo essa ser uma prioridade para o país.

Um dos pilares desse modelo é o fortalecimento de uma vibrante e inovadora economia da floresta em pé. Hoje a economia extrativista e agroextrativista poderia ser muito mais eficiente e beneficiada com mais conexões: com mercados que querem esses produtos; com mais tecnologia e conhecimento para agregar valor às cadeias da floresta; com o florescimento de um processo industrial da quarta geração que usa tecnologias inteligentes e muito menos intensivas em energia (Nobre e Nobre, 2018; Homma, 2018); e com crédito, que no Brasil é altamente subsidiado, mas que na Amazônia tem 85% do seu fluxo indo para a pecuária de baixa produtividade (Pinto e Azevedo, 2017).

Para falarmos desse ecossistema de negócios [3] da bioeconomia, vamos fazer considerações sobre as lacunas que precisam ser preenchidas para o florescimento dessa economia da floresta, por meio da análise de quatro eixos centrais: o desenvolvimento de negócios comunitários e do empreendedorismo territorial; a conexão com o mercado; o financiamento e os investidores de impacto e o papel das políticas públicas.

O desenvolvimento de negócios comunitários e do empreendedorismo territorial

Os negócios comunitários na Amazônia ou em qualquer outro bioma brasileiro são empreendimentos que se dedicam ao uso sustentável do solo e dos recursos naturais, à preservação e recuperação das florestas e à valorização dos ativos socioambientais e, assim, contribuem para a preservação do meio ambiente e da sociobiodiversidade. São cooperativas, associações de produtores, indígenas, quilombolas, extrativistas e outras populações tradicionais ou outras formas associativas de organização comercial e social que geram receita, trabalho e renda para as comunidades envolvidas. Atuam em cadeias produtivas, como as relacionadas à alimentação saudável e sustentável, aos sistemas agroflorestais, à sociobiodiversidade e ao extrativismo, à pesca artesanal sustentável, ao manejo florestal comunitário e ao turismo de base comunitária.

Essas organizações estão presentes em todo o Brasil, sendo que um número significativo está localizado na Amazônia e em unidades de conservação de uso sustentável. Esses empreendimentos se encontram em vários estágios de maturidade: há um grande número de iniciativas ainda incipientes e outras em vias de consolidação ou mais avançadas. Muitas organizações ainda sofrem com a baixa agregação e captura de valor dentro das cadeias produtivas. Adicionalmente, muitas convivem sob pressões e ameaças relacionadas a fatores como a expansão do agronegócio, problemas fundiários, desmatamento, entre outros.

Após amplo mapeamento feito pela Conexsus, em 2018, sobre negócios comunitários, os dados mostraram que 71% das organizações econômicas (736) têm receitas declaradas abaixo de R$600 mil/ano em todo o Brasil (Desafio Conexsus, 2018). Além disso, poucas dessas cooperativas acessam mercados privados (B2B), sendo que a maioria vende direto ao consumidor em feiras ou em outras frentes mais informais. Portanto, os negócios sustentáveis ligados à sociobiodiversidade geram menos benefícios econômicos, sociais e ambientais do que poderiam. Consequentemente, isso limita suas contribuições à proteção de florestas e biomas e à transição para uma economia de baixo carbono, gerando pouco bem-estar social para as populações e municípios com altas quantidades de florestas.

As organizações sociais são muito importantes para que a agregação de valor e a distribuição mais justa entre as comunidades aconteça. Portanto, o apoio aos negócios comunitários (associações e cooperativas) geridos por essas organizações sociais deve ser uma prioridade das políticas públicas e deveria ser um alvo de investimento para os negócios privados que querem gerar mais impacto social em suas cadeias de fornecedores. Ao fortalecer os negócios, fortalecemos a resiliência social e econômica dessas comunidades, que possuem lutas importantes em relação a direitos ao território e à manutenção de seus meios de vida.

Portanto, melhorar os negócios pressupõe melhorar a organização social. De modo que o fortalecimento desses negócios comunitários de impacto socioambiental torna-se estratégico para o desenvolvimento de uma bioeconomia inclusiva no país.

Um primeiro movimento que se espera é o desenvolvimento desses negócios por meio do trabalho mais sistemático e eficaz na formação de suas lideranças e da cooperação, envolvendo os cooperados e associados nas decisões da organização. A melhoria das competências para áreas de gestão, governança e comercialização (estratégias de mercado), assim como a atitude empreendedora, principalmente ampliando as lideranças femininas e jovens, deve ser um foco de investimentos tanto das políticas públicas, como de organizações de filantropia e multilaterais de desenvolvimento.

Esse deve ser um movimento em escala, para além dos pilotos bem-sucedidos em alguns territórios. A consolidação de uma bioeconomia inclusiva requer que centenas de negócios comunitários ampliem sua sustentabilidade econômica e que, assim, contribuam para a ampliação dos seus impactos socioambientais.

O papel dos mercados

O mercado dos produtos da sociobiodiversidade ainda apresenta inúmeras limitações, das quais muitas estão ligadas às características dos produtos florestais extrativos, que possuem: alta perecibilidade e uma logística de escoamento complicada, escala de produção em geral baixa e instável, preços baixos, mercado variável e desorganizado (e por vezes oligopolizado ou realizado por atravessadores), reduzido nível tecnológico aplicado, baixo incentivo fiscal, dentre outras (MMA, 2017).

Muitos desses negócios – por conta dessas restrições e, de forma mais específica, por conta da logística – acabam restringindo-se ao âmbito local e/ou aos institucionais[4]. Quando alcançam mercados mais formais e exigentes, existem várias lacunas a serem superadas e a cadeia, muitas vezes, é tão longa que dificilmente o extrativista e o agricultor alcançam ou conhecem seu mercado final.

Contudo, muitos desses negócios comunitários querem expandir seus mercados, inclusive exportando para outros países. Por outro lado, há uma pressão de consumidores por produtos mais saudáveis, mais naturais e que tenham uma origem conhecida, com respeito a práticas que conservem o meio ambiente e observem as regras trabalhistas. Ou seja, há um trabalho de “aproximação e matching” entre esses dois universos que deve ser muito mais dinamizado.

A Conexsus e seus parceiros fizeram, em 2019, um levantamento de empresas privadas para identificar aquelas
que gostariam de comprar produtos da bioeconomia ou produtos agrícolas sustentáveis. Foram identificadas 250 empresas com potencial de comprar uma diversidade desses produtos e 82 empresas que declararam as suas necessidades, apontando demanda por 290 produtos.

Apontaram também suas “dores e preocupações” na compra direta desses negócios comunitários. Conclui-se que a maioria, sobretudo empresas maiores e mais rígidas em relação aos requerimentos requisitados, não está preparada para comprar diretamente dos negócios comunitários e acaba recorrendo a intermediários.

Uma parte considerável não conhece a realidade de funcionamento dos negócios comunitários, tornando esse
trabalho de sensibilização e informação bastante relevante. É preciso ressaltar que muitas empresas privadas necessitam de um modelo de compras mais adaptado às necessidades desses negócios. E, por fim, para muitas cadeias baseadas na floresta é necessário que as empresas/indústrias estejam dispostas a apoiar uma parte do seu desenvolvimento para identificar novos ingredientes ou garantir uma produção com mais qualidade e frequência.

Esse investimento em inovação e pesquisa e desenvolvimento deve ser ampliado tanto do lado de compradores que querem diferenciar seus produtos, quanto da perspectiva dos negócios comunitários, que pode buscar um valor adicionado aos seus produtos. Iniciativas como Amazônia 4.0 pretendem agregar muito valor à produção a
partir do uso de novas tecnologias nos negócios comunitários e de empreendedores que querem apostar na bioeconomia da floresta em pé. Esse ponto é muito importante para a expansão de mercados com maior valor adicionado para quem tem seus negócios baseados na floresta.

Ou seja, embora haja um trabalho a ser perseguido para que essas lacunas sejam superadas, há, de fato, um movimento que tem levado grandes e médias empresas a chegarem mais perto dos produtores de suas matérias-primas. Do lado da oferta, há um movimento para agregar mais valor aos produtos, melhorar a qualidade e trabalhar mais em rede para atender a diversos requisitos ou arranjos que uma cooperativa ou associação, sozinha, não consegue. Portanto, entendemos que o caminho e o momento são de convergência para uma aproximação das pontas de diversas cadeias de valor.

Financiamento

A contração de financiamento tem sido um constante desafio entre os negócios comunitários de impacto socioambiental. Contratos elaborados pelas tradicionais instituições financeiras são pouco adaptados ao contexto florestal, marcado por um reduzido acesso a informações financeiras, reduzido número de títulos definitivos de propriedade e uma ausência de arranjos de financiamento alternativos para a mitigação das incertezas dos credores quanto à gestão e à transparência da aplicação dos recursos emprestados. Em paralelo, os recursos de filantropia não são suficientes para gerar as transformações necessárias em empreendimentos socioambientais no sentido de torná-los sustentáveis do ponto de vista econômico.

Nesse contexto, combinar investimento filantrópico com investimento reembolsável em um modelo de investimento híbrido (blended finance[5]) parece uma alternativa capaz de destravar recursos financeiros para viabilizar a estruturação de veículos de investimento e de crédito apropriados para a realidade dos negócios comunitários sustentáveis (Convergence, 2020) O acesso ao capital propicia, a partir de sua aplicação produtiva, a implementação de processos organizacionais que levam ao desenvolvimento desses negócios, tais como acesso a novos mercados, conhecimento e tecnologia, atração e retenção de talentos e ampliação de parcerias e da rede de relacionamentos.

Os investimentos híbridos são particularmente adequados para empreendimentos que estão no momento de crescimento para ganhar escala, isto é, quando já possuem um histórico satisfatório de prototipagem, de resultados e de remodelação – fatores que contribuem para apontar, minimamente, a viabilidade econômica do negócio, reduzindo incertezas quanto ao prosseguimento de seus rendimentos futuros. Em comparação com empreendimentos em fases muito iniciais de concepção e prototipagem, os custos de transação de empreendimentos ligeiramente mais estruturados também são menores, o que reduz o tempo necessário de investimento não reembolsável em relação ao investimento reembolsável no momento de composição do investimento híbrido, sendo, assim, mais atraentes aos credores e investidores.

Outra fonte de recursos para a bioeconomia são aqueles destinados ao crédito público, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), no caso do Brasil, que oferece taxas muito vantajosas para o tomador de crédito. Contudo, uma parcela insignificante do Pronaf, tanto de custeio, quanto de investimento, segue para os negócios rurais de impacto socioambiental, geralmente ligados ao extrativismo de produtos da floresta ou a agroextrativismo, sistema agroflorestal, produtos orgânicos ou em transição para uma produção mais sustentável. Ou seja, são negócios que têm um papel crucial na manutenção da vegetação nativa e na transição para uma bioeconomia da floresta em pé.

Nesse sentido, os investimentos híbridos podem também ser estratégicos como ponte para que os negócios comunitários acessem o Pronaf, deixando essa carteira mais sustentável em todo Brasil. Tais recursos de investimentos híbridos podem, por exemplo, compor veículos financeiros que realizam operações que ajudam a estimular o uso do crédito rural, como garantia complementar, aval ou recuperação de crédito.

O papel das políticas públicas

Na Amazônia brasileira, os negócios comunitários não possuem lugar de destaque para combater o desmatamento, nem nas políticas públicas, tampouco como estratégia privada.

O plano de controle de desmatamento da Amazônia (PPCDAM) não conseguiu avançar em seu terceiro eixo de arranjos produtivos sustentáveis e seu potencial é subutilizado para criar uma lógica econômica que gere não somente aumento de renda a partir da biodiversidade e do carbono, mas também a “economia da resistência” – prova do conceito de que esses negócios ativados fortalecem a resiliência dessas comunidades e os direitos sobre esses territórios.

Comunidades desprovidas de um nível adequado de renda são mais propensas a abandonar ou a serem expulsas de suas terras, migrarem para favelas urbanas e, desse modo, permitir o avanço do desmatamento e das emissões pelo agronegócio e especulação fundiária. Portanto, todos esses elementos precisam ser conectados, sendo que as políticas públicas de fomento à agricultura familiar sustentável e à bioeconomia da floresta precisam de ter um objetivo claro de transformação desse ecossistema de negócios de impacto rural.

Isso implica mudar o foco do crédito, ter regras mais claras no campo fundiário, como também mudar a relação de empresas e universidades com o conhecimento tradicional. É também necessário ter mais transparência e constância nas políticas de fomento (compras institucionais e preços mínimos), estimular novos arranjos para maior capacidade de processamento e agregação de valor. Cabe aos estados incluírem em sua estratégia de atração de empreendimentos aqueles que fomentem o desenvolvimento das cadeias de produtos do agroextrativismo, incluindo nessa estratégia uma política tributária que possa desonerar esses negócios e, por fim, ajudar a criar ambiência para que novos negócios em torno da bioeconomia possam se estruturar.

Isso passa por um trabalho com ciência e tecnologia e por envolvimento das comunidades que conhecem e vivem na floresta. Isso também passa pela criação de um ambiente que estimule o ecossistema de inovação e de empreendedorismo. A retomada do Fundo Amazônia poderia ser um instrumento muito bem-vindo para impulsionar o desenvolvimento mais estruturado da bioeconomia na região da Amazônia e em outros biomas do Brasil.


[1] FAO defines bioeconomy as the production, utilization and conservation of biological resources, including related
knowledge, science, technology, and innovation, to provide information, products, processes and services across
all economic sectors aiming toward a sustainable economy.

[2] http://www.obt.inpe.br/OBT/noticias-obt-inpe/a-taxa-consolidada-de-desmatamento-por-corte-raso-para-os-nove-
estados-da-amazonia-legal-ac-am-ap-ma-mt-pa-ro-rr-e-to-em-2019-e-de-10-129-km2

[3] Ecossistema de negócios é um conceito que se origina da biologia e que nesse contexto significa a interdependência de papéis para que o sistema funcione apropriadamente (Cruz, Quitério, Scretas, 2018). É um termo comumente usado quando se refere a investimentos de impacto socioambiental.

[4] Mercados institucionais são aqueles provenientes de programas de compras públicas, como, por exemplo, PNAE, destinado às escolas públicas, e PAA. Mas, existem mercados institucionais que se originam de universidades, exército e outros órgãos públicos.

[5] Financiamento híbrido é o uso estratégico de recursos financeiros para desenvolvimento para a mobilização de financiamento privado adicional em prol do desenvolvimento sustentável https://www.oecd.org/dac/financing-
sustainable-development/blended-finance-principles/
.

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Como enfrentar os incêndios florestais na Amazônia?

Em artigo recentemente publicado no International Journal of Disaster Risk Reduction, Pismel, et al., discutem a governança de incêndios florestais na fronteira tri-nacional do sudoeste da Amazônia.

Os incêndios florestais são um perigo crescente nessa fronteira, conhecida como região MAP, composta por Madre de Dios (Peru), Acre (Brasil), e Pando (Bolívia). Segundo os autores, a compreensão da governança dos incêndios florestais é fundamental para as estratégias de redução do risco de desastres. Assim, o artigo analisa as percepções sobre vulnerabilidades e capacidades regionais a partir de quatro eixos: i) conhecimento do risco; ii) monitoramento; iii) educação e comunicação; e iv) prevenção e resposta a desastres. 

A conclusão aponta para uma área com múltiplas vulnerabilidades, tais como organizações fracas, diálogo reduzido entre governos e sociedade, avanço da fronteira agrícola e aumento dos extremos climáticos. 

Em um esforço para reverter esse quadro, os pesquisadores vêm contribuindo, no âmbito do projeto MAP-FIRE, para a construção de uma série de ferramentas para ampliar as capacidades organizacionais e envolver as comunidades locais na prevenção de desastres. Segundo artigo recente publicado pela Agência FAPESP, entre as ferramentas desenvolvidas pelo grupo encontram-se uma plataforma de monitoramento dos riscos de desastre e um livro didático, voltado para a formação de professores.

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Nota técnica publicada pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação Sedecti do estado do Amazonas

A nota é resultado de um extenso trabalho de escuta ativa realizado por meio de ações coordenadas pela Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti) da Sedecti.  “Esse conceito sobre bioeconomia, que está em processo de construção da política estadual sobre esse tema, vem após a interlocução de vários atores e o próximo passo será a aprovação da lei para o segmento no Amazonas”. Secretária executiva da Secti, Tatiana Schor

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