Problema de pesquisa
Reduzir o desmatamento tropical para conservar a biodiversidade e regular o clima é uma meta global para mitigar os efeitos das mudanças climáticas (Sonter et al., 2017). O desmatamento e a degradação florestal criam intrinsecamente grandes desafios na governança ambiental, pois, além de afetar diretamente o bem-estar humano, são processos complexos, baseados em políticas e interesses geopolíticos divergentes de múltiplos atores em vários níveis (Lambin, Geist, & Lepers, 2003).
Por isso, desenvolvimento sustentável na Amazônia demanda novas formas de atribuir valor econômico aos recursos naturais, com a participação dos atores locais, e que apresentem potencial de competir com a exploração predatória da madeira, da pecuária e da soja. Além do desmatamento, os núcleos urbanos inchados são um dos principais problemas da Amazônia, pois abrigam muitos indivíduos sem acesso à saúde, ao saneamento, ao emprego e à renda (Becker, 2005).
A parte brasileira do bioma amazônico, região com 28 milhões de habitantes marcada pelas taxas mais baixas de acesso a água tratada e coleta de esgoto no país, abrange cerca de 60% do território brasileiro, e detém a maior bacia hidrográfica do planeta, com 20% das águas fluviais. No entanto, responde por apenas 8,6% do PIB nacional. A população enfrenta o custo da inação do poder público, onde estados da Amazônia apresentam os mais baixos índices de desenvolvimento socioeconômico do país (Marcovitch & Pinsky, 2019).
Nas décadas de 1960 a 1980, profundas mudanças estruturais ocorreram na Amazônia, envolvendo interesses divergentes e diversos atores da sociedade civil organizada, governos subnacionais e a cooperação internacional. Seu desenvolvimento e povoamento alinharam-se ao paradigma da relação sociedade
natureza, denominado economia de fronteira (ver Boulding 1966), onde o crescimento econômico é linear e infinito, baseado na exploração da terra e dos recursos naturais, percebidos também como infinitos. Esse modelo de desenvolvimento econômico gerou conflitos que dificultaram a implementação de políticas públicas adequadas. Assim, a quebra desse paradigma, por meio de políticas adequadas de consolidação do desenvolvimento que compatibilize o crescimento econômico com a conservação dos recursos naturais e a inclusão social, é um imperativo para a região amazônica (Becker, 2005).
Apesar dos grandes avanços nas últimas décadas com o Código Florestal e políticas de comando e controle para reduzir o desmatamento na Amazônia, a questão de manter a capacidade sustentável da floresta ainda não foi solucionada e demanda uma verdadeira revolução científico-tecnológica que estabeleça cadeias tecnoprodutivas com base na biodiversidade, desde as comunidades da floresta até os centros da tecnologia avançada. Além disso, é preciso fortalecer as instituições locais, investir em ciência, tecnologia e inovação, além da regionalizar as estratégias para esse fim (Becker, 2005).
A evolução expressiva de algumas cadeias produtivas, como é o caso do açaí, é acompanhada pelo desconhecimento do potencial de muitos produtos florestais não-madeireiros da Amazônia. Estudos empíricos que identifiquem o potencial de outros produtos e cadeias setoriais são importantes para influenciar gestores públicos, produtores rurais e outros atores econômicos de que pode ser mais rentável extrair de modo sustentável do que desmatar (Zorzetto, 2019). E o desenvolvimento de cadeias competitivas sustentáveis leva ao desenvolvimento econômico e bem-estar humano das comunidades na região amazônica.
Políticas públicas na região amazônica devem incentivar o desenvolvimento econômico local, e aproveitar o potencial do uso sustentável das florestas e da pesca para gerar emprego e renda. Estima-se que mais de 525 mil indivíduos (em tempo integral) foram empregados diretamente na colheita e processamento de produtos florestais em 2005, e 115 mil na pesca na Amazônia brasileira. No entanto, a renda gerada é muito baixa, assim como o estímulo ao crescimento desses setores. A transformação de cadeias de valor é fundamental para melhorar a renda e realizar o potencial da região amazônica para prosperar em uma economia verde (Bento, Ferreira, & Poschen, 2019).
As cadeias produtivas com base na biodiversidade emergem como uma alternativa ao uso sustentável de recursos da biodiversidade amazônica, e com considerável potencial para geração de renda e empregos verdes. Essas cadeias, além de serem muito fragmentadas, enfrentam sérios problemas logísticos na região como um todo, sendo esse um dos principais desafios para desenvolvimento e competitividade. A incipiência no desenvolvimento das cadeias da biodiversidade na Amazônia é decorrente do baixo desempenho logístico, que envolve: transporte, sistemas e tecnologia, instalações e estoques (Melo, Moreira, & Alencar, 2010).
Adicionalmente, problemas relacionados à falta de infraestrutura, condições de trabalho, e armazenamento de produtos que necessitam da cadeia do frio, por exemplo, são fatores inibidores para a competitividade das cadeias setoriais na região amazônica. Um exemplo é a cadeia da piscicultura, onde os desafios logísticos que envolve desde a pesca e produção até a distribuição nos grandes centros de consumo leva à falta de interesse de vários produtores. Segundo dados da Secretaria Executiva de Pesca e Aquicultura (SEPA), o estado do Amazonas importa 58% do pescado que consome por ano. De um total de 60 mil toneladas de pescado consumidos em 2018 no Amazonas, 35 mil vieram de Rondônia e Roraima. As 25 mil toneladas restantes vieram de produtores locais, principalmente do entorno de Manaus. Cerca de 3.500 produtores atuam na atividade de piscicultura com a geração de renda para 10 mil pessoas direta e indiretamente (Cavalcante, 2019, 14 de abril).
Complementarmente, a crise sanitária de 2020 impõe muitos desafios e apresenta novos cenários econômicos e sociais que decorrem da pandemia. Estes cenários repercutem de forma significativa nas atividades das empresas da Zona Franca de Manaus. Assim, alternativas de geração de renda e emprego, em especial nas comunidades mais vulneráveis da Amazônia, se apresentam como uma ação prioritária para a recuperação da economia e elevação do bem-estar humano. Nesse contexto desafiador, os produtos da biodiversidade têm potencial significativo para contribuir para segurança alimentar e desenvolvimento socioeconômico da região.
É nesse contexto de busca pelo equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental que a temática “Amazonas e suas Fronteiras”, na subárea “Alternativas de Trabalho e Renda”, objeto da chamada de propostas da FAPEAM-FAPESP, emerge como prioridade na Amazônia brasileira. O objetivo geral desta pesquisa é identificar fatores críticos para elevar a competitividade de cadeias produtivas com base na biodiversidade no Estado do Amazonas, com alto potencial de consumo no Estado de São Paulo. Os objetivos específicos são:
- Identificar os principais componentes das cadeias produtivas com base na biodiversidade;
- Identificar ações para elevar a competitividade das cadeias produtivas tendo como premissas, segurança alimentar, a geração de emprego e renda além da educação para a cidadania;
- Harmonizar a geração de renda e emprego com o uso de novas tecnologias nas cadeias produtivas com base na biodiversidade;
- Levantar os canais de distribuição, logística e comercialização para assegurar a distribuição e os serviços pós-venda destes produtos no Estado de São Paulo;
- Engajar os agentes das cadeias produtivas na elaboração e execução da pesquisa para viabilizar a implementação dos resultados;
- Propor políticas públicas de abrangência regional e setorial para elevar a competitividade das cadeias produtivas com base na biodiversidade.
Disseminação e avaliação
Os resultados do Projeto serão avaliados sistematicamente pelos pesquisadores responsáveis (São Paulo e Manaus), que definirão o cronograma de entregas e reuniões de acompanhamento presenciais e virtuais no início do estudo. Durante a fase de planejamento da pesquisa serão definidas métricas de acompanhamento e resultados do Projeto em cada etapa, conforme cronograma de execução proposto. O Projeto prevê o desenvolvimento de uma metodologia de monitoramento de resultados e impacto. Como o estudo tem um limite de execução de dois anos, o que dificulta a medição de impacto, pretende-se criar um sistema de métricas de impacto e medição de resultados na geração de renda e empregos verdes. Essa metodologia será transferida para uma entidade que tenha disponibilidade para estabelecer um “Observatório de Emprego Verde e Renda”. Adicionalmente, pretende-se disseminar os resultados do Projeto da seguinte forma:
Capacitação de pessoal
Será desenvolvida uma metodologia para viabilizar um processo de capacitação de pessoal em duas frentes: empreendedores comunitários e pesquisadores. Um programa de capacitação de empreendedores comunitários será desenvolvido com foco na melhoria da gestão dos empreendimentos e desenvolvimento dos elos da cadeia setorial, tendo por base esta linha de pesquisa da FEAUSP. Para isso será oferecida uma edição do curso “Pioneirismo e Educação Empreendedora” da FEAUSP. A metodologia e conteúdo deste curso de extensão, a distância e presencial, estão detalhados na obra http://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/192. Além disso, o conhecimento sistematizado do estudo será transferido para pesquisadores que queiram multiplicar a metodologia para o estudo de outras cadeias da biodiversidade na região amazônica.
Artigos científicos e casos de ensino
Serão elaborados artigos científicos em diversas etapas do Projeto. Estes serão submetidos para congressos científicos e periódicos nacionais e internacionais de alto impacto. Todos os conteúdos serão disponibilizados por meio desse website. Será elaborado pelo menos um caso de ensino para cada cadeia produtiva pesquisada, com base nos resultados do Projeto, para a utilização no contexto do ensino de graduação, pós-graduação e extensão.
Livro | Publicação
Será concebido, organizado e editado um livro com resultados do Projeto com o objetivo de disseminar o conhecimento gerado, e influenciar o aprimoramento de políticas públicas na Amazônia com foco no fomento de geração de emprego e renda por meio do desenvolvimento de cadeias produtivas sustentáveis e competitivas. Essa publicação será acessível digitalmente pelos públicos de interesse, em especial integrantes do setor público nos níveis subnacional e municipal. O setor privado também receberá a publicação do Projeto, em especial empresas que atuam no bioma amazônico e que buscam o desenvolvimento de negócios sustentáveis nas suas cadeias de valor, pautados pela preservação ambiental, justiça social, e princípios de uma boa governança (fatores ESG).
Workshops
Serão organizados dois workshops com integrantes de organizações públicas e privadas. O primeiro workshop será realizado no início do Projeto com o objetivo de envolver atores que serão usuários dos resultados do estudo, conforme já detalhado na Tabela 1. O segundo workshop terá como objetivo apresentar os resultados do Projeto e discutir alternativas de geração de renda e emprego verde em cadeias setoriais sustentáveis na Amazônia.
Vídeos documentários dos casos
Produção de vídeos dos casos estudados para divulgação ampla dos resultados da Pesquisa, por meio da disseminação de melhores práticas no desenvolvimento de cadeias setoriais competitivas, com foco no fomento de atividades alternativas de geração de renda e emprego. Os vídeos documentários serão disponibilizados em canais institucionais da USP e Inpa para serem utilizados por docentes em aulas ou com pesquisadores.
Divulgação científica
Distribuição de aviso de pauta com os principais resultados do Projeto para os seguintes veículos: Agência FAPESP, FAPEAM, Jornal da USP, jornais de circulação local e nacional, blogs e jornais eletrônicos relacionados ao tema do estudo.
Contribuição dos pesquisadores parceiros nos estados
Os pesquisadores responsáveis por essa proposta colaboram na esfera da pesquisa e do desenvolvimento de competências há mais de 10 anos. Recentemente, no período 2018-2019, coube aos pesquisadores responsáveis deste projeto, a convite da Universidade de Salamanca (USAL), a concepção e edição do Dossiê Bioma Amazônia. Este dossiê publicado na Revista de Estudios Brasileños (REB) da USAL teve seu lançamento realizado em dois seminários. O primeiro foi realizado na Espanha em janeiro de 2019, na USAL, e o segundo no Brasil, em março de 2019 na USP.
Outra iniciativa que reuniu instituições do Estado do Amazonas entre as quais a UEA, o INPA e do Estado de São Paulo foi a concepção e realização em 2018 com o apoio da FAPEAM do AMAS – I Congresso de Gestão da Amazônia (https://amasconference.com/). E neste contexto de colaboração profícua e duradoura que foi concebido este projeto integrando através de novos instrumentos digitais de interação a distância, as equipes de Manaus e de São Paulo. Os encontros periódicos das equipes permitiram delinear objetivos e atividades que serão operacionalizadas por meio de uma articulação permanente entre os pesquisadores e suas equipes, em linha com o cronograma de trabalho. Esta articulação irá viabilizar o engajamento as suas redes nacionais e internacionais de pesquisa para trazer contribuições consistentes na execução da pesquisa e gerar impactos mensuráveis quando da disseminação dos resultados.
A equipe de São Paulo contribuirá com suas competências consolidadas em três vertentes. O primeiro é a cooperação da FEAUSP com a UEA por meio do Dinter CAPES 2017/2022 que almeja a formação de professores doutores no desenvolvimento de pesquisas conjuntas, além da formação de multiplicadores para capacitação de docentes. Essa cooperação será estendida para esse projeto, com o engajamento de doutorandos e docentes da UEA na realização da pesquisa de campo no Amazonas. A segundo vertente é o engajamento dos
pesquisadores que colaboram com a disciplina EAD 5978 Governança Ambiental, ministrada no curso de pós-graduação da FEA USP. Estes pesquisadores incluem entre outros Ana Maria Nusdeo (FD/USP), Jean Ometto (INPE), José Goldemberg (IEE/USP), Ludmila Pugliese (Pacto pela Restauração da Mata Atlântica), Pedro Brancalion (Esalq/USP), Paulo Artaxo (IF/USP) e Vera Lucia Imperatriz Fonseca (IB/USP). A terceira vertente aporta ao projeto a experiência acumulada no Programa Pioneirismo e Educação Empreendedora que visa capacitar multiplicadores na esfera do empreendedorismo. Assim, a contribuição será o desenvolvimento de competências que levam a uma mentalidade empreendedora nas 4 cadeias setoriais que são objetos de estudo da proposta.
A equipe de Manaus conta com participação de pesquisadores da UEA, do IFET-AM e da FAS, com experiência de campo da concepção e execução de projetos e estudos sobre as cadeias do açaí e castanha do Brasil, que são unidades de análise da pesquisa proposta. Adicionalmente, o pesquisador responsável em Manaus é coordenador do LEEM – Laboratório de Ecofisiologia e Evolução Molecular do INPA. Sua equipe produz informações científicas e de fronteira do conhecimentos sobre piscicultura, aquicultura e recursos pesqueiros que serão disponibilizadas aos pesquisadores dessa proposta para o estudo da cadeia do pirarucu. Prof. Val foi co-orientador da pesquisa de doutorado sobre a cadeia do pirarucu de uma das pesquisadoras associadas a essa proposta, que teve como orientador principal o prof. Marcovitch. Essa colaboração propiciou a proposta de um modelo teórico que será utilizado como base para o estudo das unidades de análise dessa pesquisa. Essa proposta vai se beneficiar da rede internacional do pesquisador responsável que é um dos líderes do desenvolvimento científico do IPPC da Amazônia que será lançado no próximo ano, além de pertencer à rede SDSN – Sustainable Development Solutions Network na Amazonia). Em complemento, integra a equipe do INPA o Prof. Peter Poschen, autor de várias obras dedicadas ao estudo da geração de emprego e renda entre as quais ”Decent Work, Green Jobs and the Sustainable Economy”
A experiência dos dois pesquisadores responsáveis, suas pesquisas realizadas e em andamento tem contribuído para o desenvolvimento científico e tecnológico dos Estados do Amazonas e de São Paulo. Esta competência consolidada constitui a base dos estudos das 4 cadeias produtivas com base na biodiversidade no estado do Amazonas e alto potencial de consumo no estado de São Paulo. Em complemento, almeja-se à formação e o fortalecimento destas redes de pesquisa colaborativa nos Estados do Amazonas e de São Paulo.