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Arqueologia na Amazônia e o futuro da floresta

A utilização de tecnologias avançadas, como sensoriamento remoto, imagens de satélite, drones e análises de dados geoespaciais, tem permitido aos arqueólogos mapear e estudar áreas extensas da Amazônia de forma mais eficiente e detalhada. Pesquisas arqueológicas continuam a estudar a relação entre as populações humanas antigas e o ambiente incluindo padrões de assentamento, uso da terra, práticas agrícolas. A descoberta e documentação de arte rupestre e outros tipos de estruturas como geoglifos e antigas estradas, fornecem uma visão sobre as culturas e sociedades antigas que habitavam a região, bem como suas práticas culturais, religiosas e econômicas. O fato de a região ter sido um polo de desenvolvimento independente de cerâmica, cultivo de espécies vegetais e de adensamento populacional, indica que os povos que habitavam essa região no passado encontraram soluções para estes problemas condizentes com as condições climáticas e as características da paisagem da Amazônia.

Além das contribuições para a proteção e preservação do patrimônio arqueológico da Amazônia, à medida que a região enfrenta pressões de desenvolvimento, desmatamento, mineração e outras atividades que podem impactar sítios arqueológicos e artefatos culturais, os estudos arqueológicos na Amazônia também contribuem para a compreensão das mudanças climáticas passadas e da história ambiental da região, fornecendo dados sobre variações climáticas, padrões de ocupação humana e adaptações às condições ambientais em evolução.


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Bioeconomia indígena: saberes ancestrais e tecnologias sociais

A obra discute os diferentes significados de “economia” para os povos indígenas, oferecendo uma perspectiva 

sobre como se relacionar com os com arranjos produtivos e atividades econômicas voltados à prosperidade na Amazônia.

Acesse o documento completo em: https://concertacaoamazonia.com.br/estudos/bioeconomia-indigena/

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Por uma bioeconomia inclusiva e que mantenha em pé a floresta

CARINA PIMENTA – diretora-executiva da Conexsus (Instituto
Conexões Sustentáveis) e ANDREA AZEVEDO – diretora de
Desenvolvimento Institucional da Conexsus.

Publicado na Revista Interesse Nacional. Ano 13 • edição especial 01 • bioeconomia • agosto 2020

A Organização das Nações Unidas para Agricultura e alimentação (FAO) define bioeconomia como produção, utilização e conservação de recursos biológicos, incluindo conhecimento, ciência, tecnologia e inovação para disponibilizar informação, produtos, processos e serviços para todos os setores econômicos que buscam uma economia sustentável [1]. Quando falamos de bioeconomia, sobretudo em um contexto de sustentabilidade ambiental e social, estamos falando de uma economia que deve ser capaz de usar a riqueza natural de maneira sustentável, para que esses resultados se traduzam em dois benefícios principais: a) conservação dos biomas naturais e seus recursos; b) na melhoria do bem-estar das populações que vivem da/na floresta e que detêm muito conhecimento sobre ela. Não é possível chegar a essa bioeconomia inclusiva sem a presença e a participação ativa dessas comunidades.

Ainda hoje, a floresta é vista por muitos como empecilho para o desenvolvimento – os números do desmatamento da Amazônia voltaram a subir pela primeira vez desde 2005, tendo chegado a mais de 10.000 km2 em 2019, uma alta de 34% em relação a 2018 [2]. A biodiversidade dos biomas brasileiros, de maneira especial da Amazônia e do Cerrado, é subestimada em relação ao potencial econômico que pode oferecer.

É premente e muito importante que a sociedade, no seu conjunto (Estado, empresas privadas, instituições financeiras, investidores de impacto, sociedade civil e movimentos sociais), cada um desempenhando papéis específicos e complementares, consiga implementar um novo caminho de desenvolvimento e de crescimento econômico no qual o desmatamento não seja protagonista. A primeira lição que aprendemos é que não existe um modelo pronto (embora haja vários caminhos), portanto, teremos que construí-lo, devendo essa ser uma prioridade para o país.

Um dos pilares desse modelo é o fortalecimento de uma vibrante e inovadora economia da floresta em pé. Hoje a economia extrativista e agroextrativista poderia ser muito mais eficiente e beneficiada com mais conexões: com mercados que querem esses produtos; com mais tecnologia e conhecimento para agregar valor às cadeias da floresta; com o florescimento de um processo industrial da quarta geração que usa tecnologias inteligentes e muito menos intensivas em energia (Nobre e Nobre, 2018; Homma, 2018); e com crédito, que no Brasil é altamente subsidiado, mas que na Amazônia tem 85% do seu fluxo indo para a pecuária de baixa produtividade (Pinto e Azevedo, 2017).

Para falarmos desse ecossistema de negócios [3] da bioeconomia, vamos fazer considerações sobre as lacunas que precisam ser preenchidas para o florescimento dessa economia da floresta, por meio da análise de quatro eixos centrais: o desenvolvimento de negócios comunitários e do empreendedorismo territorial; a conexão com o mercado; o financiamento e os investidores de impacto e o papel das políticas públicas.

O desenvolvimento de negócios comunitários e do empreendedorismo territorial

Os negócios comunitários na Amazônia ou em qualquer outro bioma brasileiro são empreendimentos que se dedicam ao uso sustentável do solo e dos recursos naturais, à preservação e recuperação das florestas e à valorização dos ativos socioambientais e, assim, contribuem para a preservação do meio ambiente e da sociobiodiversidade. São cooperativas, associações de produtores, indígenas, quilombolas, extrativistas e outras populações tradicionais ou outras formas associativas de organização comercial e social que geram receita, trabalho e renda para as comunidades envolvidas. Atuam em cadeias produtivas, como as relacionadas à alimentação saudável e sustentável, aos sistemas agroflorestais, à sociobiodiversidade e ao extrativismo, à pesca artesanal sustentável, ao manejo florestal comunitário e ao turismo de base comunitária.

Essas organizações estão presentes em todo o Brasil, sendo que um número significativo está localizado na Amazônia e em unidades de conservação de uso sustentável. Esses empreendimentos se encontram em vários estágios de maturidade: há um grande número de iniciativas ainda incipientes e outras em vias de consolidação ou mais avançadas. Muitas organizações ainda sofrem com a baixa agregação e captura de valor dentro das cadeias produtivas. Adicionalmente, muitas convivem sob pressões e ameaças relacionadas a fatores como a expansão do agronegócio, problemas fundiários, desmatamento, entre outros.

Após amplo mapeamento feito pela Conexsus, em 2018, sobre negócios comunitários, os dados mostraram que 71% das organizações econômicas (736) têm receitas declaradas abaixo de R$600 mil/ano em todo o Brasil (Desafio Conexsus, 2018). Além disso, poucas dessas cooperativas acessam mercados privados (B2B), sendo que a maioria vende direto ao consumidor em feiras ou em outras frentes mais informais. Portanto, os negócios sustentáveis ligados à sociobiodiversidade geram menos benefícios econômicos, sociais e ambientais do que poderiam. Consequentemente, isso limita suas contribuições à proteção de florestas e biomas e à transição para uma economia de baixo carbono, gerando pouco bem-estar social para as populações e municípios com altas quantidades de florestas.

As organizações sociais são muito importantes para que a agregação de valor e a distribuição mais justa entre as comunidades aconteça. Portanto, o apoio aos negócios comunitários (associações e cooperativas) geridos por essas organizações sociais deve ser uma prioridade das políticas públicas e deveria ser um alvo de investimento para os negócios privados que querem gerar mais impacto social em suas cadeias de fornecedores. Ao fortalecer os negócios, fortalecemos a resiliência social e econômica dessas comunidades, que possuem lutas importantes em relação a direitos ao território e à manutenção de seus meios de vida.

Portanto, melhorar os negócios pressupõe melhorar a organização social. De modo que o fortalecimento desses negócios comunitários de impacto socioambiental torna-se estratégico para o desenvolvimento de uma bioeconomia inclusiva no país.

Um primeiro movimento que se espera é o desenvolvimento desses negócios por meio do trabalho mais sistemático e eficaz na formação de suas lideranças e da cooperação, envolvendo os cooperados e associados nas decisões da organização. A melhoria das competências para áreas de gestão, governança e comercialização (estratégias de mercado), assim como a atitude empreendedora, principalmente ampliando as lideranças femininas e jovens, deve ser um foco de investimentos tanto das políticas públicas, como de organizações de filantropia e multilaterais de desenvolvimento.

Esse deve ser um movimento em escala, para além dos pilotos bem-sucedidos em alguns territórios. A consolidação de uma bioeconomia inclusiva requer que centenas de negócios comunitários ampliem sua sustentabilidade econômica e que, assim, contribuam para a ampliação dos seus impactos socioambientais.

O papel dos mercados

O mercado dos produtos da sociobiodiversidade ainda apresenta inúmeras limitações, das quais muitas estão ligadas às características dos produtos florestais extrativos, que possuem: alta perecibilidade e uma logística de escoamento complicada, escala de produção em geral baixa e instável, preços baixos, mercado variável e desorganizado (e por vezes oligopolizado ou realizado por atravessadores), reduzido nível tecnológico aplicado, baixo incentivo fiscal, dentre outras (MMA, 2017).

Muitos desses negócios – por conta dessas restrições e, de forma mais específica, por conta da logística – acabam restringindo-se ao âmbito local e/ou aos institucionais[4]. Quando alcançam mercados mais formais e exigentes, existem várias lacunas a serem superadas e a cadeia, muitas vezes, é tão longa que dificilmente o extrativista e o agricultor alcançam ou conhecem seu mercado final.

Contudo, muitos desses negócios comunitários querem expandir seus mercados, inclusive exportando para outros países. Por outro lado, há uma pressão de consumidores por produtos mais saudáveis, mais naturais e que tenham uma origem conhecida, com respeito a práticas que conservem o meio ambiente e observem as regras trabalhistas. Ou seja, há um trabalho de “aproximação e matching” entre esses dois universos que deve ser muito mais dinamizado.

A Conexsus e seus parceiros fizeram, em 2019, um levantamento de empresas privadas para identificar aquelas
que gostariam de comprar produtos da bioeconomia ou produtos agrícolas sustentáveis. Foram identificadas 250 empresas com potencial de comprar uma diversidade desses produtos e 82 empresas que declararam as suas necessidades, apontando demanda por 290 produtos.

Apontaram também suas “dores e preocupações” na compra direta desses negócios comunitários. Conclui-se que a maioria, sobretudo empresas maiores e mais rígidas em relação aos requerimentos requisitados, não está preparada para comprar diretamente dos negócios comunitários e acaba recorrendo a intermediários.

Uma parte considerável não conhece a realidade de funcionamento dos negócios comunitários, tornando esse
trabalho de sensibilização e informação bastante relevante. É preciso ressaltar que muitas empresas privadas necessitam de um modelo de compras mais adaptado às necessidades desses negócios. E, por fim, para muitas cadeias baseadas na floresta é necessário que as empresas/indústrias estejam dispostas a apoiar uma parte do seu desenvolvimento para identificar novos ingredientes ou garantir uma produção com mais qualidade e frequência.

Esse investimento em inovação e pesquisa e desenvolvimento deve ser ampliado tanto do lado de compradores que querem diferenciar seus produtos, quanto da perspectiva dos negócios comunitários, que pode buscar um valor adicionado aos seus produtos. Iniciativas como Amazônia 4.0 pretendem agregar muito valor à produção a
partir do uso de novas tecnologias nos negócios comunitários e de empreendedores que querem apostar na bioeconomia da floresta em pé. Esse ponto é muito importante para a expansão de mercados com maior valor adicionado para quem tem seus negócios baseados na floresta.

Ou seja, embora haja um trabalho a ser perseguido para que essas lacunas sejam superadas, há, de fato, um movimento que tem levado grandes e médias empresas a chegarem mais perto dos produtores de suas matérias-primas. Do lado da oferta, há um movimento para agregar mais valor aos produtos, melhorar a qualidade e trabalhar mais em rede para atender a diversos requisitos ou arranjos que uma cooperativa ou associação, sozinha, não consegue. Portanto, entendemos que o caminho e o momento são de convergência para uma aproximação das pontas de diversas cadeias de valor.

Financiamento

A contração de financiamento tem sido um constante desafio entre os negócios comunitários de impacto socioambiental. Contratos elaborados pelas tradicionais instituições financeiras são pouco adaptados ao contexto florestal, marcado por um reduzido acesso a informações financeiras, reduzido número de títulos definitivos de propriedade e uma ausência de arranjos de financiamento alternativos para a mitigação das incertezas dos credores quanto à gestão e à transparência da aplicação dos recursos emprestados. Em paralelo, os recursos de filantropia não são suficientes para gerar as transformações necessárias em empreendimentos socioambientais no sentido de torná-los sustentáveis do ponto de vista econômico.

Nesse contexto, combinar investimento filantrópico com investimento reembolsável em um modelo de investimento híbrido (blended finance[5]) parece uma alternativa capaz de destravar recursos financeiros para viabilizar a estruturação de veículos de investimento e de crédito apropriados para a realidade dos negócios comunitários sustentáveis (Convergence, 2020) O acesso ao capital propicia, a partir de sua aplicação produtiva, a implementação de processos organizacionais que levam ao desenvolvimento desses negócios, tais como acesso a novos mercados, conhecimento e tecnologia, atração e retenção de talentos e ampliação de parcerias e da rede de relacionamentos.

Os investimentos híbridos são particularmente adequados para empreendimentos que estão no momento de crescimento para ganhar escala, isto é, quando já possuem um histórico satisfatório de prototipagem, de resultados e de remodelação – fatores que contribuem para apontar, minimamente, a viabilidade econômica do negócio, reduzindo incertezas quanto ao prosseguimento de seus rendimentos futuros. Em comparação com empreendimentos em fases muito iniciais de concepção e prototipagem, os custos de transação de empreendimentos ligeiramente mais estruturados também são menores, o que reduz o tempo necessário de investimento não reembolsável em relação ao investimento reembolsável no momento de composição do investimento híbrido, sendo, assim, mais atraentes aos credores e investidores.

Outra fonte de recursos para a bioeconomia são aqueles destinados ao crédito público, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), no caso do Brasil, que oferece taxas muito vantajosas para o tomador de crédito. Contudo, uma parcela insignificante do Pronaf, tanto de custeio, quanto de investimento, segue para os negócios rurais de impacto socioambiental, geralmente ligados ao extrativismo de produtos da floresta ou a agroextrativismo, sistema agroflorestal, produtos orgânicos ou em transição para uma produção mais sustentável. Ou seja, são negócios que têm um papel crucial na manutenção da vegetação nativa e na transição para uma bioeconomia da floresta em pé.

Nesse sentido, os investimentos híbridos podem também ser estratégicos como ponte para que os negócios comunitários acessem o Pronaf, deixando essa carteira mais sustentável em todo Brasil. Tais recursos de investimentos híbridos podem, por exemplo, compor veículos financeiros que realizam operações que ajudam a estimular o uso do crédito rural, como garantia complementar, aval ou recuperação de crédito.

O papel das políticas públicas

Na Amazônia brasileira, os negócios comunitários não possuem lugar de destaque para combater o desmatamento, nem nas políticas públicas, tampouco como estratégia privada.

O plano de controle de desmatamento da Amazônia (PPCDAM) não conseguiu avançar em seu terceiro eixo de arranjos produtivos sustentáveis e seu potencial é subutilizado para criar uma lógica econômica que gere não somente aumento de renda a partir da biodiversidade e do carbono, mas também a “economia da resistência” – prova do conceito de que esses negócios ativados fortalecem a resiliência dessas comunidades e os direitos sobre esses territórios.

Comunidades desprovidas de um nível adequado de renda são mais propensas a abandonar ou a serem expulsas de suas terras, migrarem para favelas urbanas e, desse modo, permitir o avanço do desmatamento e das emissões pelo agronegócio e especulação fundiária. Portanto, todos esses elementos precisam ser conectados, sendo que as políticas públicas de fomento à agricultura familiar sustentável e à bioeconomia da floresta precisam de ter um objetivo claro de transformação desse ecossistema de negócios de impacto rural.

Isso implica mudar o foco do crédito, ter regras mais claras no campo fundiário, como também mudar a relação de empresas e universidades com o conhecimento tradicional. É também necessário ter mais transparência e constância nas políticas de fomento (compras institucionais e preços mínimos), estimular novos arranjos para maior capacidade de processamento e agregação de valor. Cabe aos estados incluírem em sua estratégia de atração de empreendimentos aqueles que fomentem o desenvolvimento das cadeias de produtos do agroextrativismo, incluindo nessa estratégia uma política tributária que possa desonerar esses negócios e, por fim, ajudar a criar ambiência para que novos negócios em torno da bioeconomia possam se estruturar.

Isso passa por um trabalho com ciência e tecnologia e por envolvimento das comunidades que conhecem e vivem na floresta. Isso também passa pela criação de um ambiente que estimule o ecossistema de inovação e de empreendedorismo. A retomada do Fundo Amazônia poderia ser um instrumento muito bem-vindo para impulsionar o desenvolvimento mais estruturado da bioeconomia na região da Amazônia e em outros biomas do Brasil.


[1] FAO defines bioeconomy as the production, utilization and conservation of biological resources, including related
knowledge, science, technology, and innovation, to provide information, products, processes and services across
all economic sectors aiming toward a sustainable economy.

[2] http://www.obt.inpe.br/OBT/noticias-obt-inpe/a-taxa-consolidada-de-desmatamento-por-corte-raso-para-os-nove-
estados-da-amazonia-legal-ac-am-ap-ma-mt-pa-ro-rr-e-to-em-2019-e-de-10-129-km2

[3] Ecossistema de negócios é um conceito que se origina da biologia e que nesse contexto significa a interdependência de papéis para que o sistema funcione apropriadamente (Cruz, Quitério, Scretas, 2018). É um termo comumente usado quando se refere a investimentos de impacto socioambiental.

[4] Mercados institucionais são aqueles provenientes de programas de compras públicas, como, por exemplo, PNAE, destinado às escolas públicas, e PAA. Mas, existem mercados institucionais que se originam de universidades, exército e outros órgãos públicos.

[5] Financiamento híbrido é o uso estratégico de recursos financeiros para desenvolvimento para a mobilização de financiamento privado adicional em prol do desenvolvimento sustentável https://www.oecd.org/dac/financing-
sustainable-development/blended-finance-principles/
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Respeito ao protagonismo dos povos da Amazônia

Diego Coppio. FEA-USP, 11 de março de 2024
Imagens de Marcos Santos

A exploração da Amazônia da forma que é feita atualmente é injusta com os nativos da região, que têm seus conhecimentos sobre o território invalidados e desrespeitados. A opinião é do secretário do Meio Ambiente do Amazonas, Eduardo Taveira (foto à dir). “A agenda de meio ambiente tem que ter outro olhar, não é de domínio europeu. A nossa agenda é de quem sofre os impactos das mudanças climáticas da maneira mais perversa e não tem como se adaptar: uma agenda que descarta o conhecimento tradicional associado ao uso dos recursos naturais para sua própria existência. Quando você muda esse regime de conhecimento, você perde a capacidade de conexão das populações originárias com a realidade onde eles são mestres e doutores”.

O secretário Eduardo Taveira esteve na FEA nos dias 19 e 20 de fevereiro, junto com o reitor da UFPA (Universidade Federal do Pará), Emmanuel Zagury Tourinho, para debaterem os desafios do desenvolvimento sustentável e da governança ambiental na Amazônia. As palestras fizeram parte da programação da Disciplina Concentrada “Governança Ambiental: Bioeconomia na Amazônia”, organizada pelos professores Jacques Marcovitch e Maria Sylvia Saes, através do Projeto Bioeconomia – Estudo das Cadeias de Valor no Estado do Amazonas – da FEAUSP. Antes do debate, o reitor da UFPA foi recepcionado pelo reitor da USP, Carlos Carlotti, e pela diretoria da FEA.

Na ocasião, os palestrantes ressaltaram a necessidade de assegurar o protagonismo intelectual e decisório aos povos nativos da Amazônia, ao invés da prevalência de políticas externas que enxergam a Amazônia como um território a ser integrado ao restante do país. 

Emmanuel Tourinho, Reitor da Universidade Federal do Pará

Emmanuel Tourinho, Reitor da Universidade Federal do Pará

“É incrível como o Brasil manteve a política de desenvolvimento ao longo dos anos de negar a realidade amazônica, de apagá-la, domesticá-la e de não reconhecer a prioridade do conhecimento sobre biodiversidade e manejo inerente às populações tradicionais. A Amazônia sempre foi vista como um lugar a ser integrado, fora do eixo, a ser conquistado. Parece que nunca fizemos parte da realidade brasileira “, denunciou Taveira. 

Essa é a lógica do “princípio do vazio”. Segundo o reitor da UFPA Emmanuel Tourinho (foto à esq.), trata-se da ideia de que a Amazônia é um território de baixa densidade populacional com extensas faixas de território desocupado, que orienta grande parte das decisões sobre políticas públicas para a região, tomadas por agentes externos, que julgam dispensável a inclusão de populações nativas em papéis de protagonismo.

Busca por soluções

Para Emmanuel Tourinho, a resposta do problema envolve o investimento na pesquisa acadêmica e participação ativa de movimentos sociais na região. “Eu me admiro de não haver políticas públicas que aproveitem a capacidade de atuação das universidades, elas são muito enraizadas na realidade social. Onde tem universidade é diferente, há maior consciência ambiental, maior luta por direitos, maior conservação dos biomas, maior renda porque a economia também aquece. Recentemente foi publicado um estudo sobre o que se conhece da biodiversidade amazônica. E os locais onde mais se conhece têm a ocorrência de universidades”.

O reitor da UFPA alega haver um subfinanciamento nas universidades da região amazônica, quando comparadas com as do Sudeste. Segundo ele, a UFPA é a segunda maior federal do país, com mais de 50 mil alunos, e possui orçamento menor que algumas federais do sul e sudeste, mesmo com um contingente maior de alunos. “É preciso entender que, se for para salvar a Amazônia, então fortaleça as instituições da Amazônia. O fortalecimento das universidades da Amazônia não concorre com as outras. Se existir uma rede de excelentes universidades na Amazônia, não vai diminuir nenhuma universidade de outro lugar, só vai fortalecer todo mundo”, argumentou Tourinho.

Tendo isso em pauta, a UFPA criou, em 2023, o Centro Integrado da Sociobiodiversidade da Amazônia (CISAM), uma rede de pesquisadores que engloba as 13 universidades localizadas na Amazônia Legal. “O CISAM busca produzir respostas interdisciplinares e multidimensionais para os problemas da Amazônia, em ações que não duram o tempo de um projeto, mas são perenes, envolvem conhecer e promover a procriação do conhecimento pela sociedade”, explicou o reitor da UFPA. Composto por oito redes temáticas de pesquisa, o CISAM busca integrar em seu funcionamento a ideia de protagonismo do conhecimento amazônico obtido através da interação com a realidade da região, e de pesquisas formuladas no território, em detrimento de projetos importados de outras realidades.

Além da falta de protagonismo decisório da população amazônica, o secretário do Meio Ambiente do Amazonas acredita que o excesso de burocracias e a agenda política também interferem na formulação de políticas públicas em prol do desenvolvimento sustentável na região. Taveira citou o Fundo Amazônia, criado em 2008, como um mecanismo eficiente, mas que teve suas operações paradas por quatro anos, até ser retomado por sua gestão. “É um fundo associado a doadores, que colocam recursos a partir da aposentadoria das emissões. É um mercado voluntário. Mas o Fundo Amazônia também precisa se desburocratizar, da maneira que está hoje, é muito difícil que estados e universidades públicas executem os recursos”, explicou.

Lucas Xavier (UESC), Sylvia Saes ( Vice diretora da FEA/USP), Jacques Marcovitch ( Projeto Bioeconomia),  Carlos Carlotti Jr (Reitor da USP), 
Dolores Montoya ( Diretora da FEA/USP),  Emmanuel Tourinho ( Reitor da UFPA)  João Paulo Capobianco ( Secretário Executivo do MMA), Carlos Pacheco (Diretor-presidente da Fapesp)  João Arthur Reis ( Amazonia + 10 da Fapesp)
Lucas Xavier (UESC), Sylvia Saes (Vice diretora da FEA/USP), Jacques Marcovitch (Projeto Bioeconomia),  Carlos Carlotti Jr (Reitor da USP), Dolores Montoya (Diretora da FEA/USP),  Emmanuel Tourinho (Reitor da UFPA)  João Paulo Capobianco (Secretário Executivo do MMA), Carlos Pacheco (Diretor-presidente da Fapesp) e João Arthur Reis (Amazonia + 10 da Fapesp)

“Vale a reflexão a respeito de mecanismos rápidos de transferência de recursos. Temos que ter a capacidade de desenvolver um mercado de ativos ambientais, seja por meio de florestas manejadas, de ativos e recursos genéticos presentes na biodiversidade, no reconhecimento e valorização do conhecimento tradicional associado ao uso desses recursos”, concluiu Taveira.

O secretário ainda mencionou o Fundo Verde para o Clima, criado em 2010 na COP-16, dedicado ao financiamento de projetos em países vulneráveis que objetivem a redução das emissões de carbono e das mudanças climáticas. Para Taveira, o projeto ainda está distante das metas propostas, sendo que a intensa burocratização também é um percalço no acesso aos recursos. “Os países ricos não fizeram sua parte em uma agenda ambiental importante para corrigir as injustiças climáticas proporcionadas por um sistema de crescimento global no qual somos apenas geradores de matéria prima. Por isso que a agenda ambiental é geopolítica. No fundo, todos ficam jogando a responsabilidade de quem vai dar o primeiro passo. Mas se falamos de justiça climática, não são as regiões pobres a causa das mudanças”, defendeu.

Preparações para a COP-30 em Belém

Emmanuel Tourinho comentou sobre a realização da COP-30 em 2025, sediada em Belém. Segundo o reitor da UFPA, a universidade receberá a 76ª cúpula anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência em julho de 2024. Ele acredita que essa reunião possa servir como uma preparação da comunidade científica brasileira para a Conferência das Nações Unidas. “Estarão lá muitos dos principais cientistas brasileiros discutindo o futuro do país e do planeta no território amazônico, acolhidos pela instituição cuja vocação maior é pensar a Amazônia”, disse.

“Para o período da COP-30, em 2025, o que a UFPA pretende é construir uma programação de debates sobre a Amazônia que reúna cientistas e lideranças da sociedade. Uma espécie de COP da ciência e dos movimentos sociais pela Amazônia. Para essa programação, além de pessoas da própria região, esperamos contar com a participação de colaboradores brasileiros e estrangeiros que estejam interessados em saber o que pensa quem vive na região fazendo ciência ou então pela sobrevivência. Ainda não sabemos se essa programação ocorrerá como parte da COP 30 ou como iniciativa independente da UFPA e seus parceiros”, concluiu Tourinho.